Todos os Poetas

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Mãe
em 10/05/2012 17:18:41 (4824 leituras)
Cora Coralina

Renovadora e reveladora do mundo
A humanidade se renova no teu ventre.
Cria teus filhos,
não os entregues à creche.
Creche é fria, impessoal.
Nunca será um lar
para teu filho.
Ele, pequenino, precisa de ti.
Não o desligues da tua força maternal.

Que pretendes, mulher?
Independência, igualdade de condições…
Empregos fora do lar?
És superior àqueles
que procuras imitar.
Tens o dom divino
de ser mãe
Em ti está presente a humanidade.

Mulher, não te deixes castrar.
Serás um animal somente de prazer
e às vezes nem mais isso.
Frígida, bloqueada, teu orgulho te faz calar.
Tumultuada, fingindo ser o que não és.
Roendo o teu osso negro da amargura.


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A Revolução da Bondade
em 06/05/2012 15:40:55 (4154 leituras)
José Saramago

Acho que a grande revolução, e o livro «Ensaio sobre a Cegueira» fala disso, seria a revolução da bondade. Se nós, de um dia para o outro, nos descobríssemos bons, os problemas do mundo estariam resolvidos. Claro que isso nem é uma utopia, é um disparate. Mas a consciência de que isso não acontecerá, não nos deve impedir, cada um consigo mesmo, de fazer tudo o que pode para reger-se por princípios éticos. Pelo menos a sua passagem por este mundo não terá sido inútil e, mesmo que não seja extremamente útil, não terá sido perniciosa. Quando nós olhamos para o estado em que o mundo se encontra, damo-nos conta de que há milhares e milhares de seres humanos que fizeram da sua vida uma sistemática acção perniciosa contra o resto da humanidade. Nem é preciso dar-lhes nomes.

José Saramago, in " Folha de S. Paulo, Outubro 1995"


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Mater
em 03/05/2012 20:39:15 (2017 leituras)
Olavo Bilac

Tu, grande Mãe!... do amor de teus filhos escrava,
Para teus filhos és, no caminho da vida,
Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava
À longe Terra Prometida.

Jorra de teu olhar um rio luminoso.
Pois, para batizar essas almas em flor,
Deixas cascatear desse olhar carinhoso
Todo o Jordão do teu amor.

E espalham tanto brilho as asas infinitas
Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas,
Que o seu grande dano sobe, quando as agitas,
E vai perder-se entre as estrelas.

E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada,
Fogem da humana dor, fogem do humano pé,
E, à procura de Deus, vão subindo essa escada,
Que é como a escada de Jacó.




Olavo Bilac, in "Poesias"


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A Poesia não se Inventou para Cantar o Amor
em 24/04/2012 14:35:54 (4022 leituras)
Eça de Queirós

A poesia não se inventou para cantar o amor — que de resto não existia ainda quando os primeiros homens cantaram. Ela nasceu com a necessidade de celebrar magnificamente os deuses, e de conservar na memória, pela sedução do ritmo, as leis da tribo. A adoração ou captação da divindade e a estabilidade social, eram então os dois altos e únicos cuidados humanos: — e a poesia tendeu sempre, e tenderá constantemente a resumir, nos conceitos mais puros, mais belos e mais concisos, as ideias que estão interessando e conduzindo os homens. Se a grande preocupação do nosso tempo fosse o amor — ainda admitiríamos que se arquivasse, por meio das artes da imprensa, cada suspiro de cada Francesca. Mas o amor é um sentimento extremamente raro entre as raças velhas e enfraquecidas. Os Romeus, as Julietas (para citar só este casal clássico) já não se repetem nem são quase possíveis nas nossas democracias, saturadas de cultura, torturadas pela ansia do bem-estar, cépticas, portanto egoístas, e movidas pelo vapor e pela electricidade. Mesmo nos crimes de amor, em que parece reviver, com a sua força primitiva e dominante, a paixão das raças novas, se descobrem logo factores lamentavelmente alheios ao amor, sendo os dois principais aqueles que mais caracterizam o nosso tempo: o interesse e a vaidade. Nestas condições, o amor que voltou a ser, como na Grécia, um Cupido pequenino e brincalhão, que esvoaça, surripiando aqui e além um prazer fugitivo — é removido para entre os cuidados subalternos do homem, muito para baixo do dinheiro, muito para baixo da política... É uma ocupação, sem malícia o digo, que se deixa para quando acabar o dia verdadeiro e útil, e com ele os negócios, as ideias, os interesses que prendem. «Já não há hoje nada de produtivo a fazer? Já não há nada de sério em que pensar?... Bem! Então, um pouco de perfume nas mãos, e abra-se a porta ao amor que espera!» A isto está reduzida a Vénus fatal e vencedora!
Ora quando uma arte teima em exprimir unicamente um sentimento que se tornou secundário nas preocupações do homem — ela própria se torna secundária, pouco atendida e perde a pouco e pouco a simpatia das inteligências. Por isso hoje, tão tenazmente, os editores se recusam a editar, e os leitores se recusam a ler, versos em que só se cante de amor e de rosas. E o artista que não quer ser uma voz clamando no deserto e um papel apodrecendo no armazém, começa a evitar o amor como tema essencial da sua obra.



Eça de Queirós, in 'A Correspondência de Fradique Mendes'


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A Consciência Débil da Nossa Autenticidade
em 19/04/2012 19:32:32 (1848 leituras)
Vergílio António Ferreira

A consciência que te acompanha no que vais sendo é o puro registo disso que vais sendo para o poderes ler, se quiseres, depois de já ter sido. Mas no instante de seres o que és, o que és é apenas, por uma decisão anterior ao decidires. O que és é-lo onde a tua realidade profunda em profundeza obscura se realizou. O que és é-lo no absoluto de ti. A consciência testifica-nos apenas como o ser privilegiado que sabe o que é por aquilo que vai sendo e pode assim reconverter-se à posse iluminada disso que vai sendo. A consciência constata mas não interfere senão para se não ser mais o que se foi, ou mais rigorosamente, para se não querer ser o que se é - o que é ser-se ainda, embora de outra maneira.
Porque se neste instante me sobreponho, ao que sou, outra maneira de ser - a consciência que me altera o primeiro modo de ser é a paralela iluminação do modo de ser segundo. Decidi ainda antes de decidir, quando decidi não ser o que primeiramente decidira. Assim no torvelinho dos actos que me presentificam e da consciência desses actos, sempre o insondável de nós se abre para lá do que podemos sondar. Sempre a realidade de nós é a realidade original que na origens se gera. Sempre a autenticidade de nós está a uma distância infinita das razões que a justificam.




Vergílio Ferreira, in 'Invocação ao Meu Corpo'


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Amor e Crença
em 17/04/2012 14:14:49 (6160 leituras)
Augusto dos Anjos

Sabes que é Deus? Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?

Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?

Ah! Se queres saber a sua grandeza
Estende o teu olhar à Natureza,
Fita a cúp’la do Céu santa e infinita!

Deus é o Templo do Bem. Na altura imensa,
O amor é a hóstia que bendiz a crença,
Ama, pois, crê em Deus e... sê bendita!


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Vida e Obra
em 16/04/2012 13:37:17 (3209 leituras)
Vergílio António Ferreira

Às 15 horas do dia 28 de Janeiro, sexta-feira, de 1916, em Melo, concelho de Gouveia, nasce Vergílio António Ferreira, filho de António Augusto Ferreira e Josefa Ferreira.

Em 1920, os pais de Vergílio Ferreira emigram para os Estados Unidos, deixando-o, com seus irmãos, ao cuidado de suas tias maternas. Esta dolorosa separação é descrita em Nitido Nulo. A neve - que virá a ser um dos elementos fundamentais do seu imaginário romanesco é o pano de fundo da infância e adolescência passadas na zona da Serra da Estrela.

Aos 10 anos, após uma peregrinação a Lourdes, entra no seminário do Fundão, que frequentará durante seis anos. Esta vivência será o tema central de Manhã Submersa.


Em 1932, deixa o seminário e acaba o Curso Liceal no Liceu da Guarda. Começa a dedicar-se à poesia. Entra para a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, continuando a dedicar-se à poesia, nunca publicada, salvo alguns versos lembrados em Conta-Corrente e, em 1939, escreve o seu primeiro romance, O Caminho Fica Longe. Licenciou-se em Filologia Clássica em 1940. Conclui o Estágio no Liceu D.João III (1942), em Coimbra. Começa a leccionar em Faro. Publica o ensaio "Teria Camões lido Platão?" e, durante as férias, em Melo, escreve "Onde Tudo Foi Morrendo". Em 1944, passa a leccionar no Liceu de Bragança, publica "Onde Tudo Foi Morrendo" e escreve Vagão "J". Na sua vida de professor liceal, há dois momentos fundamentais: a sua estada em Évora (1945-1958) - que entrará para o nosso imaginário através de Aparição - e a sua vinda para Lisboa (1959), onde ensinou no Liceu Camões até à sua reforma.

A primeira fase do seu percurso romanesco, agora retirada da edição da Obra Completa enquadra-se no neo-realismo então vigente. Ainda assim, Vagão J (1946) opera já uma pequena revolução sem consequências: o movimento neo-realista passou-lhe ao lado, e o autor, perante a incompreensão da crítica, recuou e só viria a reincidir muito mais tarde.


Com Mudança (1949) começa Vergílio Ferreira a conquistar a sua voz própria. Aliás, em maior rigor, dever-se-ia dizer que é a voz própria que começa a conquistar o seu autor. De facto, Mudança estava arquitectado para ser um romance neo-realista exemplar - e em muitos aspectos é-o; mas é também outra coisa, que posteriormente se veio a interpretar como sendo a deslocação do neo-realismo para o existencialismo. Tal deslocação ter-se-lhe-á imposto inconscientemente no processo de escrita, sobretudo no tratamento do tempo e da figura da infância. Na velocidade do tempo que estrutura o romance - e que decorre do modo de representação neo-realista: materialismo histórico e materialismo dialéctico, a figura da infância enquanto queda para o passado e queda tanto mais desamparada quanto esse passado não é apenas uma memória mas sobretudo o sem fundo que fecha e vela o próprio sentido do nosso trânsito pelo tempo, a figura da infância introduz a desaceleração que toda a hipótese de um sentido arqueológico introduz. Não significa isso que essa atenção ao mais original solucione os problemas de sentido - ela desloca apenas as coordenadas da procura. Mas com esse movimento transforma-se também o modo de representação.


É já de uma forma deliberada que Vergílio Ferreira se distancia do neo-realismo nos romances escritos antes de Aparição (1959) mas só publicados depois deste. Em Apelo da Noite (1963) reivindica-se face ao homem de acção, o "crime de pensar "; em Cântico Final (1960) é a arte, como encontro de um "mundo original", de um sagrado ou absoluto agnóstico, que se furta a qualquer compromisso ideológico. Mas é Aparição - que juntamente com A Sibila (1953) de Augustina Bessa-Luís o romance português contemporâneo - que imporá o seu universo romanesco, seja naquilo a que se chamou, não sem verdade, mas com alguma pressa reducionista, o eu existencialismo, seja no seu estilo ensaístico ou filosofante. Tentando descrever a experiência , no limite inenarrável, do aparecimento do eu a si próprio, e circunscrevendo-a dentro de uma problemática decididamente metafísica e existencial, Aparição é o limiar de uma agónica mas sempre deslumbrada interrogação sobre a condição humana. Estrela Polar (1962) e sobretudo Alegria Breve (1965), onde o pathos da sua escrita atinge o ponto de máxima exacerbação mas também de máxima perfeição, além de aprofundarem e completarem a temática de Aparição, introduzem um experimentalismo que terá larga descendência na nossa ficção. A partir de Nítido Nulo (1972) o tom da sua obra começa a ser matizado pela ironia. É uma ironia que vem daquilo que o desgaste ensina . E o que ele ensina é que toda a verdade se esvazia, toda a evidência se torna opaca, todas as ideias pesam para o lado da morte. O pathos até aí predominante era o era o tom de quem falava do interior de uma evidência estética, de uma Stimmung umbilical. Nunca em Vergílio Ferreira uma árvore provoca náusea ou uma praia com sol induz um crime absurdo. Se há náusea (mas praticamente não a há) ou absurdo (este sim, mais visível), eles não começam logo na facticidade do mundo mas somente na condição humana em si mesma. O mundo apenas é. Experienciá-lo esteticamente é já um limiar de sentido. Daí que os narradores vergilianos se sintam tentados a configurá-lo como uma verdade, existencial e não sistemática, é certo, mas suficientemente segura para se afirmar contra todas as ideologias. Ora o que acontece no "niilismo activo " de Nítido Nulo, no seu "morrer tudo", é tudo envolve também esta hipótese de verdade que os narradores anteriores utilizavam como escudo no combate cultural. O deslizar insensível da aisthesis para o logos é agora difícil, e sê-lo-á cada vez mais. Por isso os romances se começam a distribuir por dois espaços - tempo: um passado onde decorre o diferendo ideológico - cultural, diferendo não só incomensurável como, em última instância (revelada por aquilo que o desgaste ensina), inútil; e um presente de pura afirmação de ser.

O primeiro pólo perderá progressivamente a sua capacidade de engendramento narrativo, o combate que nele se desenrolará é apenas o ruído do mundo, não uma alínea de qualquer história teleologicamente configurada - daí a paralisia da história em Signo Sinal (1979). O segundo pólo, impossibilitado agora de funcionar como " fundamento mítico " de uma macronarrativa, apresenta-se como uma espécie de justaposição de hauikus, de nós de revelação que não constróem o "sentido de um final " mas uma litania de apaziguamento, uma pietas para com aquilo que mais primordialmente somos - um sujeito - casa atravessado por tudo o que vem de todos os pontos cardeais, e todavia lateral a essas múltiplas orientações, sempre não sabendo, como em Para Sempre (1983) ou nas séries de Conta-Corrente (1890 a 1992).


É este não - saber que obriga Vergílio Ferreira ao continuar da escrita e faz que os narradores vergilianos envelheçam como o seu autor. Envelhecer, por exemplo, é passar de filho a pai. De Até ao fim (1987) a Cartas a Sandra (1996), o narrador, entre outras coisas, é um pai a quem o filho morre. O que morre na morte do filho é aquela força que não suporta a suspensão da história e se autodestrói na procura da resposta que não há. Poder-se-ia mesmo dizer que a morte do filho é a prova por absurdo de que a lateralidade axiológica em que se coloca o pai não é simplesmente a desistência do cansaço mas a sabedoria da suplementaridade, seja a do puro possível da verdade branca do mar que move Até ao Fim, seja a da ironia dos contrafactuais ontológicos que se experimenta em Na Tua Face (1993).


Envelhecer é também passar da despesa do tempo à sua reinvenção no absoluto da memória. Mas esta lição (ou condição) proustiana tem em Vergílio Ferreira as condicionantes contemporâneas de uma sociedade tardo-capitalista, aquela em que a redescrição metafórica do que foi não pode já competir com os meios tecnológicos de representação (cinema, TV, vídeo, etc.) e por isso constrói a afectividade do acontecimento puro: " Não bem o seu corpo esbelto como um voo de ave, mas só esse voo. Não bem a sua juventude eterna mas a eternidade. Não o gracioso dela mas a graça " (Em Nome da Terra , 1990).

Claro que há ainda romance, e até na sua dimensão mais consensual e acidentalmente romanesca, que é a da história de amor. Mas se, na sequência da tradição, também aqui o amor é aquilo que só se sabe depois, diferentemente dela, este depois não é a origem reencontrada mas um frágil presente que se sustenta apenas da escrita do nome amado, como em Cartas a Sandra, romance que deixa incompleto e que foi publicado no ano da sua morte. Vergílio Ferreira morre em Lisboa, a 1 de Março de 1996 e é sepultado em Melo.


Neste presente, que é a perda serena de todas as estórias, desenha-se com nitidez a dificuldade contemporânea do fazer sentido. É dessa crise (de cultura e de civilização), das suas várias alíneas polemizantes (marxismo, estruturalismo, filosofia da linguagem), mas também daquilo que cria a esperança de um depois dela (a arte, os autores que se amam, a insistência do pensamento), que falam os inúmeros ensaios que Vergílio Ferreira também escreveu, com muito particular acerto Carta ao Futuro (1958), Inovação do meu corpo (1969) e Pensar (1992).

Fonte: http://vferreira.no.sapo.pt/vida.html

"Um cantor fixa um tema. Mas esse tema, revelando, como revela, um interesse, revela sobretudo que foi só em torno dele que o artista pôde realizar-se como tal."
— Vergílio Ferreira

Atravessa a sua obra o discurso da solidão, como um dos aspectos mais profundos da condição humana, sempre acompanhado pelo silêncio, que advém do abandono da entidade divina.
Perpassa, na obra deste autor, uma tentativa de elevar os problemas individuais à generalidade dos Homens uma vez que não se refere a um "eu" que fala de si, mas um "EU" mais amplo que se refere a todos os Homens. Qualquer que seja a problemática tratada pelo este autor ela parte da reflexão sobre a questão do "eu" mas essa questionação avança, quase sempre, no sentido do homem ao Homem.
De qualquer forma, verificamos que em Vergílio Ferreira, a consciência do "eu" e da sua solidão se manifestam através da visão, instrumento privilegiado de acesso ao pensamento reflexivo. As personagens de Vergílio Ferreira assumem um papel questionador, procurando esse sentido uma vez que o mundo aparecia (…) sob a forma de uma absurda estupidez.
Por este motivo, Carlos Ceia observa que "o romance de Vergílio Ferreira é uma interrogação sobre a humanidade do homem".
Os protagonistas de Vergílio Ferreira são, antes de mais, questionadores e problematizores do real: uns desvinculadas ou em vias de se desvincularem da vida; outros, à procura de uma Estrela Polar, guia no caminho ou à espera da resposta E se Deus não existisse?

Durante treze anos (1981-1994) Vergílio Ferreira publicou nove volumes de diário, ao qual pôs o título genérico de Conta-Corrente. Os textos contidos nesses volumes vão desde Fevereiro de 1969 (altura em que iniciou a sua escrita) até Dezembro de 1992 (altura em que terá abandonado o género). Os volumes subdividem-se em duas séries: a primeira composta por cinco volumes e a segunda composta por quatro volumes.
A publicação do diário de Vergílio Ferreira foi uma das poucas tempestades na bonançosa comunidade literária pós 25 de Abril, como também é «um documento precioso sobre a evolução da ideias do século XX português. Vergílio Ferreira era um homem atento a tudo aquilo que o rodeava, quer tivesse interesse político, ou social, ou estético, ou literário. O seu diário veio, assim, agitar a comunidade portuguesa pensante, criando alguns focos de conflito por um lado e manifestações de apoio por outro.
O autor já tinha por várias vezes tentado escrever um diário, mas foi só em 1969 que leva o seu projecto em frente: «Fiz cinquenta e três anos há dias. (…) É a opinião do Registo Civil (…). E então lembrei-me: e se eu tentasse uma vez mais o registo diário do que me foi afectando?» . Esta frase é sem dúvida elucidativa das intenções do autor: primeiro, tentar escrever um registo diário; segundo, escrever nele tudo aquilo que o foi marcando. Nesta frase também se pode verificar que não é a primeira vez que o autor tenta escrever um diário: «e se eu tentasse mais uma vez».
O tentar escrever um diário é algo que está sempre presente, e, muitas vezes, a escrita desse mesmo diário torna-se difícil, pois o autor sente que se está a expor em demasiado perante o leitor, sente que o leitor pode “lê-lo”: «Extremamente difícil continuar este diário.(…) Que me leiam um romance, não me perturba. Mas não que me leiam a mim.» Existe a questão do íntimo sempre presente ao longo deste volume e o próprio autor refere que colocar ao alcance dos seus leitores a sua intimidade, os seus desabafos, não é propriamente algo que lhe agrada: «o desejo de “desabafar” não é propriamente um desejo sublime». Apesar de tudo a escrita do diário prossegue.
Mas, o que levou o autor a continuar o seu diário?
Segundo Eduardo Prado Coelho o diário «recorta sobre um fundo de impossibilidade de escrita. É na medida em que Vergílio Ferreira não tem a certeza de ser capaz de escrever ainda que suporta deslizar para este devir-feminino da escrita de um diário» . O próprio Vergílio Ferreira coloca uma condição para continuar a escrever o diário: «A continuar, só optando pelo registo que transcende os limites pessoais.» . No entanto, a escrita do diário prosseguiu.

Ficção
1943 O Caminho fica Longe
1944 Onde Tudo foi Morrendo
1946 Vagão "J"
1949 Mudança
1953 A Face Sangrenta
1954 Manhã Submersa
1959 Aparição
1960 Cântico Final
1962 Estrela Polar
1963 Apelo da Noite
1965 Alegria Breve
1971 Nitido Nulo
1972 Apenas Homens
1974 Rápida, a Sombra
1976 Contos
1979 Signo Sinal
1983 Para Sempre
1986 Uma Esplanada Sobre o Mar
1987 Até ao Fim
1990 Em Nome da Terra
1993 Na Tua Face
1996 Cartas a Sandra
1976 A Palavra Mágica (publicada em separado, no entanto faz parte do livro Contos)
sexto filho

Ensaios
1943 Sobre o Humorismo de Eça de Queirós
1957 Do Mundo Original
1958 Carta ao Futuro
1963 Da Fenomenologia a Sartre
1963 Interrogação ao Destino, Malraux
1965 Espaço do Invisivel I
1969 Invocação ao Meu Corpo
1976 Espaço do Invisivel II
1977 Espaço do Invisivel III
1981 Um Escritor Apresenta-se
1987 Espaço do Invisivel IV
1988 Arte Tempo

Diários
1980 Conta-Corrente I
1981 Conta-Corrente II
1983 Conta-Corrente III
1986 Conta-Corrente IV
1987 Conta-Corrente V
1992 Pensar
1993 Conta-Corrente-nova série I
1993 Conta-Corrente-nova série II
1994 Conta-Corrente-nova série III
1994 Conta-Corrente-nova série IV

Fonte:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Verg%C3%ADlio_Ferreira


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O cântico da terra
em 10/04/2012 19:19:09 (2668 leituras)
Cora Coralina

Eu sou a terra, eu sou a vida.
Do meu barro primeiro veio o homem.
De mim veio a mulher e veio o amor.
Veio a árvore, veio a fonte.
Vem o fruto e vem a flor.

Eu sou a fonte original de toda vida.
Sou o chão que se prende à tua casa.
Sou a telha da coberta de teu lar.
A mina constante de teu poço.
Sou a espiga generosa de teu gado
e certeza tranqüila ao teu esforço.
Sou a razão de tua vida.
De mim vieste pela mão do Criador,
e a mim tu voltarás no fim da lida.
Só em mim acharás descanso e Paz.

Eu sou a grande Mãe Universal.
Tua filha, tua noiva e desposada.
A mulher e o ventre que fecundas.
Sou a gleba, a gestação, eu sou o amor.

A ti, ó lavrador, tudo quanto é meu.
Teu arado, tua foice, teu machado.
O berço pequenino de teu filho.
O algodão de tua veste
e o pão de tua casa.

E um dia bem distante
a mim tu voltarás.
E no canteiro materno de meu seio
tranqüilo dormirás.

Plantemos a roça.
Lavremos a gleba.
Cuidemos do ninho,
do gado e da tulha.
Fartura teremos
e donos de sítio
felizes seremos.


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Há homens que lutam um dia...
em 09/04/2012 22:40:08 (11937 leituras)
Bertold Brecht

Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis


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Se alguém bater um dia à tua porta
em 09/04/2012 22:27:53 (6877 leituras)
Fernando Pessoa

Se alguém bater um dia à tua porta,
Dizendo que é um emissário meu,
Não acredites, nem que seja eu;
Que o meu vaidoso orgulho não comporta
Bater sequer à porta irreal do céu.

Mas se, naturalmente, e sem ouvir
Alguém bater, fores a porta abrir
E encontrares alguém como que à espera
De ousar bater, medita um pouco. Esse era
Meu emissário e eu e o que comporta
O meu orgulho do que desespera.
Abre a quem não bater à tua porta!

Fernando Pessoa, 5-9-1934


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As rosas do tempo
em 09/04/2012 22:05:32 (4793 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Admirável espírito dos moços,
a vida te pertence. Os alvoroços,

as iras e entusiasmos que cultivas
são as rosas do tempo, inquietas, vivas.

Erra e procura e sofre e indaga e ama,
que nas cinzas do amor perdura a flama.







"Viola de bolso". In: TELES, G.M. (org.) Poesia completa.. Intr. de Silviano Santiago. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2002.


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Oxford
em 09/04/2012 21:41:10 (2264 leituras)
Vinícius de Moraes


Oh, partir pela noite enluarada
No puro anseio de chegar lá onde
A minha doce e fugitiva amada
Na madrugada, trêmula, se esconde...

Oh, sentir palpitar em cada fronte
O amor, oculto; e ouvir a voz velada
Da última estrela que do céu responde
Numa cintilação inesperada...

Oh, cruzar solidões, viver soturnas
Magias, e entre lágrimas noturnas
Ver o tempo passar, hora por hora

Para o instante em que, isenta de desejo
Ela despertará sob o meu beijo
Enquanto a treva se desfaz lá fora...

Oxford, 1938.


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Poesia Matemática
em 02/04/2012 21:30:26 (5444 leituras)
Millôr Fernandes


Às folhas tantas
Do livro matemático
Um Quociente apaixonou-se
Um dia
Doidamente
Por uma Incógnita.
Olhou-a com seu olhar inumerável
E viu-a, do Ápice à Base,
Uma Figura Ímpar;
Olhos rombóides, boca trapezóide,
Corpo otogonal, seios esferóides.
Fez da sua
Uma vida
Paralela a dela
Até que se encontraram
No Infinito.
"Quem és tu?"indagou ele
Com ânsia radical.
"Sou a soma dos quadrados dos catetos.
Mas pode me chamar de Hipotenusa."
E de falarem descobriram que eram
- O que, em aritmética, corresponde
A almas irmãs -
Primos-entre-si.
E assim se amaram
Ao quadrado da velocidade da luz
Numa sexta potenciação
Traçando
Ao sabor do momento
E da paixão
Retas, curvas, círculos e linhas sinoidais.
Escandalizaram os ortodoxos das fórmulas euclideanas
E os exegetas do Universo Finito.
Romperam convenções newtonianas e pitagóricas.
E, enfim, resolveram se casar
Constituir um lar.
Mais que um lar,
Uma perpendicular.

Convidaram para padrinhos
O Poliedro e a Bissetriz.
E fizeram planos, equações e diagramas para o futuro
Sonhando com uma felicidade
Integral
E diferencial.
E se casaram e tiveram uma secante e três cones
Muito engraçadinhos
E foram felizes
Até aquele dia
Em que tudo, afinal,
Vira monotonia.
Foi então que surgiu
O Máximo Divisor Comum
Freqüentador de Círculos Concêntricos.
Viciosos.
Ofereceu-lhe, a ela,
Uma Grandeza Absoluta,
E reduziu-a a um Denominador Comum.
Ele, Quociente, percebeu
Que com ela não formava mais Um Todo,
Uma Unidade. Era o Triângulo,
Tanto chamado amoroso.
Desse problema ela era a fração
Mais ordinária.
Mas foi então que o Einstein descobriu a Relatividade
E tudo que era expúrio passou a ser
Moralidade
Como, aliás, em qualquer
Sociedade.


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Elegia: Indo para o leito
em 14/03/2012 17:08:02 (2287 leituras)
Outros Autores

Elegia: Indo para o leito
(John Donne)

Vem, Dama, vem, que eu desafio a paz;
Até que eu lute, em luta o corpo jaz.
Como o inimigo diante do inimigo,
Canso-me de esperar se nunca brigo.
Solta esse cinto sideral que vela,
Céu cintilante, uma área ainda mais bela.
Desata esse corpete constelado,
Feito para deter o olhar ousado.
Entrega-te ao torpor que se derrama
De ti a mim, dizendo: hora da cama.
Tira o espartilho, quero descoberto
O que ele guarda, quieto, tão de perto.
O corpo que de tuas saias sai
É um campo em flor quando a sombra se esvai.
Arranca essa grinalda armada e deixa
Que cresça o diadema da madeixa.
Tira os sapatos e entra sem receio
Nesse templo de amor que é o nosso leito.
Os anjos mostram-se num branco véu
Aos homens. Tu, meu anjo, és como o céu
De Maomé. E se no branco têm contigo
Semelhança os espíritos, distingo:
O que o meu anjo branco põe não é
O cabelo mas sim a carne em pé.
Deixa que a minha mão errante adentre
Atrás, na frente, em cima, em baixo, entre.
Minha América! Minha terra à vista,
Reino de paz, se um homem só a conquista,
Minha mina preciosa, meu Império,
Feliz de quem penetre o teu mistério!
Liberto-me ficando teu escravo;
Onde cai minha mão, meu selo gravo.
Nudez total! Todo o prazer provém
De um corpo (como a alma sem corpo) sem
Vestes. As jóias que a mulher ostenta
São como as bolas de ouro de Atalanta:
O olho do tolo que uma gema inflama
Ilude-se com ela e perde a dama.
Como encadernação vistosa, feita
Para iletrados, a mulher se enfeita;
Mas ela é um livro místico e somente
A alguns (a que tal graça se consente)
É dado lê-la. Eu sou um que sabe;
Como se diante da parteira, abre-
Te: atira, sim, o linho branco fora,
Nem penitência nem decência agora.
Para ensinar-te eu me desnudo antes:
A coberta de um homem te é bastante.


Tradução: Augusto de Campos


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A Tua Roca
em 28/02/2012 22:50:51 (2480 leituras)
Outros Autores





Quando te vejo à noitinha
Nessa cadeira sentada,
Xaile cruzado no peito,
Na cinta a roca enfeitada.

Os olhos postos na estriga,
Volvendo o fuso nos dedos,
Os lábios contando ao fio
Da tua boca segredos.

Eu digo, sem que tu oiças,
Pondo os olhos na tua roca:
Se eu um dia fosse estriga,
Beijaria aquela boca!

Que eu nunca te vi fiando
Sem invejar os desvelos
Com que desfias do linho
Os brancos, finos cabelos!

E aquela fita de seda
Com que enleias o fiado,
Irmã do lencinho verde
Que trazes no penteado?

Parece aquilo um abraço
De um amor que é todo nosso,
A trança do teu cabelo
Em volta do meu pescoço!

É por isso que eu murmuro
Vendo a fita que se enreda:
Quem me dera ser a estriga,
E ela a fitinha de seda!

Eu já sei o que sinto,
Se tristeza, se ventura,
Mal que suspendes a roca
Da tua breve cintura!

Penso que fias nos dedos
Os dias da minha vida,
Ao pé de ti sempre curta,
Ao longe sempre comprida!

Pareces-me um ramalhete
Sentada nessa cadeira,
E a fita da tua roca
A silva de uma roseira.

Meu amor, quando acabares
De espiar a tua estriga
E ouvires por alta noite
Soluçar uma cantiga,

Sou eu que estou a lembrar-me
Da tua divina boca,
E penso que em mim são dados
Os beijos que dás na roca!

Peninsulares - José Simões Dias (1844-1899)


Comentários?
A uma mulher amada
em 25/02/2012 12:10:38 (3808 leituras)
Outros Autores


Ditosa que ao teu lado só por ti suspiro!
Quem goza o prazer de te escutar,
quem vê, às vezes, teu doce sorriso.
Nem os deuses felizes o podem igualar.

Sinto um fogo sutil correr de veia em veia
por minha carne, ó suave bem querida,
e no transporte doce que a minha alma enleia
eu sinto asperamente a voz emudecida.

Uma nuvem confusa me enevoa o olhar.
Não ouço mais. Eu caio num langor supremo;
E pálida e perdida e febril e sem ar,
um frêmito me abala... eu quase morro... eu tremo.

Safo
Tradução por Décio Pignatari


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Quadras ao Gosto Popular
em 16/02/2012 12:19:54 (17258 leituras)
Fernando Pessoa



Cantigas de portugueses
São como barcos no mar —
Vão de uma alma para outra
Com riscos de naufragar.

Eu tenho um colar de pérolas
Enfiado para te dar:
As per'las são os meus beijos,
O fio é o meu penar.

A terra é sem vida, e nada
Vive mais que o coração...
E envolve-te a terra fria
E a minha saudade não!

Deixa que um momento pense
Que ainda vives ao meu lado...
Triste de quem por si mesmo
Precisa ser enganado!

Morto, hei de estar ao teu lado
Sem o sentir nem saber...
Mesmo assim, isso me basta
P'ra ver um bem em morrer.

Não sei se a alma no Além vive...
Morreste! E eu quero morrer!
Se vive, ver-te-ei; se não,
Só assim te posso esquecer.

Se ontem à tua porta
Mais triste o vento passou —
Olha: levava um suspiro...
Bem sabes quem to mandou...

Entreguei-te o coração,
E que tratos tu lhe deste!
É talvez por 'star estragado
Que ainda não mo devolveste ...

A caixa que não tem tampa
Fica sempre destapada
Dá-me um sorriso dos teus
Porque não quero mais nada.

Tens o leque desdobrado
Sem que estejas a abanar.
Amor que pensa e que pensa
Começa ou vai acabar.

Duas horas te esperei
Dois anos te esperaria.
Dize: devo esperar mais?
Ou não vens porque inda é dia?

Toda a noite ouvi no tanque
A pouca água a pingar.
Toda a noite ouvi na alma
Que não me podes amar.

Dias são dias, e noites
São noites e não dormi...
Os dias a não te ver
As noites pensando em ti.

Trazes a rosa na mão
E colheste-a distraída...
E que é do meu coração
Que colheste mais sabida?

Teus olhos tristes, parados,
Coisa nenhuma a fitar...
Ah meu amor, meu amor,
Se eu fora nenhum lugar!

Depois do dia vem noite,
Depois da noite vem dia
E depois de ter saudades
Vêm as saudades que havia.

No baile em que dançam todos
Alguém fica sem dançar.
Melhor é não ir ao baile
Do que estar lá sem lá estar.

Vale a pena ser discreto?
Não sei bem se vale a pena.
O melhor é estar quieto
E ter a cara serena.

Rosmaninho que me deram,
Rosmaninho que darei,
Todo o mal que me fizeram
Será o bem que eu farei.

Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio.

Quando é o tempo do trigo
É o tempo de trigar,
A verdade é um postigo
A que ninguém vem falar.

Levas chinelas que batem
No chão com o calcanhar.
Antes quero que me matem
Que ouvir esse som parar.

Em vez da saia de chita
Tens uma saia melhor.
De qualquer modo és bonita,
E o bonita é o pior.

Levas uma rosa ao peito
E tens um andar que é teu...
Antes tivesses o jeito
De amar alguém, que sou eu.

Teus brincos dançam se voltas
A cabeça a perguntar.
São como andorinhas soltas
Que inda não sabem voar.

Tens uma rosa na mão.
Não sei se é para me dar.
As rosas que tens na cara,
Essas sabes tu guardar.

Fomos passear na quinta,
Fomos à quinta em passeio.
Não há nada que eu não sinta
Que me não faça um enleio.

Os alcatruzes da nora
Andam sempre a dar e dar,
É para dentro e pra fora
E não sabem acabar.

Ó minha menina loura,
Ó minha loura menina,
Dize a quem te vê agora
Que já foste pequenina ...

Tens um livro que não lês,
Tens uma flor que desfolhas;
Tens um coração aos pés
E para ele não olhas.

Nunca dizes se gostaste
Daquilo que te calei.
Sei bem que o adivinhaste.
O que pensaste não sei.

O vaso que dei àquem
Que não sabe quem lho deu
Há de ser posto à janela
Sem ninguém saber que, é meu.

Tive uma flor para dar
A quem não ousei dizer
Que lhe queria falar,
E a flor teve que morrer.

Quando olhaste para trás,
Não supus que era por mim.
Mas sempre olhaste, e isso faz
Que fosse melhor assim.

Todos os dias eu penso
Naquele gesto engraçado
Com que pegaste no lenço
Que estava esquecido ao lado.

Tens uma salva de prata
Onde pões os alfinetes...
Mas não tem salva nem prata
Aquilo que tu prometes.

Adivinhei o que pensas
Só por saber que não era
Qualquer das coisas imensas
Que a minh'alma sempre espera.

Ouvi-te cantar de dia.
De noite te ouvi cantar.
Ai de mim, se é de alegria!
Ai de mim, se é de penar!

Por um púcaro de barro
Bebe-se a água mais fria.
Quem tem tristezas não dorme,
Vela para ter alegria.

O malmequer que arrancaste
Deu-te nada no seu fim,
Mas o amor que me arrancaste,
Se deu nada, foi a mim.

Teu xaile de seda escura
É posto de tal feição
Que alegre se dependura
Dentro do meu coração.

O manjerico comprado
Não é melhor que o que dão.
Põe o manjerico ao lado
E dá-me o teu coração.

Rosa verde, rosa verde,...
Rosa verde é coisa que há?
É uma coisa que se perde
Quando a gente não está lá.

A rosa que se não colhe
Nem por isso tem mais vida.
Ninguém há que te não olhe
Que te não queira colhida.

Há verdades que se dizem
E outras que ninguém dirá.
Tenho uma coisa a dizer-te
Mas não sei onde ela está.

Quando ao domingo passeias
Levas um vestido claro.
Não é o que te conheço
Mas é em ti que reparo.

Tenho vontade de ver-te
Mas não sei como acertar.
Passeias onde não ando,
Andas sem eu te encontrar.

Andorinha que passaste,
Quem é que te esperaria?
Só quem te visse passar.
E esperasse no outro dia.

Nuvem do céu, que pareces
Tudo quanto a gente quer,
Se tu, ao menos, me desses
O que se não pode ter!

O burburinho da água
No regato que se espalha
É como a ilusão que é mágoa
Quando a verdade a baralha.

Leve sonho, vais no chão
A andares sem teres ser.
És como o meu coração
Que sente sem nada ter.

Vai alta a nuvem que passa.
Vai alto o meu pensamento
Que é escravo da tua graça
Como a nuvem o é do vento.

Ambos à beira do poço
Achamos que é muito fundo.
Deita-se a pedra, e o que eu ouço
É teu olhar, que é meu mundo.

Aquela senhora velha
Que fala com tão bom modo
Parece ser uma abelha
Que nos diz: "Não incomodo".

Maria, se eu te chamar,
Maria, vem cá dizer
Que não podes cá chegar.
Assim te consigo ver.

Boca com olhos por cima
Ambos a estar a sorrir...
Já sei onde está a rima
Do que não ouso pedir.

Quem lavra julga que lavra
Mas quem lavra é o que acontece...
Não me dás uma palavra
E a palavra não me esquece.

Tinhas um pente espanhol
No cabelo Português,
Mas quando te olhava o sol,
Eras só quem Deus te fez.

Boca de riso escarlate
E de sorriso de rir...
Meu coração bate, bate,
Bate de te ver e ouvir.

Quem me dera, quando fores
Pela rua sem me ver,
Supor que há coisas melhores
E que eu as pudera ter.

Acendeste uma candeia
Com esse ar que Deus te deu.
Já não é noite na aldeia
E, se calhar, nem no céu.

Eu te pedi duas vezes
Duas vezes, bem o sei,
Que por fim me respondesses
Ao que não te perguntei.

Não digas mal de ninguém
Que é de ti que dizes mal.
Quando dizes mal de alguém
Tudo no mundo é igual.

Todas as coisas que dizes
Afinal não são verdade.
Mas, se nos fazem felizes,
Isso é a felicidade.

Dás nós na linha que cose
Para que pare no fim.
Por muito que eu pense e ouse,
Nunca dás nó para mim.

Não sei em que coisa pensas
Quando coses sossegada...
Talvez naquelas ofensas
Que fazes sem dizer nada.

As gaivotas, tantas, tantas,
Voam no rio pro mar...
Também sem querer encantas,
Nem é preciso voar.

As ondas que a maré conta
Ninguém as pode contar.
Se, ao passar, ninguém te aponta,
Aponta-te com o olhar.

Todos os dias que passam
Sem passares por aqui
São dias que me desgraçam
Por me privarem de ti.

Quando cantas, disfarçando
Com a cantiga o cantar,
Parece o vento mais brando
Nesta brandura do ar.

Não sei que grande tristeza
Me fez só gostar de ti
Quando já tinha a certeza
De te amar porque te vi.

A mantilha de espanhola
Que trazias por trazer
Não te dava um ar de tola
Porque o não podias ter.

Boca de riso escarlate
Com dentes brancos no meio,
Meu coração bate, bate,
Mas bate por ter receio.

Se há uma nuvem que passa
Passa uma sombra também.
Ninguém diz que é desgraça
Não ter o que se não tem.

Tu, ao canto da janela
Sorrias a alguém da rua,
Porquê ao canto, se aquela
Posição não é a tua?

Dá-me, um sorriso ao domingo,
Para à segunda eu lembrar.
Bem sabes: sempre te sigo
E não é preciso andar.

Tens olhos de quem não quer
Procurar quem eu não sei.
Se um dia o amor vier
Olharás como eu olhei.

Pobre do pobre que é ele
E não é quem se fingiu!
Por muito que a gente vele
Descobre que já dormiu.

Não me digas que me queres
Pois não sei acreditar.
No mundo há muitas mulheres
Mas mentem todas a par.

Água que não vem na bilha
É como se não viesse.
Como a mãe, assim a filha...
Antes Deus as não fizesse.

Ó loura dos olhos tristes
Que me não quis escutar...
Quero só saber se existes
Para ver se te hei de amar.

Há grandes sombras na horta
Quando a amiga lá vai ter...
Ser feliz é o que importa,
Não importa como o ser!

O moinho de café
Mói grãos e faz deles pó.
O pó que a minh'alma é
Moeu quem me deixa só.

Dizem que não és aquela
Que te julgavam aqui.
Mas se és alguém e és bela
Que mais quererão de ti?

Tenho um livrinho onde escrevo
Quando me esqueço de ti.
É um livro de capa negra
Onde inda nada escrevi.

Olhos tristes, grandes, pretos,
Que dizeis sem me falar
Que não há filhos nem netos
De eu não querer amar.

Meu coração a bater
Parece estar-me a lembrar
Que, se um dia te esquecer,
Será por ele parar.

Quantas vezes a memória
Para fingir que inda é gente,
Nos conta uma grande história
Em que ninguém está presente

Trazes o vestido novo
Como quem sabe o que faz.
Como és bonita entre o povo,
Mesmo ficando para trás!

A tua boca de riso
Parece olhar para a gente
Com um olhar que é preciso
Para saber que se sente.

A laranja que escolheste
Não era a melhor que havia.
Também o amor que me deste
Qualquer outra mo daria.

Se o sino dobra a finados
Há de deixar de dobrar.
Dá-me os teus olhos fitados
E deixa a vida matar!

Por muito que pense e pense
No que nunca me disseste,
Teu silêncio não convence.
Faltaste quando vieste.

Tome lá, minha menina,
O ramalhete que fiz.
Cada flor é pequenina,
Mas tudo junto é feliz.

A vida é pouco aos bocados.
O amor é vida a sonhar.
Olho para ambos os lados
E ninguém me vem falar.

Dei-lhe um beijo ao pé da boca
Por a boca se esquivar.
A idéia talvez foi louca,
O mal foi não acertar.

Compras carapaus ao cento,
Sardinhas ao quarteirão.
Só tenho no pensamento
Que me disseste que não.

Duas horas te esperei.
Duas mais te esperaria.
Se gostas de mim não sei...
Algum dia há de ser dia ...

Tenho um desejo comigo
Que me traz longe de mim.
É saber se isto é contigo
Quando isto não é assim.

Leve vem a onda leve
Que se estende a adormecer,
Breve vem a onda breve
Que nos ensina a esquecer.

Quando a manhã aparece
Dizem que nasce alegria.
Isso era se Ela viesse.
Até de noite era dia.

Nuvem alta, nuvem alta,
Porque é que tão alta vais?
Se tens o amor que me falta,
Desce um pouco, desce mais!

Teu carinho, que é fingido,
Dá-me o prazer de saber
Que inda não tens esquecido
O que o fingir tem de ser.

A luva que retiraste
Deixou livre a tua mão.
Foi com ela que tocaste,
Sem tocar, meu coração.

O avental, que à gaveta
Foste buscar, não terá
Algibeira em que me meta
Para estar contigo já?

Quando vieste da festa,
Vinhas cansada e contente.
A minha pergunta é esta.
Foi da festa ou foi da gente?

Rouxinol que não cantaste,
Galo que não cantarás,
Qual de vós me empresta o canto
Para ver o que ela faz?

Quando chegaste à janela
Todos que estavam na rua
Disseram: olha, é aquela,
Tal é a graça que é tua!

Nuvem que passas no céu,
Dize a quem não perguntou
Se é bom dizer a quem deu:
"O que deste, não to dou."

"Vou trabalhando a peneira
E pensando assim assim.
Eu não nasci para freira.
Gosto que gostem de mim."

Roseiral que não dás rosas
Senão quando as rosas vêm,
Há muitas que são formosas
Sem que o amor lhes vá bem.

Ribeirinho, ribeirinho,
Que vais a correr ao léu
Tu vais a correr sozinho,
Ribeirinho, como eu.

"Vesti-me toda de novo
E calcei sapato baixo
Para passar entre o povo
E procurar quem não acho."

Tua boca me diz sim,
Teus olhos me dizem não.
Ai, se gostasses de mim
E sem saber a razão.

Quero lá saber por onde
Andaste todo este dia!
Nunca faz-bem quem se esconde
Mas onde foste, Maria?

O vaso do manjerico
Caiu da janela abaixo.
Vai buscá-lo, que aqui fico
A ver se sem ti te acho.

O cravo que tu me deste
Era de papel rosado.
Mas mais bonito era inda
O amor que Me foi negado,

Trazes os sapatos, pretos
Cinzentos de tanto pó.
Feliz é quem tiver netos
De quem tu sejas avó!

Vem de lá do monte verde
A trova que não entendo.
É um som bom que se perde
Enquanto se vai vivendo.

Moreninha, moreninha,
Com olhos pretos a rir.
Sei que nunca serás minha,
Mas quero ver-te sorrir.

Puseste a chaleira ao lume
Com um jeito de desdém.
Suma-te o diabo que sume
Primeiro quem te quer bem!

Lá vem o homem da capa
Que ninguém sabe quem é...
Se o lenço os olhos te tapa
Veio os teus olhos por fé.

Loura dos olhos dormentes,
Que são azuis e amarelos,
Se as minhas mãos fossem pentes,
Penteavam-te os cabelos.

O sino dobra a finados.
Faz tanta pena a dobrar!
Não é pelos teus pecados
Que estão vivos a saltar.

Traze-me um copo com água
E a maneira de o trazer.
Quero ter a minha mágoa
Sem mostrar que a estou a ter.

Olha o teu leque esquecido!
Olha o teu cabelo solto!
Maria, toma sentido!
Maria, senão não volto!

Já duas vezes te disse
Que nunca mais te diria
O que te torno a dizer
E fica para outro dia.

Lavadeira a bater roupa
Na pedra que está na água,
Achas minha mágoa pouca?
É muito tudo o que é mágoa.

O teu lenço foi mal posto
Pela pressa que to pôs.
Mais mal posto é o meu desgosto
Do que não há entre nós.

Olhos de veludo falso
E que fitam a entender,
Vós sois o meu cadafalso
A que subo com prazer.

Duas vezes eu tentei
Dizer-te que te queria,
E duas vezes te achei
Só a que falava e ria.

Meu coração é uma barca
Que não sabe navegar.
Guardo o linha na arca
Com um ar de o acarinhar.

Tenho um desejo comigo
Que hoje te venho dizer:
Queria ser teu amigo
Com amizade a valer.

És Maria da Piedade
Pois te chamaram assim.
Sê lá Maria à vontade,
Mas tem piedade de mim.

Tu És Maria da Graça,
Mas a que graça é que vem
Ser essa graça a desgraça
De quem a graça não tem?

Caiu no chão o novelo
E foi-se desenrolando.
Passas a mão no cabelo.
Não sei em que estás pensando.

A tua saia, que é curta,
Deixa-te a perna a mostrar:
Meu coração já se furta
A sentir sem eu pensar.

Meu amor é fragateiro.
Eu sou a sua fragata.
Alguns vão atrás do cheiro,
Outros vão só pela arreta.

Vai longe, na serra alta,
A nuvem que nela toca...
Dá-me aquilo que me falta —
Os beijos da tua boca.

HÁ um doido na nossa voz
Ao falarmos, que prendemos:
É o mal-estar entre nós
Que vem de nos percebermos.

Teu vestido porque é teu,
Não é de cetim nem chita.
É de sermos tu e eu
E de tu seres bonita.

Entornaram-me o cabaz
Quando eu vinha pela estrada.
Como ele estava vazio,
Não houve loiça quebrada.

O rosário da vontade,
Rezei-o trocado e a esmo.
Se vens dizer-me a verdade,
Vê lá bem se é isso mesmo.

Castanhetas, castanholas —
Tudo é barulho a estalar.
As que ao negar são mais tolas
São mais espertas ao dar.

O manjerico e a bandeira
Que há no cravo de papel —
Tudo isso enche a noite inteira,
Ó boca de sangue e mel.

Tem A filha da caseira
Rosas na caixa que tem.
Toda ela é uma rosa inteira
Mas não a cheira ninguém.

A moça que há na estalagem
Ri porque gosta de rir.
Não sei o que é da viagem
Por esta moça existir.

Lenço preto de orla branca
Ataste-o mal a valer
À roda desse pescoço
Que tem que se lhe dizer.

Aquela loura de preto
Com uma flor branca ao peito,
É o retrato completo
De como alguém é perfeito.

A tua janela é alta,
A tua casa branquinha.
Nada lhe sobra ou lhe falta
Senão morares sozinha.

Vem cá dizer-me que sim.
Ou vem dizer-me que não.
Porque sempre vens assim
P'ra ao pé do meu coração,.

Cortaste com a tesoura
O pano de lado a lado.
Porque é que todo teu gesto
Tem a feição de engraçado?

Ai, os pratos de arroz doce
Com as linhas de canela!
Ai a mão branca que os trouxe!
Ai essa mão ser a dela!

Frescura do que é regado,
Por onde a água inda verte...
Quero dizer-te um bocado
Do que não ouso dizer-te.

Ó pastora, ó pastorinha,
Que tens ovelhas e riso,
Teu riso ecoa no vale
E nada mais é preciso.

A abanar o fogareiro
Ela corou do calor.
Ah, quem a fará corar
De um outro modo melhor!

Manjerico que te deram,
Amor que te querem dar...
Recebeste o manjerico.
O amor fica a esperar.

Dona Rosa, Dona Rosa.
De que roseira é que vem,
Que não tem senão espinhos
Para quem só lhe quer bem?

O laço que tens no peito
Parece dado a fingir.
Se calhar já estava feito
Como o teu modo de rir.

Dona Rosa, Dona Rosa,
Quando eras inda botão
Disseram-te alguma cousa
De a flor não ter coração?

Tenho um segredo a dizer-te
Que não te posso dizer.
E com isto já to disse
Estavas farta de o saber ...

Os ranchos das raparigas
Vão a cantar pela estrada...
Não oiço as suas cantigas
Só tenho pena de nada.

Rezas porque outros rezaram,
E vestes à moda alheia...
Quando amares vê se amas
Sem teres o amor na idéia.

A senhora da Agonia
Tem um nicho na Igreja.
Mas a dor que me agonia
Não tem ninguém quem a veja.

Aparta o cabelo ao meio
A do cabelo apartado.
É a estrelinha em que leio
Que estou a ser enganado.

Esse frio cumprimento
Tem ironia p'ra mim.
Porque é o mesmo movimento
Com que a gente diz que sim...

Vejo lágrimas luzir
Nos teus olhos de fingida.
É como quando à janela
Chegas, um pouco escondida.

Trincaste, para o partir,
O retrós de costurar.
Quem não soubesse diria
Que o estavas a beijar.

Deixaste o dedal na mesa
Só pelo tempo da ausência —
Se eu to roubasse dirias
Que eu não tinha consciência.

Dá-me um sorriso daqueles
Que te não servem de nada
Como se dá às crianças
Uma caixa esvaziada.

O canário já não canta.
Não canta o canário já.
Aquilo que em ti me encanta
Talvez não me encantará.

Rezas a Deus ao deitar-te
Pedindo não sei o quê.
Se rezasses ao Demônio,
Eu saberia o que é.

Boca que tens um sorriso
Como se fosse um florir,
Teus olhos cheios de riso
Dão-lhe um orvalho de rir.

Uma boneca de trapos
Não se parte se, cair.
Fizeste-me a alma em farrapos
Bem: não se pode partir.

O que sinto e o que penso
De ti é bem e é mal.
É como quando uma xícara
Tem o pires desigual.

Levas a mão ao cabelo
Num gesto de quem não crê.
Mas eu não te disse nada.
Duvidas de mim? Porquê?

Compreender um ao outro
É um jogo complicado.
Pois quem engana não sabe
Se não estava enganado.

A roda dos dedos juntos
Enrolaste a fita a rir.
Corações não são assuntos
E falar não é sentir.

Chama-te boa, e o sentido
Não é bem o que eu supunha.
Boa não é apelido:
É, quando muito, alcunha.

Tu És Maria das Dores,
Tratam-te só por Maria.
Está bem, porque deste as dores
A quem quer que em ti se fia.

Se vais de vestido novo
O teu próprio andar o diz,
E ao passar por entre o povo
Até teu corpo é feliz.

Tens um anel imitado
Mas vais contento de o ter.
Que importa o falsificado
Se é verdadeiro o prazer.

Tenho ainda na lembrança
Como uma coisa que veio,
O quando inda eras criança.
Nunca mais me dás um beijo!

O ar do campo vem brando,
Faz sono haver esse ar.
Já não sei se estou sonhando
Nem de que serve sonhar.

Quando ela pôs o chapéu
Como se tudo acabasse,
Sofri de não haver véu
Que inda um pouco a demorasse.

Quem te deu aquele anel
Que ainda ontem não tinhas?
Como tu foste infiel
A certas idéias minhas!

Essa costura à janela
Que lhe inclinou a cabeça
Fez-me ver como era dela
Que o coração tinha pressa.

O ribeiro bate, bate
Nas pedras que nele estão,
Mas nem há nada em que bata
O meu pobre coração.

Nunca houve romaria
Que se lembrassem de mim...
Também quem se lembraria
De quem se lamenta assim?

Comes melão às dentadas
Porque assim não deve ser.
Não sei se essas gargalhadas
Me fazem rir ou sofrer.

Há dois dias que não vejo
Modo de tornar-te a ver:
Se outros também te não vissem,
Desejava sem sofrer.

O teu cabelo cortado
A maneira de rapaz
Não deixa justificado
Aquele amor que me faz.

Se te queres despedir
Não te despidas de mim,
Que eu não posso consentir
Que tu me trates assim.

Quem te fez assim tão linda
Não o fez para mostrar
Que se é mais linda ainda
Quando se sabe negar.

Floriu a roseira toda
Com as rosas de trepar...
Tua cabeça anda à roda
Mas sabes-te equilibrar.

Morena dos olhos baços
Velados de não sei quê,
No mundo há falta de braços
Para o que o teu olhar vê.

Quando compões o cabelo
Com tua mão distraída
Fazer-me um grande novelo
No pensamento da vida.

Teus olhos de quem não fita
Vagueiam, 'stão na distância.
Se fosses menos bonita,
Isso não tinha importância.

Tocam sinos a rebate
E levantaste-te logo.
Teu coração só não bate
Por a quem puseste fogo.

O coração é pequeno,
Coitado, e trabalha tanto!
De dia a ter que chorar,
De noite a fazer o pranto ...

Deram-me um cravo vermelho
Para eu ver como é a vida.
Mas esqueci-me do cravo
Pela hora da saída.

Fiz estoirar um cartucho
Contra a parede do lado.
Assim farei eu à vida,
Que o sonhar fez-me assoprado.

O malmequer que colheste
Deitaste-o fora a falar.
Nem quiseste ver a sorte
Que ele te podia dar.

Comi melão retalhado
E bebi vinho depois,
Quanto mais olho p'ra ti
Mais sei que não somos dois.

Trazes um lenço novinho
Na cabeça e a descair,
Se eu te beijar no cantinho
Só saberá quem nos vir.

E ao acabar estes versos
Feitos em modo menor
Cumpre prestar homenagem
À bebedeira do cantor.

Toda a noite, toda a noite,
Toda a noite sem pensar...
Toda a noite sem dormir
E sem tudo isso acabar.

Puseste um vaso à janela.
Foi sinal ou não foi nada,
Ou foi p'ra que pense em ti
Que te não importas nada?

Eu vi ao longe um navio
Que tinha uma vela só,
Ia sozinho no mar...
Mas não me fazia dó.

Corre a água pelas calhas
Lá segundo a sua lei.
Pareces, vista de lado,
Aquela que te julguei.

Lá por olhar para ti
Não julgues que é por gostar.
Eu gosto muito do sol,
E nem o posso fitar.

Viraste-me a cara quando
Ia a dizer-te, à chegada,
Que, se voltasses a cara,
Que eu não me importava nada.

Na quinta que nunca houve
Há um poço que não há
Onde há de ir encontrar água
Alguém que te entenderá.

Voam débeis e enganadas
As folhas que o vento toma.
Bem sei: deitamos os dados
Mas Deus é sue deita a soma.

Ribeirinho, ribeirinho,
Que falas tão devagar,
Ensina-me o teu caminho
De passar sem desejar amar.

Do alto da torre da igreja
Vê-se o campo todo em roda.
Só do alto da esperança
Vemos nós a vida toda.

Dá-me um sorriso a brincar,
Dá-me uma palavra a rir,
Eu me tenho por feliz
Só de te ver e te ouvir.

Trazes um lenço apertado
Na cabeça, e um nó atrás.
Mas o que me traz cansado
É o nó que nunca se faz.

Vi-te a dizer um adeus
A alguém que se despedia,
E quase implorei dos céus
Que eu partisse qualquer dia.

Eu voltei-me para trás
Para ver se te voltavas.
Há quem dê favas aos burros,
Mas eles comem as favas.

Deixaste cair no chão
O embrulho das queijadas.
Riste disso — E porque não?
A vida é feita de nadas.

Deste-me um cordel comprido
Para atar bem um papel.
Fiquei tão agradecido
Que inda tenho esse cordel.

No dia de Santo Antônio
Todos riem sem razão.
Em São João e São Pedro
Como é que todos rirão?

Tenho uma pena que escreve
Aquilo que eu sempre sinta.
Se é mentira, escreve leve.
Se é verdade, não tem tinta.

O capilé é barato
E é fresco quando há calor.
Vou sonhar o teu retrato
Já que não tenho melhor.

Baila o trigo quando há vento
Baila porque o vento o toca
Também baila o pensamento
Quando o coração provoca.

Fizeste molhos de flores
Para não dar a ninguém.
São como os molhos de amores
Que foras fazer a alguém.

Se houver alguém que me diga
Que disseste bem de mim,
Farei uma outra cantiga,
Porque esta não é assim.

Manjerico, manjerico,
Manjerico que te dei,
A tristeza com que fico
Inda amanhã a terei.

Ris-te de mim? Não me importo.
Rir não faz mal a ninguém.
Teu rir é tão engraçado
Que, quando faz mal, faz bem.

Ouves-me sem me entender.
Sorris sem ser porque falo.
É assim muita mulher.
Mas nem por isso me calo.

Se eu te pudesse dizer
O que nunca te direi,
Tu terias que entender
Aquilo que nem eu sei.

Bailaste de noite ao som
De uma música estragada.
Bailar assim só é bom
Quando a alegria é de nada.

Não sei que flores te dar
Para os dias da semana.
Tens tanta sombra no olhar
Que o teu olhar sempre engana.

Descasquei o camarão,
Tirei-lhe a cabeça toda.
Quando o amor não tem razão
É que o amor incomoda.

Cabeça de ouro mortiço
Com olhos de azul do céu,
Quem te ensinou o feitiço
De me fazer não ser eu?

São já onze horas da noite.
Porque te não vais deitar?
Se de nada serve ver-te,
Mais vale não te fitar.

Tiraste o linho da arca,
Da arca tiraste o linho.
Meu coração tem a marca
Que lhe puseste mansinho.

Ao dobrar o guardanapo
Para o meteres na argola
Fizeste-me conhecer
Como um coração se enrola.

Quando eu era pequenino
Cantavam para eu dormir.
Foram-se o canto e o menino.
Sorri-me para eu sentir!

Meia volta, toda a volta,
Muitas voltas de dançar...
Quem tem sonhos por escolta
Não é capaz de parar.

Fui passear no jardim
Sem saber se tinha flores
Assim passeia na vida
Quem tem ou não tem amores.

No dia em que te casares
Hei de te ir ver à Igreja
Para haver o sacramento
De amar-te alguém que ali esteja.

Quando apertaste o teu cinto
Puseste o cravo na boca.
Não sei dizer o que sinto
Quando o que sinto me toca.

Toda a noite ouvi os cães
P'ra manhã ouvi os galos.
Tristeza — vem ter conosco.
Prazeres — é ir achá-los.

Deram-me, para se rirem,
Uma corneta de barro,
Para eu tocar à entrada
Do Castelo do Diabo.

Quando te apertei a mão
Ao modo de assim-assim,
Senti o meu coração
A perguntar-me por mim.

Tinhas um vestido preto
Nesse dia de alegria...
Que certo! Pode pôr luto
Aquele que em ti confia.

Só com um jeito do corpo
Feito sem dares por isso
Fazes mais mal que o demônio
Em dias de grande enguiço.

Esse xaile que arranjaste,
Com que pareces mais alta
Dá ao teu corpo esse brio
Que à minha coragem falta.

Tem um decote pequeno,
Um ar modesto e tranqüilo;
Mas vá-se lá descobrir
Coisa pior do que aquilo!

Teus olhos poisam no chão
Para não me olhar de frente.
Tens vontade de sorrir
Ou de rir? É tão dif'rente!

Quando passas pela rua
Sem reparar em quem passa,
A alegria é toda tua
E minha toda a desgraça.

A esmola que te vi dar
Não me deu crença nem fé,
Pois a que estou a esperar
Não é esmola que se dê.

Caiu no chão a laranja
E rolou pelo chão fora.
Vamos apanhá-la juntos,
E o melhor é ser agora.

Quando te vais a deitar
Não sei se rezas se não.
Devias sempre rezar
E sempre a pedir perdão.

É limpo o adro da igreja.
É grande o largo da praça.
Não há ninguém que te veja
Que te não encontre graça.

Quando agora me sorriste
Foi de contente de eu vir,
Ou porque me achaste triste,
Ou já estavas a sorrir?

Boca que o riso desata
Numa alegria engraçada,
És como a prata lavrada
Que é mais o lavor que a prata.

Por cima da saia azul
Há uma blusa encarnada,
E por cima disso os olhos
Que nunca me dizem nada.

Fazes renda de manhã
E fazes renda ao serão.
Se não fazes senão renda,
Que fazes do coração?

Todos te dizem que és linda.
Todos to dizem a sério.
Como o não sabes ainda
Agradecer é mistério.

Eu bem sei que me desdenhas
Mas gosto que seja assim,
Que o dendém que por mim tenhas
Sempre é pensares em mim.

A tua irmã é pequena,
Quando tiver tua idade,
Transferirei minha pena
Ou fico só com metade?

Quando me deste os bons dias
Deste-mos como a qualquer.
Mais vale não dizer nada
Do que assim nada dizer.

Tenho uma idéia comigo
De que não quero falar.
Se a idéia fosse um postigo
Era pra te ver passar.

Andorinha que vais alta,
Porque não me vens trazer
Qualquer coisa que me falta
E que te não sei dizer?

Tenho um lenço que esqueceu
A que se esquece de mim.
Não é dela, não é meu,
Não é princípio nem fim.

Duas horas vão passadas
Sem que te veia passar.
Que coisas mal combinadas
Que são amor e esperar!

Houve um momento entre nós
Em que a gente não falou.
Juntos, estávamos sós.
Que bom é assim estar só!

"Das flores que há pelo campo
O rosmaninho é rei. . . "
É uma velha cantiga...
Bem sei, meu Deus, bem o sei.

O moinho que mói trigo
Mexe-o o vento ou a água,
Mas o que tenho comigo
Mexe-o apenas a mágoa.

Aquela que tinha pobre
A única saia que tinha,
Por muitas roupas que dobre
Nunca será mais rainha.

Tens uns brincos, sem valia
E um lenço que não é nada,
Mas quem dera ter o dia
De quem és a madrugada.

Loura, teus olhos de céu
Têm um azul que é fatal..
Bem sei: Foi Deus que tos deu.
Mas então Deus fez o mal?

Vai alta sobre a montanha
Uma nuvem sem razão.
Meu coração acompanha
O não teres coração.

Dizem que as flores são todas
Palavras que a terra diz.
Não me falas: incomodas.
Falas: sou menos feliz.

Duas vezes jurei ser
O que julgo que sou,
Só para desconhecer
Que não sei para onde vou.

O pescador do mar alto
Vem contente de pescar.
Se prometo, sempre falto:
Receio não agradar.

Todos lá vão para a festa
Com um grande azul de céu.
Nada resta, nada resta...
Resta sim, que resta eu.

Andei sozinho na praia
Andei na praia a pensar
No jeito da tua saia
Quando lá estiveste a andar.

Onda que vens e que vais
Mar que vais e depois vens,
Já não sei se tu me atrais,
E, se me, atrais, se me tens.

Quando há música, parece
Que dormes, e assim te calas,
Mas se a música falece,
Acordo, e não me falas.

Trazes uma cruz no peito.
Não sei se é por devoção.
Antes tivesses o jeito
De ter lá um coração.

O guardanapo dobrado
Quer dizer que se não volta.
Tenho o coração atado:
Vê se a tua mão mo solta.

"À tua porta está lama.
Meu amor, quem na faria?"
É assim a velha cantiga
Que como tu principia.

Menina de saia preta
E de blusa de outra cor,
Que é feito daquela seta
Que atirei ao meu amor?

Lavas a roupa na selha
Com um vagar apressado,
E o brinco na tua orelha
Acompanha o teu cuidado.

Duas vezes te falei
De que te iria falar.
Quatro vezes te encontrei
Sem palavra p'ra te dar.

Velha cadeira deixada
No canto da casa antiga
Quem dera ver lá sentada
Qualquer alma minha amiga.

Trazes a bilha à cabeça
Como se ela não houvesse.
Andas sem pressa depressa
Como se eu lá não estivesse.

Trazes um manto comprido
Que não é xaile a valer.
Eu trago em ti o sentido
E não sei que hei de dizer.

Olhas para mim às vezes
Como quem sabe quem sou.
Depois passam dias, meses,
Sem que vás por onde vou.

Quando tiraste da cesta
Os figos que prometeste
Foi em mim dia de festa,
Mas foi a todos que os deste.

Aquela que mora ali
E que ali está à janela
Se um dia morar aqui
Se calhar não será ela.

Mas que grande disparate
É o que penso e o que sinto.
Meu coração bate, bate
E se sonho minto, minto.

Puseste por brincadeira
A touca da tua irmã.
Ó corpo de bailadeira,
Toda a noite tem manhã.

Dizes-me que nunca sonhas
E que dormes sempre a fio.
Quais são as coisas risonhas
Que sonhas por desfastio?

O teu carrinho de linha
Rolou pelo chão caído.
Apanhei-o e dei-to e tinha
Só em ti o meu sentido.

A vida é um hospital
Onde quase tudo falta.
Por isso ninguém te cura
E morrer é que é ter alta.

Que tenho o coração preto
Dizes tu, e inda te alegras.
Eu bem sei que o tenho preto:
Está preto de nódoas negras.

Na praia de Monte Gordo.
Meu amor, te conheci.
Por ter estado em Monte Gordo
É que assim emagreci.

Saudades, só portugueses
Conseguem senti-las bem.
Porque têm essa palavra
Para dizer que as têm.

"Mau, Maria!" — tu disseste
Quando a trança te caía.
Qual "Mau, Maria", Maria!
"Má Maria"' "Má Maria!"

Era já de madrugada
E eu acordei sem razão,
Senti a vida pesada.
Pesado era o coração.

Boca de romã perfeita
Quando a abres p'ra comer.
Que feitiço é que me espreita
Quando ris só de me ver?

Tenho um segredo comigo
Que me faz sempre cismar,
É se quero estar contigo
Ou quero contigo estar.

Trazes já aquele cinto
Que compraste no outro dia.
Eui trago o que sempre sinto
E que é contigo, Maria.

Teu olhar não tem remorsos
Não é por não ter que os ter.
É porque hoje não é ontem
E viver é só esquecer.

Disseste-me quase rindo:
"Conheço-te muito bem!"
Dito por quem me não quer.
Tem muita graça, não tem?

Fica o coração pesado
Com o choro que chorei.
É um ficar engraçado
O ficar com o que dei. . .

Este é o riso daquela
Em que não se reparou.
Quando a gente se acautela
Vê que não se acautelou.

Tens vontade de comprar
O que vês só porque o viste.
Só a tenho de chorar
Porque só compro o ser triste.

Baila em teu pulso delgado
Uma pulseira que herdaste...
Se amar alguém é pecado.
És santa, nunca pecaste.

Teus olhos querem dizer
Aquilo que se não diz...
Tenho muito que fazer.
Que sejas muito feliz.

Água que passa e canta
É água que faz dormir...
Sonhar é coisa que encanta,
Pensar é já não sentir.

Deste-me um adeus antigo
À maneira de eu não ser
Mais que o amigo do amigo
Que havia de poder ter.

Linda noite a desta lua.
Lindo luar o que está
A fazer sombra na rua.
Por onde ela não virá.

O papagaio do paço
Não falava — assobiava.
Sabia bem que a verdade
Não é coisa de palavra.

Puseste a mantilha negra
Que hás de tirar ao voltar.
A que me puseste na alma
Não tiras. Mas deixa-a estar!

Trazes os brincos compridos,
Aqueles brincos que são
Como as saudades que temos
A pender do coração.

Deixaste cair a liga
Porque não estava apertada...
Por muito que a gente diga
A gente nunca diz nada.

Não há verdade na vida
Que se não diga a mentir.
Há quem apresse a subida
Para descer a sorrir.

No dia de S. João
Há fogueiras e folias.
Gozam uns e outros não,
Tal qual como os outros dias.

Santo Antônio de Lisboa
Era um grande pregador,
Mas é por ser Santo Antônio
Que as moças lhe têm amor.


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O Meu Soneto
em 08/02/2012 15:01:27 (4432 leituras)
Florbela Espanca

Em atitudes e em ritmos fleumáticos,
Erguendo as mãos em gestos recolhidos,
Todos brocados fúlgidos, hieráticos,
Em ti andam bailando os meus sentidos...

E os meus olhos serenos, enigmáticos
Meninos que na estrada andam perdidos,
Dolorosos, tristíssimos, extáticos,
São letras de poemas nunca lidos...

As magnólias abertas dos meus dedos
São mistérios, são filtros, são enredos
Que pecados d´amor trazem de rastros...

E a minha boca, a rútila manhã,
Na Via Láctea, lírica, pagã,
A rir desfolha as pétalas dos astros!..

Florbela Espanca, in "A Mensageira das Violetas"


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Amai-vos...
em 04/02/2012 22:33:35 (5722 leituras)
Kahlil Gibran



Amai-vos um ao outro,
mas não façais do amor um grilhão.

Que haja, antes, um mar ondulante
entre as praias de vossa alma.

Enchei a taça um do outro,
mas não bebais da mesma taça.

Dai do vosso pão um ao outro,
mas não comais do mesmo pedaço.

Cantai e dançai juntos,
e sede alegres,

mas deixai
cada um de vós estar sozinho.

Assim como as cordas da lira
são separadas e,
no entanto,
vibram na mesma harmonia.

Dai vosso coração,
mas não o confieis à guarda um do outro.

Pois somente a mão da Vida
pode conter vosso coração.

E vivei juntos,
mas não vos aconchegueis demasiadamente.

Pois as colunas do templo
erguem-se separadamente.

E o carvalho e o cipreste
não crescem à sombra um do outro.


Gibran Kahlil Gibran -


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GRAFITO
em 31/01/2012 20:09:57 (4101 leituras)
José Paulo Paes

neste lugar solitário
o homem toda a manhã
tem o porte estatuário
de um pensador de Rodin

neste lugar solitário
extravasa sem sursis
como um confessionário
o mais íntimo de si

neste lugar solitário
arúspice desentranha
o aflito vocabulário
de suas próprias entranhas

neste lugar solitário
faz a conta doída:
em lançamentos diários
a soma de sua vida




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L´AFFAIRE SARDINHA
em 31/01/2012 19:49:58 (2877 leituras)
José Paulo Paes

O bispo ensinou ao bugre
Que pão não é pão, mas Deus
Presente na eucaristia.

E como um dia faltasse
Pão ao bugre, ele comeu
O bispo, eucaristicamente.


Ler mais... | mais 1279 bytes | Comentários?
Pobre velha música!
em 28/01/2012 23:44:57 (3021 leituras)
Fernando Pessoa


Pobre velha música!
Não sei por que agrado,
Enche-se de lágrimas
Meu olhar parado.

Recordo outro ouvir-te,
Não sei se te ouvi
Nessa minha infância
Que me lembra em ti.

Com que ânsia tão raiva
Quero aquele outrora!
E eu era feliz? Não sei:
Fui-o outrora agora.


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V
em 26/01/2012 12:36:47 (3133 leituras)
Pablo Neruda

Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.


Ler mais... | 1 comentário
Poetas Velhos
em 19/01/2012 20:06:04 (2812 leituras)
Paulo Leminski

Bom dia, poetas velhos.
Me deixem na boca
o gosto dos versos
mais fortes que não farei.

Dia vai vir que os saiba
tão bem que vos cite
como quem tê-los
um tanto feito também,
acredite.


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Primeira Conversa - Excerto - "A Erva do Diabo"
em 17/01/2012 13:39:20 (2295 leituras)
Carlos Castañeda

Primeira conversa:
Sexta-feira, 23 de junho de 1961

- Quer-me ensinar alguma coisa a respeito do peiote, Dom Juan?
– Por que quer saber disso?
– Eu queria mesmo saber a respeito. Só querer saber não basta como motivo?
– Não! Tem de procurar em seu íntimo para saber por que um rapaz como você quer empreender essa tarefa de aprendizagem.
– Por que você mesmo aprendeu sobre isso, Dom Juan?
– Por que quer saber?
– Talvez nós dois tenhamos os mesmos motivos.
– Duvido. Sou índio. Não temos os mesmos caminhos.
– O único motivo que tenho é que desejo saber a respeito, só para aprender. Mas asseguro-lhe, Dom Juan, não tenho más intenções.
– Acredito em você. Já o fumeguei.
– Perdão?
– Não importa agora. Sei quais são suas intenções.
– Quer dizer que leu meus pensamentos?
– Pode ser.
– Então quer-me ensinar?
– Não!
– Por eu não ser índio?
– Não. Porque você não conhece seu íntimo. O importante é você saber exatamente por que quer envolver-se. Aprender a respeito de Mescalito é uma coisa muito séria. Se você fosse índio, só o seu desejo seria suficiente. Muito poucos índios têm esse desejo.


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Poema em linha reta
em 08/01/2012 12:29:10 (3275 leituras)
Fernando Pessoa


Poema em Linha Reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo.
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó principes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Álvaro de Campos


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Ainda ontem pensava que não era
em 18/12/2011 20:57:11 (3629 leituras)
Kahlil Gibran



Ainda ontem pensava que não era
mais do que um fragmento trémulo sem ritmo
na esfera da vida.
Hoje sei que sou eu a esfera,
e a vida inteira em fragmentos rítmicos move-se em mim.

Eles dizem-me no seu despertar:
" Tu e o mundo em que vives não passais de um grão de areia
sobre a margem infinita
de um mar infinito."

E no meu sonho eu respondo-lhes:

"Eu sou o mar infinito,
e todos os mundos não passam de grãos de areia
sobre a minha margem."

Só uma vez fiquei mudo.
Foi quando um homem me perguntou:
"Quem és tu?"




Kahlil Gibran


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Nothing
em 18/12/2011 20:41:15 (2842 leituras)
Pagu

Nada nada nada
Nada mais do que nada
Porque vocês querem que exista apenas o nada
Pois existe o só nada
Um pára-brisa partido uma perna quebrada
O nada
Fisionomias massacradas
Tipóias em meus amigos
Portas arrombadas
Abertas para o nada
Um choro de criança
Uma lágrima de mulher à-toa
Que quer dizer nada
Um quarto meio escuro
Com um abajur quebrado
Meninas que dançavam
Que conversavam
Nada
Um copo de conhaque
Um teatro
Um precipício
Talvez o precipício queira dizer nada
Uma carteirinha de travel’s check
Uma partida for two nada
Trouxeram-me camélias brancas e vermelhas
Uma linda criança sorriu-me quando eu a abraçava
Um cão rosnava na minha estrada
Um papagaio falava coisas tão engraçadas
Pastorinhas entraram em meu caminho
Num samba morenamente cadenciado
Abri o meu abraço aos amigos de sempre
Poetas compareceram
Alguns escritores
Gente de teatro
Birutas no aeroporto
E nada.


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A Erva do Diabo - (excertos)
em 10/12/2011 12:00:00 (5685 leituras)
Carlos Castañeda

– "Quando um homem começa a aprender, ele nunca sabe muito claramente quais são seus objetivos. Seu propósito é falho; sua intenção, vaga. Espera recompensas que nunca se materializarão, pois não conhece nada das dificuldades da aprendizagem."

"Devagar, ele começa a aprender... a princípio, pouco a pouco, e depois em porções grandes. E logo seus pensamentos entram em choque. O que aprende nunca é o que ele imaginava, de modo que começa a ter medo. Aprender nunca é o que se espera. Cada passo da aprendizagem é uma nova tarefa, e o medo que o homem sente começa a crescer impiedosamente, sem ceder. Seu propósito toma-se um campo de batalha."

"E assim ele se depara com o primeiro de seus inimigos naturais: o medo! Um inimigo terrível, traiçoeiro, e difícil de vencer. Permanece oculto em todas as voltas do caminho, rondando, à espreita. E se o homem, apavorado com sua presença, foge, seu inimigo terá posto um fim à sua busca."

(...)

– "E o que pode ele fazer para vencer o medo?"

– "A resposta é muito simples. Não deve fugir. Deve desafiar o medo, e, a despeito dele, deve dar o passo seguinte na aprendizagem, e o seguinte, e o seguinte. Deve ter medo, plenamente, e no entanto não deve parar. É esta a regra! E o momento chegará em que seu primeiro inimigo recua. O homem começa a se sentir seguro de si. Seu propósito toma-se mais forte. Aprender não é mais uma tarefa aterradora. Quando chega esse momento feliz, o homem pode dizer sem hesitar que derrotou seu primeiro inimigo natural."

(...)

– "Uma vez que o homem venceu o medo, fica livre dele o resto da vida, porque, em vez do medo, ele adquiriu a clareza... uma clareza de espírito que apaga o medo. Então, o homem já conhece seus desejos; sabe como satisfazê-los. Pode antecipar os novos passos na aprendizagem e uma clareza viva cerca tudo. O homem sente que nada se lhe oculta."

"E assim ele encontra seu segundo inimigo: a clareza! Essa clareza de espírito, que é tão difícil de obter, elimina o medo, mas também cega."

"Obriga o homem a nunca duvidar de si. Dá-lhe a segurança de que ele pode fazer o que bem entender, pois ele vê tudo claramente. E ele é corajoso porque é claro; e não para diante de nada, porque é claro. Mas tudo isso é um engano; é como uma coisa incompleta. Se o homem sucumbir a esse poder de faz-de-conta, terá sucumbido a seu segundo inimigo e tateará com a aprendizagem. Vai precipitar-se quando devia ser paciente, ou vai ser paciente quando devia precipitar-se. E tateará com a aprendizagem até acabar incapaz de aprender qualquer coisa mais."

(...)

– "Mas o que tem de fazer para não ser vencido?"

– "Tem de fazer o que fez com o medo: tem de desafiar sua clareza e usá-la só para ver, e esperar com paciência e medir com cuidado antes de dar novos passos; deve pensar, acima de tudo, que sua clareza é quase um erro. E virá um momento em que ele compreenderá que sua clareza era apenas um ponto diante de sua vista. E assim ele terá vencido seu segundo inimigo, e estará numa posição em que nada mais poderá prejudicá-lo. Isso não será um engano. Não será um ponto diante da vista. Será o verdadeiro poder."

"Ele saberá a essa altura que o poder que vem buscando há tanto tempo é seu, por fim. Pode fazer o que quiser com ele. Seu aliado está às suas ordens. Seu desejo é ordem. Vê tudo o que está em volta. Mas também encontra seu terceiro inimigo: o poder!"

"O poder é o mais forte de todos os inimigos. E, naturalmente, a coisa mais fácil é ceder; afinal de contas, o homem é realmente invencível. Ele comanda; começa correndo riscos calculados e termina estabelecendo regras, porque é um senhor."

"Um homem nesse estágio quase nem nota que seu terceiro inimigo se aproxima. E de repente, sem saber, certamente terá perdido a batalha. Seu inimigo o terá transformado num homem cruel e caprichoso."

(...)

– "E como o homem pode vencer seu terceiro inimigo, Dom Juan?"

– "Também tem de desafiá-lo, propositadamente. Tem de vir a compreender que o poder que parece ter adquirido na verdade nunca é seu. Deve controlar-se em todas as ocasiões, tratando com cuidado e lealdade tudo o que aprendeu. Se conseguir ver que a clareza e o poder, sem controle, são piores do que os erros, ele chegará a um ponto em que tudo está controlado. Então, saberá quando e como usar seu poder. E assim terá derrotado seu terceiro inimigo."

"O homem estará, então, no fim de sua jornada do saber, e quase sem perceber encontrará seu último inimigo: a velhice! Este inimigo é o mais cruel de todos, o único que ele não conseguirá derrotar completamente, mas apenas afastar."

"É o momento em que o homem não tem mais receios, não tem mais impaciências de clareza de espírito... um momento em que todo o seu poder está controlado, mas também o momento em que ele sente um desejo irresistível de descansar. Se ele ceder completamente a seu desejo de se deitar e esquecer, se ele se afundar na fadiga, terá perdido a última batalha, e seu inimigo o reduzirá a uma criatura velha e débil. Seu desejo de se retirar dominará toda a sua clareza, seu poder e sabedoria."

"Mas se o homem sacode sua fadiga e vive seu destino completamente, então poderá ser chamado de um homem de conhecimento, nem que seja no breve momento em que ele consegue lutar contra o seu último inimigo invencível. Esse momento de clareza, poder e conhecimento é o suficiente."


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Uma Oração
em 01/12/2011 14:34:17 (2904 leituras)
Jorge Luis Borges


Minha boca pronunciou e pronunciará, milhares de vezes e nos dois idiomas que me são íntimos, o pai-nosso, mas só em parte o entendo. Hoje de manhã, dia primeiro de julho de 1969, quero tentar uma oração que seja pessoal, não herdada. Sei que se trata de uma tarefa que exige uma sinceridade mais que humana. É evidente, em primeiro lugar, que me está vedado pedir. Pedir que não anoiteçam meus olhos seria loucura; sei de milhares de pessoas que vêem e que não são particularmente felizes, justas ou sábias. O processo do tempo é uma trama de efeitos e causas, de sorte que pedir qualquer mercê, por ínfima que seja, é pedir que se rompa um elo dessa trama de ferro, é pedir que já se tenha rompido. Ninguém merece tal milagre. Não posso suplicar que meus erros me sejam perdoados; o perdão é um ato alheio e só eu posso salvar-me. O perdão purifica o ofendido, não o ofensor, a quem quase não afeta. A liberdade de meu arbítrio é talvez ilusória, mas posso dar ou sonhar que dou. Posso dar a coragem, que não tenho; posso dar a esperança, que não está em mim; posso ensinar a vontade de aprender o que pouco sei ou entrevejo. Quero ser lembrado menos como poeta que como amigo; que alguém repita uma cadência de Dunbar ou de Frost ou do homem que viu à meia-noite a árvore que sangra, a Cruz, e pense que pela primeira vez a ouviu de meus lábios. O restante não me importa; espero que o esquecimento não demore. Desconhecemos os desígnios do universo, mas sabemos que raciocinar com lucidez e agir com justiça é ajudar esses desígnios, que não nos serão revelados.

Quero morrer completamente; quero morrer com este companheiro, meu corpo.


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Vida e Obra
em 27/11/2011 13:57:17 (2374 leituras)
Jorge Luis Borges

Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo (Buenos Aires, 24 de agosto de 1899 — Genebra, 14 de junho de 1986) foi um escritor, poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino.
Em 1914 sua família se mudou para Suíça, onde ele estudou e viajou para a Espanha. Em seu retorno à Argentina em 1921, Borges começou a publicar seus poemas e ensaios em revistas literárias surrealistas. Também trabalhou como bibliotecário e professor universitário público. Em 1955 foi nomeado diretor da Biblioteca Nacional da República Argentina e professor de literatura na Universidade de Buenos Aires. Em 1961, destacou-se no cenário internacional quando recebeu o primeiro prêmio internacional de editores, o Prêmio Formentor.
Seu trabalho foi traduzido e publicado extensamente no Estados Unidos e Europa. Borges era fluente em várias línguas.
Sua obra abrange o "caos que governa o mundo e o caráter de irrealidade em toda a literatura".[1] Seus livros mais famosos, Ficciones (1944) e O Aleph (1949), são coletâneas de histórias curtas interligadas por temas comuns: sonhos, labirintos, bibliotecas, escritores fictícios e livros fictícios, religião, Deus. Seus trabalhos têm contribuído significativamente para o gênero da literatura fantástica.[2] Estudiosos notaram que a progressiva cegueira de Borges ajudou-o a criar novos símbolos literários através da imaginação, já que "os poetas, como os cegos, podem ver no escuro".[3][4] Os poemas de seu último período dialogam com vultos culturais como Spinoza, Luís de Camões e Virgílio.
Sua fama internacional foi consolidada na década de 1960, ajudado pelo "boom latino-americano" e o sucesso de Cem Anos de Solidão de Gabriel García Márquez.[2] Para homenagear Borges, em O Nome da Rosa [5] um romance de Umberto Eco, há o personagem Jorge de Burgos, que além da semelhança no nome é cego assim como Borges, foi ficando ao longo da vida. Além da personagem, a biblioteca que serve como plano de fundo do livro é inspirada no conto de Borges A Biblioteca de Babel (Uma biblioteca universal e infinita que abrange todos os livros do mundo).
O escritor e ensaísta John Maxwell Coetzee disse sobre ele: "Ele, mais do que ninguém, renovou a linguagem de ficção e, assim, abriu o caminho para uma geração notável de romancistas hispano-americanos".[6]

Vida

Jorge Luis Borges nasceu em uma família de classe média com boa educação. A mãe de Borges, Leonor Acevedo Suárez, veio de uma tradicional família uruguaia. Seu livro de 1929 Cuaderno San Martín incluiu um poema, "Isidoro Acevedo", em homenagem a seu avô materno, Isidoro de Acevedo Laprida, um soldado do exército de Buenos Aires que era contra o ditador Juan Manuel de Rosas. Um descendente do advogado e político argentino Francisco Narciso de Laprida, Acevedo lutou nas batalhas de Cepeda em 1859, Pavón em 1861 e Los Corrales em 1880. Isidoro de Acevedo Laprida morreu de congestão pulmonar na casa onde seu neto Jorge Luis Borges nasceu.
Segundo um estudo de Antonio Andrade, Jorge Luis Borges tem ascendência portuguesa: o bisavô de Borges, Francisco, teria nascido em Portugal em 1770 e vivido na localidade de Torre de Moncorvo, situada no Norte de Portugal, antes de emigrar para a Argentina, onde teria casado com Cármen Lafinur.
Aos sete anos de idade, Borges já teria revelado ao pai que seria escritor. Aos nove, escreve seu primeiro conto, "La visera fatal", inspirado em um episódio de Dom Quixote. Em 1914, muda-se, com os pais, para a Europa, morando inicialmente em Genebra, na Suíça, onde conclui seus estudos, e depois na Espanha. Em 1921, retorna a Buenos Aires, onde participa ativamente da efervescente vida cultural da cidade. Em 1923, publica seu primeiro livro de poemas, "Fervor de Buenos Aires". Iniciava-se, assim, uma das mais brilhantes carreiras literárias do século XX. Borges morreu em Genebra por um câncer de fígado e um enfisema, onde está sepultado, por opção pessoal.
Borges foi um ávido leitor de enciclopédias. Em uma memorável palestra sobre O Livro em 1978, Borges comenta a felicidade em ganhar a enciclopédia alemã Enzyklopadie Brockhaus, edição de 1966. Lamenta não poder ver as letras góticas nem os mapas e ilustrações, entretanto sente uma relação amistosa com os livros. Sua preferida era a IX edição da Britânica, como disse em uma das inúmeras entrevistas que deu.

Obra

Sua obra se destaca por abordar temáticas como filosofia (e seus desdobramentos matemáticos), metafísica, mitologia e teologia, em narrativas fantásticas onde figuram os "delírios do racional" (Bioy Casares), expressos em labirintos lógicos e jogos de espelhos. Ao mesmo tempo, Borges também abordou a cultura dos Pampas argentinos, em contos como O morto, "Homem da esquina rosada" e "O sul". Lida com campanhas militares históricas, como a guerra argentina contra os índios durante a presidência, entre outros, do escritor Domingo Faustino Sarmiento; trata-as, porém, como pano de fundo para criações fictícias, como em História do Guerreiro e da Cativa. E rende homenagem à literatura pregressa de seu país em contos em que se apropria do mitológico Martín Fierro: Biografia de Tadeo Isidoro Cruz (1829-1874) e "O fim".
Entre seus contos mais conhecidos e comentados podemos citar A Biblioteca de Babel, O Jardim de Veredas que se Bifurcam, "Pierre Menard, autor do Quixote" (para muitos a pedra angular de sua literatura) e Funes, o Memorioso, todos do livro Ficções (1944) - além de "O Zahir", "A escrita do Deus" e O Aleph (que dá seu nome ao livro de que consta, publicado em 1949). A partir da década de 50, afetado pela progressiva cegueira, Borges passou a se dedicar a poesia, produzindo obras notáveis como "A cifra" (1981), "Atlas" (um esboço de geografia fantástica, 1984) e "Os conjurados" (1985), sua última obra. Também produziu prosa ("Outras inquisições", ensaios, 1952; "O livro de areia", contos, 1975), notando-se o claro influxo da cegueira.

O conto "Tlön, Uqbar, Orbis Tertius" trata justamente de uma enciclopédia forjada por uma sociedade secreta ao longo de gerações, que visa inventar (como lembra o próprio Borges, "inventar" e "descobrir" são sinônimos em latim) todo um planeta imaginário, com seus idiomas, sua física, sua política, suas ciências, suas culturas. No fim do conto, sendo "acidentalmente" descoberta essa enciclopédia, Tlön (o planeta imaginário) passa a dominar, paulatinamente, todos os interesses terrenos…

Poesia

Elemento de lista com marcas
Fervor de Buenos Aires (1923)
Luna de enfrente (1925)
Cuaderno San Martín (1929)
Poemas (1923-1943)
El hacedor (1960)
Para las seis cuerdas (1967)
El otro, el mismo (1969)
Elogio de la sombra (1969)
El oro de los tigres (1972)
La rosa profunda (1975)
Obra poética (1923-1976)
La moneda de hierro (1976)
Historia de la noche (1976)
La cifra (1981)
Los conjurados (1985)

Contos

El jardín de senderos que se bifurcan (1941)
Ficciones (1944)
El Aleph (1949)
La muerte y la brújula (1951)
El informe Brodie (1970)
El libro de arena (1975)

Ensaios

Inquisiciones (1925)
El tamaño de mi esperanza (1926)
El idioma de los argentinos (1928)
Evaristo Carriego (1930)
Discusión (1932)
Historia de la eternidad (1936)
Aspectos de la poesía gauchesca (1950)
Otras inquisiciones (1952)
El congreso (1971)
Libro de sueños (1976)

Não-classificados

Historia universal de la infamia (1935)
El libro de los seres imaginarios (1968)
Atlas (1985)

Em colaboração com Adolfo Bioy Casares

Seis problemas para don Isidro Parodi (1942)
Un modelo para la muerte (1946)
Dos fantasías memorables (1946)
Los orilleros (1955). Roteiro cinematográfico
El paraíso de los creyentes (1955). Roteiro cinematográfico
Nuevos cuentos de Bustos Domecq (1977)


*Fonte: Wikipédia.


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Vida e Obra
em 19/11/2011 20:16:22 (2898 leituras)
Pagu

Patrícia Rehder Galvão, conhecida pelo pseudônimo de Pagu, (São João da Boa Vista, 9 de junho de 1910 — Santos, 12 de dezembro de 1962, foi uma escritora e jornalista brasileira. Teve grande destaque no movimento modernista iniciado em 1922, embora não tivesse participado da Semana de Arte Moderna porque, na época, contava apenas com onze anos de idade.
Militante comunista, foi a primeira mulher presa no Brasil por motivações políticas.

Bem antes de virar Pagu, apelido que lhe foi dado pelo poeta Raul Bopp, Zazá, como era conhecida em família, já era uma mulher avançada para os padrões da época, pois cometia algumas “extravagâncias” como fumar na rua, usar blusas transparentes, manter os cabelos bem cortados e eriçados e dizer palavrões. Ela não queria saber o que pensavam dela, tinha muitos namorados e causava polêmica na sociedade. Esse comportamento não era nada compatível com sua origem familiar, porque provinha de uma tradicional família e muito conservadora.
Em 1925, com quinze anos, passa a colaborar no Brás Jornal, assinando Patsy (Infoescola).
Embora tenha se tornado musa dos modernistas, Pagu não participou da Semana de Arte Moderna. Tinha apenas 12 anos em 1922, quando a Semana se realizou. Entretanto, com 18 anos, mal completara o Curso na Escola Normal da Capital (São Paulo, 1928) se integra ao movimento antropofágico, de cunho modernista, sob a influência de Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. O apelido Pagu surgiu de um erro do poeta modernista Raul Bopp, autor de Cobra Norato. Bopp inventou este apelido, ao dedicar-lhe um poema, porque imaginou que seu nome fosse Patrícia Goulart e por isso fez uma brincadeira com as primeiras sílabas do nome.

Em 1930, um escândalo para a sociedade conservadora de então: Oswald separa-se de Tarsila e casa-se com Pagu. Especula-se que eles eram amantes desde a época que Oswald era casado. No mesmo ano, nasce Rudá de Andrade, segundo filho de Oswald e primeiro de Pagu. Os dois se tornam militantes do Partido Comunista.
Ao participar da organização de uma greve de estivadores em Santos, Pagu é presa pela polícia política de Vargas. Era a primeira de uma série de 23 prisões, ao longo da vida. Logo depois de ser solta, em (1933), partiu para uma viagem pelo mundo, deixando no Brasil o marido e o filho. No mesmo ano, publica o romance Parque Industrial, sob o pseudônimo de Mara Lobo.
Em 1935 é presa em Paris como comunista estrangeira, com identidade falsa, e é repatriada para o Brasil. Separa-se definitivamente de Oswald, por conta de muitas brigas e ciúmes. Ela retoma sua atividade jornalística, mas é novamente presa e torturada pelas forças da Ditadura, ficando na cadeia por cinco anos. Nesses cinco anos, seu filho é criado por Oswald.
Ao sair da prisão, em 1940, rompe com o Partido Comunista, passando a defender um socialismo de linha trotskista. Integra a redação de A Vanguarda Socialista junto com seu marido Geraldo Ferraz, o crítico de arte Mário Pedrosa, Hilcar Leite e Edmundo Moniz.
Casa-se novamente com Geraldo Ferraz, e dessa união nasce seu segundo filho, Geraldo Galvão Ferraz, em 18 de junho de 1941. Passa a morar com os dois filhos e o marido. Oswald visita Rudá e eles passam a se relacionar como amigos.
Nessa mesma época viaja à China e obtém as primeiras sementes de soja que foram introduzidas no Brasil.
Em 1952 frequenta a Escola de Arte Dramática de São Paulo, levando seus espetáculos a Santos. Ligada ao teatro de vanguarda apresenta a sua tradução de A Cantora Careca de Ionesco. Traduziu e dirigiu Fando e Liz de Arrabal, numa montagem amadora onde estreava um jovem artista Plínio Marcos.
É conhecida como grande animadora cultural em Santos, onde passa a residir com marido e os dois filhos. Dedica-se em especial ao teatro, particularmente no incentivo a grupos amadores. Em 1945 lança novo romance, A Famosa Revista, escrito em parceria com o maridoGeraldo Ferraz. Tenta, sem sucesso, uma vaga de deputada estadual nas eleições de 1950.
Ainda trabalhava como crítica de arte, quando foi acometida de um câncer. Viaja a Paris para se submeter a uma cirurgia, sem resultados positivos. Decepcionada e desesperada por estar doente, Patrícia tenta suicídio, o que não se concretizou. Sobre o episódio, ela escreveu no panfleto "Verdade e Liberdade": "Uma bala ficou para trás, entre gazes e lembranças estraçalhadas". Volta ao Brasil e morre em 12 de dezembro de 1962, em decorrência da doença, para total tristeza de marido e filhos.
Em 2004 a catadora de papel Selma Morgana Sarti, em Santos, encontrou no lixo uma grande quantidade de fotos e documentos da escritora e do jornalista Geraldo Ferraz, seu último companheiro. Estes fazem parte hoje do arquivo da UNICAMP.
Em 2005, a cidade de São Paulo comemorou os 95 anos de nascimento de Pagu com uma vasta programação, que incluiu lançamento de livros, exposição de fotos, desenhos e textos da homenageada, apresentação de um espetáculo teatral sobre sua vida e inauguração de uma página na Internet. No dia exato de seu nascimento, convidados compareceram com trajes de época a uma festa Pagu, realizada no Museu da Imagem e do Som.
Outra faceta de Pagu é como desenhista e ilustradora. Participou da Revista de Antropofagia, publicada entre 1928 e 1929, entre outras. Recentemente foi publicado o livro Caderno de Croquis de Pagu, com uma coletânea de trabalhos da artista, bem como foi realizada uma exposição de alguns de seus desenhos na Galeria Hermitage.

Pagu publicou os romances Parque Industrial (edição da autora, 1933), sob o pseudônimo Mara Lobo, considerado o primeiro romance proletário brasileiro, e A Famosa Revista (Americ-Edit, 1945), em colaboração com Geraldo Ferraz. Parque Industrial foi publicado nos Estados Unidos em tradução de Kenneth David Jackson em 1994 pela Editora da University of Nebraska Press.
Escreveu também contos policiais, sob o pseudônimo King Shelter, publicados originalmente na revista Detective, dirigida pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, e depois reunidos em Safra Macabra (Livraria José Olympio Editora, 1998).
Em seu trabalho junto a grupos teatrais, revelou e traduziu grandes autores até então inéditos no Brasil como James Joyce, Eugène Ionesco, Arrabal e Octavio Paz.

Sua literatura já foi tema de dissertações de mestrado. No livro A "moscouzinha" brasileira: cenários e personagens do cotidiano operário de Santos (1930 - 1954). São Paulo, Humanitas, 2007 é retratado um conflito em Santos em 1931 que contou com a participação de Patrícia Galvão e resultou na morte de um ensacador.
Em 1988, a vida de Pagu foi contada no filme Eternamente Pagu (1987), no primeiro longa metragem dirigido por Norma Benguell, com Carla Camurati no papel-título, Antônio Fagundes como Oswald de Andrade e Esther Góes no papel de Tarsila do Amaral.
Foi tema de dois documentários, um produzido por seu filho Rudá e outro pelo cineasta Ivo Branco, com o título Eh, Pagu!, Eh!. Aparece como personagem do filme O Homem do Pau Brasil.
Foi retratada como personagem na minissérie Um Só Coração (2004), interpretada por Miriam Freeland.
Há uma canção homônima, Pagu, composição de Rita Lee e Zélia Duncan. Já interpretada por Maria Rita (álbuns Maria Rita e Segundo: Ao Vivo ).
A história de Pagu também chegou aos palcos do teatro. No ano do centenário de seu nascimento entrou em cartaz o espetáculo Dos Escombros de Pagu, baseado no livro homônimo assinado por Tereza Freire.

Bibliografia

ANDRADE, O. GALVAO, P.. Pagu, Oswald, Segall. Globo, 2009.
CAMPOS, A. Pagu Vida-obra - Augusto De Campos. SP: Brasiliense.
FREIRE, Tereza. Dos Escombros De Pagu. SENAC SP, 2008* GALVAO, Patricia. PAIXAO Pagu. a Autobiografia Precoce de Patricia Galvão. AGIR, 2005, 164 págs.
GALVAO, Patricia. Parque Industrial – Edição particular – 1933
GALVAO, Patricia. A Famosa Revista – Americ-Edit – 1945
GALVAO, Patricia. Verdade e Liberdade – Edição da autora – 1950
GALVAO, Patricia. Safra Macabra – José Olympio Editora – 1998
GALVAO, Patricia. Croquis de Pagu (org. Lúcia Maria Teixeira Furlani e Geraldo Galvão Ferraz) – Editora Unisanta e Imprensa OFicial do Estado de São Paulo – 2004
GUEDES, Thelma. Pagu - Literatura e Revoluçao. ATELIE EDITORIAL, 2003
NEVES, Juliana. Geraldo Ferraz e Patricia Galvão. ANNABLUME, 2005, 214 págs.
TAVARES, Rodrigo Rodrigues. A "Moscouzinha" brasileira: cenários e personagens do cotidiano operário de Santos. São Paulo: HUMANITAS, 2007
ZATZ, Lia. Pagu - A Luta De Cada Um CALLIS, 2005.

Dez passos de Pagu

■ 1910 — Patrícia Rehder Galvão nasce em São João da Boa Vista.
■ 1912 — Sua família muda-se para a Rua da Liberdade, em São Paulo.
■ 1924 — Torna-se aluna da Escola Normal do Brás (no destaque).
■ 1930 — Pagu e Oswald fazem um pacto de casamento no Cemitério da Consolação. Três meses depois, simulam a foto da cerimônia diante da Igreja da Penha. No mesmo ano, nasce Rudá.
■ 1931 — Sofre a primeira de suas 23 prisões políticas.
■ 1933 — Publica o romance Parque Industrial.
■ 1939 — Escreve na prisão o romance Microcosmo. Trata-se de um livro cuja primeira parte Pagu enterrou em um terreno baldio em São Paulo para proteger da polícia. Ao tentar desenterrá-lo, três anos depois, a decepção. No local, havia um edifício.
■ 1940 — Casa-se com o jornalista Geraldo Ferraz. Seu segundo filho, Geraldo Galvão Ferraz, nasce no ano seguinte.
■ 1952 — Estuda teatro na Escola de Arte Dramática (EAD).
■ 1954 — Muda-se para Santos e morre ali oito anos depois.



*Fontes: wikipédia e revista Veja.


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Natureza morta
em 19/11/2011 20:05:59 (7514 leituras)
Pagu

Os livros são dorsos de estantes distantes quebradas.
Estou dependurada na parede feita um quadro.
Ninguém me segurou pelos cabelos.
Puseram um prego em meu coração para que eu não me mova
Espetaram, hein? a ave na parede
Mas conservaram os meus olhos
É verdade que eles estão parados
Como os meus dedos, na mesma frase.
Espicharam-se em coágulos azuis.
Que monótono o mar!
Os meus pés não dão mais um passo.
O meu sangue chorando
As crianças gritando,
Os homens morrendo
O tempo andando
As luzes fulgindo,
As casas subindo,
O dinheiro circulando,
O dinheiro caindo.
Os namorados passando, passeando,
O lixo aumentando,
Que monótono o mar!

Procurei acender de novo o cigarro.
Por que o poeta não morre?
Por que o coração engorda?
Por que as crianças crescem?
Por que este mar idiota não cobre o telhado das casas?
Por que existem telhados e avenidas?
Por que se escrevem cartas e existe o jornal?
Que monótono o mar!
Estou espichada na tela como um monte de frutas apodrecendo.
Se eu ainda tivesse unhas
Enterraria os meus dedos nesse espaço branco
Vertem os meus olhos uma fumaça salgada
Este mar, este mar não escorre por minhas faces.
Estou com tanto frio, e não tenho ninguém ...
Nem a presença dos corvos



‘Pagu’, Patrícia Rehder Galvão


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Se eu morrer novo
em 17/11/2011 16:54:56 (4067 leituras)
Fernando Pessoa

Se eu morrer novo,
Sem poder publicar livro nenhum,
Sem ver a cara que têm os meus versos em letra impressa,
Peço que, se se quiserem ralar por minha causa,
Que não se ralem.
Se assim aconteceu, assim está certo.

Mesmo que os meus versos nunca sejam impressos,
Eles lá terão a sua beleza, se forem belos.
Mas eles não podem ser belos e ficar por imprimir,
Porque as raízes podem estar debaixo da terra
Mas as flores florescem ao ar livre e à vista.
Tem que ser assim por força. Nada o pode impedir.

Se eu morrer muito novo, oiçam isto:
Nunca fui senão uma criança que brincava.
Fui gentio como o sol e a água,
De uma religião universal que só os homens não têm.
Fui feliz porque não pedi cousa nenhuma,
Nem procurei achar nada,
Nem achei que houvesse mais explicação
Que a palavra explicação não ter sentido nenhum.

Não desejei senão estar ao sol ou à chuva —
Ao sol quando havia sol
E à chuva quando estava chovendo
(E nunca a outra cousa),
Sentir calor e frio e vento,
E não ir mais longe.

Uma vez amei, julguei que me amariam,
Mas não fui amado.
Não fui amado pela única grande razão —
Porque não tinha que ser.

Consolei-me voltando ao sol e à chuva,
E sentando-me outra vez à porta de casa.
Os campos, afinal, não são tão verdes para os que são amados
Como para os que o não são.
Sentir é estar distraído.



*Fernando Pessoa enquanto Alberto Caieiro em 7-11-1915


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O ovo de galinha
em 14/11/2011 00:17:08 (2768 leituras)
João Cabral de Melo Neto

I

Ao olho mostra a integridade
de uma coisa num bloco, um ovo.
Numa só matéria, unitária,
maciçamente ovo, num todo.

Sem possuir um dentro e um fora,
tal como as pedras, sem miolo:
é só miolo: o dentro e o fora
integralmente no contorno.

No entanto, se ao olho se mostra
unânime em si mesmo, um ovo,
a mão que o sopesa descobre
que nele há algo suspeitoso:

que seu peso não é o das pedras,
inanimado, frio, goro;
que o seu é um peso morno, túmido,
um peso que é vivo e não morto.

II

O ovo revela o acabamento
a toda mão que o acaricia,
daquelas coisas torneadas
num trabalho de toda a vida.

E que se encontra também noutras
que entretanto mão não fabrica:
nos corais, nos seixos rolados
e em tantas coisas esculpidas

cujas formas simples são obra
de mil inacabáveis lixas
usadas por mãos escultoras
escondidas na água, na brisa.

No entretanto, o ovo, e apesar
de pura forma concluída,
não se situa no final:
está no ponto de partida.

III

A presença de qualquer ovo,
até se a mão não lhe faz nada,
possui o dom de provocar
certa reserva em qualquer sala.

O que é difícil de entender
se se pensa na forma clara
que tem um ovo, e na franqueza
de sua parede caiada.

A reserva que um ovo inspira
é de espécie bastante rara:
é a que se sente ante um revólver
e não se sente ante uma bala.

É a que se sente ante essas coisas
que conservando outras guardadas
ameaçam mais com disparar
do que com a coisa que disparam.

IV

Na manipulação de um ovo
um ritual sempre se observa:
há um jeito recolhido e meio
religioso em quem o leva.

Se pode pretender que o jeito
de quem qualquer ovo carrega
vem da atenção normal de quem
conduz uma coisa repleta.

O ovo porém está fechado
em sua arquitetura hermética
e quem o carrega, sabendo-o,
prossegue na atitude regra:

procede ainda da maneira
entre medrosa e circunspeta,
quase beata, de quem tem
nas mãos a chama de uma vela.


A poesia acima foi extraída do livro "João Cabral de Melo Neto - Obra Completa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1994, pág. 302.


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Humildade
em 03/11/2011 02:26:26 (4354 leituras)
Mauro Mota

Que a voz do poeta nunca se levante
para ter ressonâncias nas alturas.
Que o canto, das contidas amarguras,
somente seja a gota transbordante.
Que ele, através das solidões escuras
do ser, deslize no preciso instante.
Saia da avena do pastor errante,
sem aplausos buscar de outras criaturas.

Que o canto simples, natural, rebente,
água da fonte límpida, do fundo
da alma, de amor e de humildade cheio.

Que o canto glorificará somente
a origem, quando mais ninguém no mundo
saiba ele de quem foi ou de onde veio.


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Emergência
em 01/11/2011 22:37:17 (3639 leituras)
Mario Quintana

Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.


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Consoada
em 20/10/2011 08:23:18 (2738 leituras)
Manuel Bandeira

Quando a Indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa,
A mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.


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O Bicho
em 20/10/2011 08:20:13 (29485 leituras)
Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.


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O Anel de Vidro
em 20/10/2011 08:15:49 (6200 leituras)
Manuel Bandeira

Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou
Assim também o eterno amor que prometeste,
- Eterno! era bem pouco e cedo se acabou.

Frágil penhor que foi do amor que me tiveste,
Símbolo da afeição que o tempo aniquilou, -
Aquele pequenino anel que tu me deste,
- Ai de mim - era vidro e logo se quebrou

Não me turbou, porém, o despeito que investe
Gritando maldições contra aquilo que amou.
De ti conservo no peito a saudade celeste
Como também guardei o pó que me ficou
Daquele pequenino anel que tu me deste


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Poema do milho
em 13/10/2011 15:24:33 (9161 leituras)
Cora Coralina



Milho...
Punhado plantado nos quintais.
Talhões fechados pelas roças.
Entremeado nas lavouras,
Baliza marcante nas divisas.
Milho verde. Milho seco.
Bem granado, cor de ouro.
Alvo. Às vezes vareia,
- espiga roxa, vermelha, salpintada.

Milho virado, maduro, onde o feijão enrama
Milho quebrado, debulhado
na festa das colheitas anuais.

Bandeira de milho levada para os montes
largada pelas roças:
Bandeiras esquecidas na fartura.
Respiga descuidada
dos pássaros e dos bichos.

Milho empaiolado.
abastança tranqüila
do rato,
do caruncho.
do cupim.
Palha de milho para o colchão.
Jogada pelos pastos.
Mascada pelo gado.
Trançada em fundos de cadeiras.

Queimada nas coivaras.
Leve mortalha de cigarros.
Balaio de milho trocado com o vizinho
no tempo da planta.
"- Não se planta, nos sítios, semente da mesma terra".

Ventos rondando, redemoinhando.
Ventos de outubro.

Tempo mudado. Revôo de saúva.
Trovão surdo, tropeiro.
Na vazante do brejo, no lameiro,
o sapo-fole, o sapo-ferreiro, o sapo-cachorro.
Acauã de madrugada
marcando o tempo, chamando chuva.
Roça nova encoivarada,
começo de brotação.
Roça velha destocada.
Palhada batida, riscada de arado.
Barrufo de chuva.
Cheiro de terra; cheiro de mato,
Terra molhada, Terra saroia.
Noite chuvada, relampeada.
Dia sombrio. Tempo mudado, dando sinais.
Observatório: lua virada. Lua pendida...
Circo amarelo, distanciado,
marcando chuva.
Calendário, Astronomia do lavrador.

planta de milho na lua-nova.
Sistema velho colonial.
Planta de enxada.
Seis grãos na cova,
quatro na regra, dois de quebra.
Terra arrastada com o pé,
pisada, incalcada, mode os bichos.

Lanceado certo-cabo-da-enxada...
Vai, vem... sobe, desce...
terra molhada, terra saroia...
Seis grãos na cova; quatro na regra, dois de quebra
Sobe. Desce...
Camisa de riscado, calça de mescla
Vai, vem...
golpeando a terra, o plantador.

Na sombra da moita,
na volta do toco - o ancorote d'água:

Cavador de milho, que está fazendo?
A que milênios vem você plantando.
Capanga de grãos dourados a tiracolo.
Crente da Terra, Sacerdote da terra.
Pai da terra.
Filho da terra.
Ascendente da terra.
Descendente da terra.
Ele; mesmo; terra.

Planta com fé religiosa.
Planta sozinho, silencioso.
Cava e planta.
Gestos pretéritos, imemoriais...
Oferta remota; patriarcal.
Liturgia milenária.
Ritual de paz.
Em qualquer parte da Terra
um homem estará sempre plantando,
recriando a Vida.
Recomeçando o Mundo.

Milho plantado; dormindo no chão, aconchegados
seis grãos na cova.
Quatro na regra, dois de quebra.
Vida inerte que a terra vai multiplicar

Evém a perseguìção:
o bichinho anônimo que espia, pressente.
A formiga-cortadeira - quenquém.
A ratinha do chão, exploradeira.
A rosca vigilante na rodilha,
O passo-preto vagabundo, galhofeiro,
vaiando, sorrindo...
aos gritos arrancando, mal aponta.
O cupim clandestino
roendo, minando,
só de ruindade.

E o milho realiza o milagre genético de nascer:
Germina. Vence os inimigos,
Aponta aos milhares.
- Seis grãos na cova.
- Quatro na regra, dois de quebra,
Um canudinho enrolado.
Amarelo-pálido,
frágil, dourado, se levanta.
Cria sustância.
Passa a verde.
Liberta-se. Enraíza,
Abre folhas espaldeiradas.
Encorpa. Encana. Disciplina,
com os poderes de Deus.

Jesus e São João
desceram de noite na roça,
botaram a bênção no milho,
E veio com eles
uma chuva maneira, criadeira, fininha,
uma chuva velhinha,
de cabelos brancos,
abençoando
a infância do milho.

O mato vem vindo junto,
Sementeira.

As pragas todas, conluiadas.
Carrapicho. Amargoso. Picão.
Marianinha. Caruru-de-espinho.
Pé-de-galinha. Colchão.
Alcança, não alcança.
Competição.
Pac... Pac... Pac...
a enxada canta.
Bota o mato abaixo.
arrasta uma terrinha para o pé da planta.
"...- Carpa bem feita vale por duas..."
Quando pode. Quando não... sarobeia.
Chega terra O milho avoa.

Cresce na vista dos olhos.
Aumenta de dia. Pula de noite.
Verde Entonado, disciplinado, sadio.

Agora...
A lagarta da folha,
lagarta rendeira...
Quem é que vê?
Faz a renda da folha no quieto da noite.
Dorme de dia no olho da planta,
Gorda; Barriguda. Cheia.
Expurgo: nada... força da lua..,
Chovendo acaba - a Deus querê.

"O mio tá bonito..."
"-Vai sê bão o tempo pras lavoras todas."
"-O mio tá marcando..."
Condieionando o futuro:
"- O roçado de seu Féli tá qui fais gosto...
Um refrigério"
"- O mio lá tá verde qui chega a s'tar azur..."
- Conversam vizinhos e compadres.

Milho crescendo, garfando,
esporando nas defesas...

Milho embandeirado.
Embalado pelo vento.

"Do chão ao pendão, 60 dias vão".

Passou aguaceiro, pé-de-vento.
"- O milho acamou..." "- Perdido?"... Nada...
Ele arriba com os poderes de Deus..."
E arribou mesmo; garboso, empertigado, vertical

No cenário vegetal
um engraçado boneco de frangalhos
sobreleva, vigilante.
Alegria verde dos periquitos gritadores...
Bandos em seqüência... Evolução...
Pouso... retrocesso.

Manobras em conjunto.
Desfeita formação.
Roedores grazinando, se fartando,
foliando, vaiando
os ingênuos espantalhos.

"Jesus e São João
andaram de noite passeando na lavoura
e botaram a bênção no milho".
Fala assim gente de roça e fala certo.
Pois não está lá na taipa do rancho
o quadro deles, passeando dentro dos trigais?
Analogias... Coerências.

Milho embandeirado
bonecando em gestação.
- Senhor!... Como a roça cheira bem!
Flor de milho, travessa e festiva.
Flor feminina, esvoaçante, faceira.
Flor masculina - lúbrica, desgraciosa.

Bonecas de milho túrgidas,
negaceando, se mostrando vaidosas.
Túnicas, sobretúnicas...
saias, sobre-saias...
Anáguas... camisas verdes.
Cabelos verdes...
- Cabeleiras soltas, lavadas, despenteadas...
- O milharal é desfile de beleza vegetal.

Cabeleiras vermelhas, bastas, onduladas.
Cabelos prateados, verde-gaio.
Cabelos roxos, lisos, encrespados.
Destrançados.
Cabelos compridos, curtos,
queimados, despenteados.
Xampu de chuvas...
Flagrâncias novas no milharal.
- Senhor, como a roça cheira bem!...

As bandeiras altaneiras
vão se abrindo em formação.
Pendões ao vento.
Extravasão da libido vegetal.
procissão fálica, pagã.
Um sentido genésico domina o milharal.
Flor masculina erótica, libidinosa,
polinizando, fecundando
a florada adolescente das bonecas:

Boneca de milho, vestida de palha...
Sete cenários defendem o grão
Gordas, esguias, delgadas; alongadas
Cheias, fecundadas.
Cabelos soltos excitantes.
Vestidas de palha.
Sete cenários defendem o grão,
Bonecas verdes, vestidas de noiva
Afrodisíacas, nupciais...

De permeio algumas virgens loucas...
Descuidadas. Desprovidas.
Espigas falhadas. Fanadas. Macheadas.

Cabelos verdes. Cabelos brancos.
Vermelho-amarelo-roxo, requeimado...
E o pólen dos pendões fertilizando...
Uma fragrância quente, sexual
invade num espasmo o milharal.
A boneca fecundada vira espiga.
Amortece a grande exaltação.
Já não importam as verdes cabeleiras rebeladas
A espiga cheia salta da haste.
O pendão fálico vira ressecado, esmorecido,
No sagrado rito da fecundação.

Tons maduros de amarelo.
Tudo se volta para a terra-mãe.
O tronco seco é um suporte, agora,
onde o feijão verde trança, enrama, enflora.

Montes de milho novo, esquecidos,
marcando claros no verde que domina a roça.
Bandeiras perdidas na fartura das colheitas.
Bandeiras largadas, restolhadas.
E os bandos de passo-pretos galhofeiros
gritam e cantam na respiga das palhadas.

"Não andeis a respigar" - diz o preceito bíblico
O grão que cai é o direito da terra.
A espiga perdida - pertence às aves
que têm seus ninhos e filhotes a cuidar.
Basta para ti, lavrador,
o monte alto e a tulha cheia.
Deixa a respiga para os que não plantam nem colhem
- O pobrezinho que passa.
- Os bichos da terra e os pássaros do céu.


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Os Sapos
em 11/10/2011 20:10:00 (7116 leituras)
Manuel Bandeira

Os Sapos
Enfunando os papos,
Saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: - "Meu cancioneiro
É bem martelado.

Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.

O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.

Vai por cinqüenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.

Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas..."

Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"- "Foi!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é

Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...


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Se houvesse degraus na terra...
em 11/10/2011 13:42:37 (6698 leituras)
Herberto Helder


Se houvesse degraus na terra e tivesse anéis o céu,
eu subiria os degraus e aos anéis me prenderia.
No céu podia tecer uma nuvem toda negra.
E que nevasse, e chovesse, e houvesse luz nas montanhas,
e à porta do meu amor o ouro se acumulasse.

Beijei uma boca vermelha e a minha boca tingiu-se,
levei um lenço à boca e o lenço fez-se vermelho.
Fui lavá-lo na ribeira e a água tornou-se rubra,
e a fímbria do mar, e o meio do mar,
e vermelhas se volveram as asas da águia
que desceu para beber,
e metade do sol e a lua inteira se tornaram vermelhas.

Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo.
Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata.
Correram os rapazes à procura da espada,
e as raparigas correram à procura da mantilha,
e correram, correram as crianças à procura da maçã.



“A Faca Não Corta o Fogo”, Súmula & Inédita (2008)


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Da Imparcialidade
em 10/10/2011 17:00:00 (3709 leituras)
Mario Quintana

O homem - eternamente escravo de suas paixões pessoais -
Ë absolutamente incapaz de imparcialidade.
Só Deus é imparcial.
Só Ele é que pode, por exemplo,
Abençoar, ao mesmo tempo,
As bandeiras de dois exércitos inimigos que vão entrar em luta...


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Arte poética
em 10/10/2011 16:53:29 (2844 leituras)
Mario Quintana

Esses poetas que tudo dizem
Nada conseguem dizer:
Estão fazendo apenas relatórios...


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Da Amizade Entre Mulheres
em 08/10/2011 20:31:11 (4531 leituras)
Mario Quintana

Dizem-se amigas... Beijam-se... Mas qual!
Haverá quem nisso creia?
Salvo se uma das duas, por sinal,
For muito velha, ou muito feia...


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Belo Belo
em 08/10/2011 18:25:43 (5121 leituras)
Manuel Bandeira

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Tenho o fogo de constelações extintas há milênios.
E o risco brevíssimo - que foi? passou - de tantas estrelas cadentes.

A aurora apaga-se,
E eu guardo as mais puras lágrimas da aurora.

O dia vem, e dia adentro
Continuo a possuir o segredo grande da noite.

Belo belo belo,
Tenho tudo quanto quero.

Não quero o êxtase nem os tormentos.
Não quero o que a terra só dá com trabalho.

As dádivas dos anjos são inaproveitáveis:
Os anjos não compreendem os homens.

Não quero amar,
Não quero ser amado.
Não quero combater,
Não quero ser soldado.

- Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.


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Poema Erótico
em 08/10/2011 18:15:29 (8352 leituras)
Manuel Bandeira


Teu corpo claro e perfeito,
- Teu corpo de maravilha
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...

Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...

Teu corpo branco e macio
É como um véu de noivado...
Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...

É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Que em cantigas se derrama...

Volúpia de água e da chama...

A todo momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...

Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...


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Porquinho-da-Índia
em 08/10/2011 18:12:06 (16520 leituras)
Manuel Bandeira

Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele prá sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas...

- O meu porquinho-da-índia foi minha primeira namorada.


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Quadra
em 04/10/2011 14:20:59 (2324 leituras)
Mário Lago

Gosto e preciso de ti,
Mas quero logo explicar:
Não gosto porque preciso.
Preciso sim, por gostar.


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Minha Mãe
em 08/05/2012 20:11:22 (3697 leituras)
Vinícius de Moraes

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Tenho medo da vida, minha mãe.
Canta a doce cantiga que cantavas
Quando eu corria doido ao teu regaço
Com medo dos fantasmas do telhado.
Nina o meu sono cheio de inquietude
Batendo de levinho no meu braço
Que estou com muito medo, minha mãe.
Repousa a luz amiga dos teus olhos
Nos meus olhos sem luz e sem repouso
Dize à dor que me espera eternamente
Para ir embora. Expulsa a angústia imensa
Do meu ser que não quer e que não pode
Dá-me um beijo na fonte dolorida
Que ela arde de febre, minha mãe.

Aninha-me em teu colo como outrora
Dize-me bem baixo assim: — Filho, não temas
Dorme em sossego, que tua mãe não dorme.
Dorme. Os que de há muito te esperavam
Cansados já se foram para longe.
Perto de ti está tua mãezinha
Teu irmão. que o estudo adormeceu
Tuas irmãs pisando de levinho
Para não despertar o sono teu.
Dorme, meu filho, dorme no meu peito
Sonha a felicidade. Velo eu

Minha mãe, minha mãe, eu tenho medo
Me apavora a renúncia. Dize que eu fique
Afugenta este espaço que me prende
Afugenta o infinito que me chama
Que eu estou com muito medo, minha mãe.





O poema acima foi extraído do livro "Vinicius de Moraes - Poesia completa e prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 186.


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Mãe...
em 04/05/2012 18:35:02 (2817 leituras)
Antero de Quental

Mãe — que adormente este viver dorido,
E me vele esta noite de tal frio,
E com as mãos piedosas ate o fio
Do meu pobre existir, meio partido...

Que me leve consigo, adormecido,
Ao passar pelo sítio mais sombrio...
Me banhe e lave a alma lá no rio
Da clara luz do seu olhar querido...

Eu dava o meu orgulho de homem — dava
Minha estéril ciência, sem receio,
E em débil criancinha me tornava.

Descuidada, feliz, dócil também,
Se eu podesse dormir sobre o teu seio,
Se tu fosses, querida, a minha mãe!



Antero de Quental, in "Sonetos"


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O Operário Em Construção
em 27/04/2012 11:44:58 (3389 leituras)
Vinícius de Moraes

E o Diabo, levando-o a um alto monte, mostrou-lhe num momento de tempo todos os reinos do mundo. E disse-lhe o Diabo:
- Dar-te-ei todo este poder e a sua glória, porque a mim me foi entregue e dou-o a quem quero; portanto, se tu me adorares, tudo será teu.
E Jesus, respondendo, disse-lhe:
- Vai-te, Satanás; porque está escrito: adorarás o Senhor teu Deus e só a Ele servirás.
Lucas, cap. V, vs. 5-8.

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.
Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.
Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:
Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião
Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?
Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer tijolo!
E assim o operário ia
Com suor e com cimento
Erguendo uma casa aqui
Adiante um apartamento
Além uma igreja, à frente
Um quartel e uma prisão:
Prisão de que sofreria
Não fosse, eventualmente
Um operário em construção.

Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão -
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco, enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, nação!
Tudo, tudo o que existia
Era ele quem o fazia
Ele, um humilde operário
Um operário que sabia
Exercer a profissão.

Ah, homens de pensamento
Não sabereis nunca o quanto
Aquele humilde operário
Soube naquele momento!
Naquela casa vazia
Que ele mesmo levantara
Um mundo novo nascia
De que sequer suspeitava.
O operário emocionado
Olhou sua própria mão
Sua rude mão de operário
De operário em construção
E olhando bem para ela
Teve um segundo a impressão
De que não havia no mundo
Coisa que fosse mais bela.

Foi dentro da compreensão
Desse instante solitário
Que, tal sua construção
Cresceu também o operário.
Cresceu em alto e profundo
Em largo e no coração
E como tudo que cresce
Ele não cresceu em vão
Pois além do que sabia
- Exercer a profissão -
O operário adquiriu
Uma nova dimensão:
A dimensão da poesia.

E um fato novo se viu
Que a todos admirava:
O que o operário dizia
Outro operário escutava.

E foi assim que o operário
Do edifício em construção
Que sempre dizia sim
Começou a dizer não.
E aprendeu a notar coisas
A que não dava atenção:

Notou que sua marmita
Era o prato do patrão
Que sua cerveja preta
Era o uísque do patrão
Que seu macacão de zuarte
Era o terno do patrão
Que o casebre onde morava
Era a mansão do patrão
Que seus dois pés andarilhos
Eram as rodas do patrão
Que a dureza do seu dia
Era a noite do patrão
Que sua imensa fadiga
Era amiga do patrão.

E o operário disse: Não!
E o operário fez-se forte
Na sua resolução.

Como era de se esperar
As bocas da delação
Começaram a dizer coisas
Aos ouvidos do patrão.
Mas o patrão não queria
Nenhuma preocupação
- "Convençam-no" do contrário -
Disse ele sobre o operário
E ao dizer isso sorria.

Dia seguinte, o operário
Ao sair da construção
Viu-se súbito cercado
Dos homens da delação
E sofreu, por destinado
Sua primeira agressão.
Teve seu rosto cuspido
Teve seu braço quebrado
Mas quando foi perguntado
O operário disse: Não!

Em vão sofrera o operário
Sua primeira agressão
Muitas outras se seguiram
Muitas outras seguirão.
Porém, por imprescindível
Ao edifício em construção
Seu trabalho prosseguia
E todo o seu sofrimento
Misturava-se ao cimento
Da construção que crescia.

Sentindo que a violência
Não dobraria o operário
Um dia tentou o patrão
Dobrá-lo de modo vário.
De sorte que o foi levando
Ao alto da construção
E num momento de tempo
Mostrou-lhe toda a região
E apontando-a ao operário
Fez-lhe esta declaração:
- Dar-te-ei todo esse poder
E a sua satisfação
Porque a mim me foi entregue
E dou-o a quem bem quiser.
Dou-te tempo de lazer
Dou-te tempo de mulher.
Portanto, tudo o que vês
Será teu se me adorares
E, ainda mais, se abandonares
O que te faz dizer não.

Disse, e fitou o operário
Que olhava e que refletia
Mas o que via o operário
O patrão nunca veria.
O operário via as casas
E dentro das estruturas
Via coisas, objetos
Produtos, manufaturas.
Via tudo o que fazia
O lucro do seu patrão
E em cada coisa que via
Misteriosamente havia
A marca de sua mão.
E o operário disse: Não!

- Loucura! - gritou o patrão
Não vês o que te dou eu?
- Mentira! - disse o operário
Não podes dar-me o que é meu.

E um grande silêncio fez-se
Dentro do seu coração
Um silêncio de martírios
Um silêncio de prisão.
Um silêncio povoado
De pedidos de perdão
Um silêncio apavorado
Com o medo em solidão.

Um silêncio de torturas
E gritos de maldição
Um silêncio de fraturas
A se arrastarem no chão.
E o operário ouviu a voz
De todos os seus irmãos
Os seus irmãos que morreram
Por outros que viverão.
Uma esperança sincera
Cresceu no seu coração
E dentro da tarde mansa
Agigantou-se a razão
De um homem pobre e esquecido
Razão porém que fizera
Em operário construído
O operário em construção.


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No Fundo Somos Bons Mas Abusam de Nós
em 23/04/2012 20:00:05 (2221 leituras)
Vergílio António Ferreira

O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome foi estragado, o seu fundo comum é bom. Mas é exactamente porque é bom, que abusam dele. Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é onde a bondade também mergulha. Só que precisa sempre de lhe dizerem onde aplicá-la. Nós somos por instinto, com intermitências de consciência, com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridículo, astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade, orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo de inferioridade. As nossas virtudes têm assim o seu lado negativo, ou seja, o seu vício. É o que normalmente se explora para o pitoresco, o ruralismo edificante, o sorriso superior. Toda a nossa literatura popular é disso que vive.
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade no limiar de uma «civilização planetária»? Que significa o regionalismo em face da rádio e da TV? O rasoiro que nivela a província é o que igualiza as nações. A anulação do indivíduo de facto é o nosso imediato horizonte. Estruturalismo, linguística, freudismo, comunismo, tecnocracia são faces da mesma realidade. Como no Egipto, na Grécia, na Idade Média, o indivíduo submerge-se no colectivo. A diferença é que esse colectivo é hoje o puro vazio.




Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'


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Só nos pertence o gesto que fizemos
em 18/04/2012 14:33:54 (2089 leituras)
Vergílio António Ferreira

Só nos pertence o gesto que fizemos
não o fazê-lo como, iludida,
a divindade que em nós já trouxemos
supõe errada (e não) por convencida.

Porque o traçado nosso em breve cessa,
para que outro o recomece e não progrida;
que um gesto em ser gesto real se meça,
não está em nós fazê-lo, mas na Vida.

Assim o nada a sagra quando finda
porque o que é, só é o não ainda.




Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 1'


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A Defesa da Liberdade Humana
em 17/04/2012 14:08:15 (2146 leituras)
Vergílio António Ferreira

O problema da liberdade foi o que sempre mais me preocupou. Tento pôr ordem nas minhas ideias, mas não é fácil. Fui da esquerda e mesmo da sua direita (porque a direita da esquerda é a mais esquerda, como a direita da direita, a mais direita). Fui-o porque ela era a favor da liberdade humana e se parecia que era contra a liberdade humana, era só por defender a liberdade humana. Hoje sou contra a defesa da liberdade humana, porque sou a favor da liberdade humana. Esquerdas e direitas dizem-me que se eu sou contra a defesa da liberdade humana, por ser a favor da liberdade humana, sou realmente contra a liberdade humana e estou por isso fazendo o jogo de uns ou de outros, consoante aqueles que me acusam.
Ah, por favor, não me peçam explicações - sou homem, não sou político. Defendo a liberdade porque sou pela liberdade e por isso não devo defender a liberdade, porque para defender a liberdade teria de atacar a liberdade, o que me obrigaria então a defendê-la por ser a favor dela - merda! Sou pela liberdade, sou contra a opressão, e isto é simples, é humano, é evidente - disse! E não me chateiem mais.



Vergílio Ferreira, in 'Estrela Polar'


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Questão de pontuação
em 15/04/2012 18:51:55 (5133 leituras)
João Cabral de Melo Neto

Todo mundo aceita que ao homem
cabe pontuar a própria vida:
que viva em ponto de exclamação
(dizem: tem alma dionisíaca);

viva em ponto de interrogação
(foi filosofia, ora é poesia);
viva equilibrando-se entre vírgulas
e sem pontuação (na política):

o homem só não aceita do homem
que use a só pontuação fatal:
que use, na frase que ele vive
o inevitável ponto final.




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A morte absoluta
em 09/04/2012 22:44:22 (3066 leituras)
Manuel Bandeira

Morrer.
Morrer de corpo e de alma.
Completamente.


Morrer sem deixar o triste despojo da carne,
A exangue máscara de cera,
Cercada de flores,
Que apodrecerão - felizes! - num dia,
Banhada de lágrimas
Nascidas menos da saudade do que do espanto da morte.


Morrer sem deixar porventura uma alma errante...
A caminho do céu?
Mas que céu pode satisfazer teu sonho de céu?


Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.


Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."


Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.


FONTE: JORNAL DE POESIA


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Vestígios
em 09/04/2012 22:32:11 (3182 leituras)
Al Berto


noutros tempos

quando acreditávamos na existência da lua

foi-nos possível escrever poemas e

envenenávamo-nos boca a boca com o vidro moído

pelas salivas proibidas - noutros tempos

os dias corriam com a água e limpavam

os líquenes das imundas máscaras



hoje

nenhuma palavra pode ser escrita

nenhuma sílaba permanece na aridez das pedras

ou se expande pelo corpo estendido

no quarto do zinabre e do álcool - pernoita-se



onde se pode - num vocabulário reduzido e

obsessivo - até que o relâmpago fulmine a língua

e nada mais se consiga ouvir



apesar de tudo

continuamos e repetir os gestos e a beber

a serenidade da seiva - vamos pela febre

dos cedros acima - até que tocamos o místico

arbusto estelar

e

o mistério da luz fustiga-nos os olhos

numa euforia torrencial




“Horto de Incêndio” Assirio & Alvim, 1997



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Nossa truculência
em 09/04/2012 22:22:37 (2895 leituras)
Clarice Lispector

Quando penso na alegria voraz
com que comemos galinha ao molho pardo,
dou-me conta de nossa truculência.
Eu, que seria incapaz de matar uma galinha,
tanto gosto delas vivas
mexendo o pescoço feio
e procurando minhocas.
Deveríamos não comê-las e ao seu sangue?
Nunca.
Nós somos canibais,
é preciso não esquecer.
E respeitar a violência que temos.
E, quem sabe, não comêssemos a galinha ao molho pardo,
comeríamos gente com seu sangue.

Minha falta de coragem de matar uma galinha
e no entanto comê-la morta
me confunde, espanta-me,
mas aceito.
A nossa vida é truculenta:
nasce-se com sangue
e com sangue corta-se a união
que é o cordão umbilical.
E quantos morrem com sangue.
É preciso acreditar no sangue
como parte de nossa vida.
A truculência.
É amor também.


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O quotidiano “não”
em 09/04/2012 21:51:28 (2444 leituras)
Alexandre O´Neill


Estamos todos bem servidos
de solidão.
De manhã a recolhemos
do saco, em lugar de pão.

Pão é claro que temos
(não sou exageradão)
mas esta imagem do saco
contendo um pequeno «não»

não figura nesta prosa
assim do pé para a mão,
pois o saco utilizado,
que pode ser o do pão,

recebe modestamente
a corriqueira fracção
desse alimento que é
tão distribuído, tão

a domicílio como
o leite ou o pão.
Mas esse leitor aí
(bem real!) já diz que não,

que nunca viu no tal saco
o tal «não».
Ao que o poeta responde,
sem maior desilusão:

- Para dizer a verdade,
eu também não...
Mas estava confiante
na sua imaginação
(ou na minha...) e que sentia
como eu a solidão
e quanto ela é objecto

da carinhosa atenção

de quem hoje nos fornece
o quotidiano «não»,
por todos os meios, desde
a fingida distracção,

até ao entre-parêntesis
de qualquer reclusão...




“Poesias Completas” Biblioteca de Autores Portugueses, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1983


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Decálogo do artista
em 07/04/2012 20:13:45 (1568 leituras)
Outros Autores



Gabriela Mistral

I. Amarás a beleza, que é a sombra de Deus sobre o Universo.
II. Não há arte atéia. Embora não ames ao Criador, o afirmarás criando a sua semelhança.
III. Não darás a beleza como isca para os sentidos, se não como o natural alimento da alma.
IV. Não te será pretexto para a luxúria nem para a vaidade, se não exercício divino.
V. Não a buscarás nas feiras nem levarás tua obra a elas, porque a Beleza é virgem, e a que está nas feiras não é Ela.
VI. Subirá de teu coração a teu canto e te haverá purificado a ti o primeiro.
VII. Tua beleza se chamará também misericórdia e consolará o coração dos homens.
VIII. Darás tua obra como se dá um filho: tirando sangue de teu coração.
IX. Não te será a beleza ópio adormecido, se não vinho generoso que te estimula para a ação, pois se deixas de ser homem ou mulher, deixarás de
ser artista.
X. De toda a criação sairás com vergonha, porque foi inferior a teu sonho e inferior a esse maravilhoso Deus que é Natureza.



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Vida e Obra
em 31/03/2012 13:48:12 (4694 leituras)
Millôr Fernandes

Millôr Fernandes

"Acreditar que não acreditamos
em nada é crer na crença do descrer".


"Millôr Fernandes nasceu. Todo o seu aprendizado, desde a mais remota infância. Só aos 13 anos de idade, partindo de onde estava. E também mais tarde, já homem formado. No jornalismo e nas artes gráficas, especialmente. Sempre, porém, recusou-se, ou como se diz por aí. Contudo, no campo teatral, tanto então quanto agora. Sem a menor sombra de dúvida. Em todos seus livros publicados vê-se a mesma tendência. Nunca, porém diante de reprimidos. De 78 a 89, janeiro a fevereiro. De frente ou de perfil, como percebeu assim que terminou seu curso secundário. Quando o conheceu em Lisboa, o ditador Salazar, o que não significa absolutamente nada. Um dia, depois de um longo programa de televisão, foi exatamente o contrário. Amigos e mesmo pessoas remotamente interessadas - sem temor nenhum. Onde e como, mas talvez, talvez — Millôr, porém, nunca. Isso para não falar em termos públicos. Mas, ao ser premiado, disse logo bem alto - e realmente não falou em vão. Entre todos os tradutores brasileiros. Como ninguém ignora. De resto, sempre, até o Dia a Dia”.

("Currículo" publicado por Millôr quando de sua estréia no jornal "O Dia", Rio (RJ).


Considerado "um dos poucos escritores universais que possuímos", na opinião do crítico Fausto Cunha, filho de Francisco Fernandes e de Maria Viola Fernandes, Millôr Fernandes nasceu no dia 16 de agosto de 1923 no Méier, subúrbio do Rio de Janeiro, com o nome de Milton Viola Fernandes. Só seria registrado no ano seguinte, tendo como data oficial de nascimento o dia 27 de maio de 1924. Sua certidão de nascimento, grafada à mão, fazia crer que seu nome era Millôr e não Milton. Seu pai, engenheiro emigrante da Espanha, morre em 1925, com apenas 36 anos. A família começa a passar por dificuldades e sua mãe passa horas em frente a uma máquina de costura para poder sustentar os 4 filhos. Apesar do aperto, o autor teve uma infância feliz, ao lado de 10 tios, 42 primos e primas e da avó italiana D. Concetta de Napole Viola.

Estuda na Escola Ennes de Souza, de 1931 a 1935, por ele chamada de Universidade do Meyer, mas que na verdade era uma escola pública. Diz dever tudo o que sabe a sua professora, Isabel Mendes, depois diretora e hoje nome da escola. Se emociona ao falar sobre ela "...uma mulatinha magra e devotada, que me ensinou tudo que se deve aprender de um professor ou de uma escola: a gostar de estudar. Depois disso, pode-se ser autodidata. Escola, a não ser para campos técnicos/experimentais, é praticamente inútil".

A chegada ao Brasil das histórias em quadrinhos, em 1934, faz de Millôr um leitor assíduo dessas publicações, em especial de Flash Gordon, de autoria de Alex Raymond, e, com isso, dar vazão à sua criatividade. Sob a influência de seu tio Antônio Viola, tem seu primeiro trabalho publicado em um órgão da imprensa — "O Jornal", do Rio de Janeiro, tendo recebido o pagamento de 10 mil reis por ele. Era o início do profissionalismo, adotado e defendido para sempre.




Em 1935, também com 36 anos, falece sua mãe, o que faz com que os irmãos Fernandes passem a levar uma vida dificílima. Essa coincidência de datas leva Millôr a escrever um conto, "Agonia", publicado na revista "Cigarra" em janeiro de 1947, onde afirmava: "Tenho dia e hora marcada para me ir e o acontecimento se dará por volta de 1959". A morte da mãe o leva a morar em Terra Nova, subúrbio próximo ao Méier, com o tio materno Francisco, sua mulher Maria e quatro filhos.

Trabalha, em 1938, com o Dr. Luiz Gonzaga da Cruz Magalhães Pinto, entregando o remédio para os rins "Urokava" em farmácias e drogarias. Durou pouco esse emprego. Logo vai ser contínuo, repaginador, factótum, na pequena revista "O Cruzeiro", que nessa época tinha, além de Millôr, mais dois funcionários: um diretor e um paginador. A revista, anos depois, chegou a vender mais de 750.000 exemplares. Com o pseudônimo "Notlim" ganha um concurso de crônicas promovido pela revista "A Cigarra". Com isso, é promovido e passa a trabalhar no arquivo.

O cancelamento de publicidade em quatro páginas de "A Cigarra" fez com que fosse chamado por Frederico Chateaubriand para preencher as páginas que ficaram em branco. Cria, então, o "Poste Escrito", onde assinava-se Vão Gôgo. O sucesso da seção faz com que ela passe a ser fixa. Com o mesmo pseudônimo, começa a escrever uma coluna no "Diário da Noite". Assume a direção de "A Cigarra", cargo que ocuparia por três anos. Dirigiu também "O Guri", revista em quadrinhos e "Detetive", que publicava contos policiais.

Ciente da necessidade de se aprimorar, estuda no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro de 1938 a 1943.

Em 1940, muda-se para o bairro da Lapa, centro da cidade, e passa a morar próximo a Alceu Pena, seu colega em "O Cruzeiro". Colabora na seção "As garotas do Alceu" como colorista e versejador.

Autodidata, faz sua primeira tradução literária: "Dragon seed", romance da americana Pearl S. Buck, com o título "A estirpe do dragão", em 1942.

No ano seguinte retorna, com Frederico Chateaubriand e Péricles, à revista "O Cruzeiro". Em dez anos, a tiragem foi um grande êxito editorial, passando de 11 mil para mais de 750 mil exemplares semanais.

Em 1945, inicia a publicação de seus trabalhos na revista "O Cruzeiro", na seção "O Pif-Paf", sob o pseudônimo de Vão Gôgo e com desenhos de Péricles.

No ano seguinte lança "Eva sem costela — Um livro em defesa do homem", sob o pseudônimo de Adão Júnior.

Sua colaboração para "O Cruzeiro", em 1947, atinge a marca de dez seções por semana.

Em 1948 viaja aos Estados Unidos, onde encontra-se com Walt Disney, Vinicius de Moraes, o cientista César Lates e a estrela Carmen Miranda. Casa-se com Wanda Rubino.

Publica "Tempo e Contratempo", com o pseudônimo de Emmanuel Vão Gôgo, em 1949. Assina seu primeiro roteiro cinematográfico, "Modelo 19". O filme, lançado com o título "O amanhã será melhor", ganha cinco prêmios Governador do Estado de São Paulo. Millôr é agraciado com o de melhores diálogos.

Em 1951, na companhia de Fernando Sabino, viaja de carro pelo Brasil, durante 45 dias. Lança a revista semanal "Voga", que teve apenas cinco números.

Viaja pela Europa por quatro meses, em 1952.

"Uma mulher em três atos", sua primeira peça, estréia no Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo (SP), em 1953.

No ano seguinte, compra o imóvel que se tornaria famoso — "a cobertura do Millôr", no bairro de Ipanema, onde o escritor até hoje vive. Nasce seu filho Ivan.

Em 1955, divide com o desenhista norte-americano Saul Steinberg o primeiro lugar da Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires, Argentina. Escreve “Do tamanho de um defunto”, que estreou no Teatro de Bolso (Rio) e, depois, adaptado pelo próprio autor para o cinema, tendo o filme o título de “Ladrão em noite de chuva”. Nesse ano escreve “Bonito como um deus”, que estréia no Teatro Maria Della Costa, em São Paulo (SP), e ainda “Um elefante no caos” e “Pigmaleoa”.

Em 1956, Millôr passa a ilustrar todos os seus textos publicados na revista "O Cruzeiro".

No ano de 1957, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro recebe exposição individual do biografado. Realiza a cenografia de “As guerras do alecrim e da manjerona”. Esse trabalho foi premiado pelo Serviço Nacional de Teatro no ano de 1958.

Nesse ano, conclui a primeira tradução teatral: “Good people”, então intitulada “A fábula de Brooklin — Gente como nós”. Fez parte do grupo que "implantou" o frescobol no posto 9, Ipanema, Rio de Janeiro.

Escreve o roteiro de “Marafa”, a partir do romance homônimo de Marques Rebello. Em 1959. No mesmo ano, apresenta na TV Itacolomi, de Belo Horizonte, a convite de Frederico Chateaubriand, uma série de programas intitulada “Universidade do Méier”, na qual desenhava enquanto fazia comentários. Posteriormente, o programa foi transferido para a TV Tupi do Rio de Janeiro, com o título de “Treze lições de um ignorante” e suspenso por ordem do governo Juscelino Kubitschek após uma crítica à primeira dama do país: Disse Millôr: "Dona Sarah Kubitschek chegou ontem ao Brasil depois de 5 meses de viagem à Europa e foi condecorada com a Ordem do Mérito do Trabalho." Nasce sua filha, Paula.

Nos anos seguintes, já integrado à intelectualidade carioca, convive com Péricles, criador de "O Amigo da Onça", Nelson Rodrigues, David Nasser, Jean Manson, Alfredo Machado, Fernando Chateaubriand, Emil Farhat e Accioly Netto, entre outros.

Em 1960, depois de resolvidos os problemas com a censura, estréia no Teatro da Praça, no Rio, ”Um elefante no caos”. O título original da peça era “Um elefante no caos ou Jornal do Brasil ou, sobretudo, Por que me ufano do meu país” rendeu a Millôr o prêmio de “Melhor Autor” da Comissão Municipal de Teatro. O filme “Amor para três”, com roteiro do biografado, baseado em “Divórcio para três”, de Victorien Sardou, é dirigido por Carlos Hugo Christensen. Millôr colaboraria com esse diretor em mais três filmes: “Esse Rio que eu amo”, 1962, Crônica da cidade amada”, 1965, e O menino e o vento, 1967.

Expõe, em 1961, desenhos na Petit Galerie, no Rio. Viaja ao Egito e retorna antes do previsto, tendo em vista a renúncia do presidente Jânio Quadros. Trabalha por 7 dias no jornal "Tribuna da Imprensa", Rio, que mais tarde pertenceu a seu irmão Hélio Fernandes. Foi demitido por ter escrito um artigo sobre a corrupção na imprensa. Os editores, o poeta Mário Faustino e o jornalista Paulo Francis pediram também demissão em solidariedade.

No ano seguinte, na edição de 10 de março de “O Cruzeiro”, “demite” Vão Gôgo e passa a assinar Millôr. A Amstutz & Herder Graphic Press, importante publicação de Zurique, dedica uma página de seu anuário ao autor. “Pigmaleoa” é apresentada, sob a direção de Adolfo Celi, no Teatro Rio.

Em 1963, escreve a peça teatral “Flávia, cabeça, tronco e membros”. Viaja a Portugal e, durante sua ausência, a revista “O Cruzeiro” publica editorial no qual se isenta de responsabilidade pela publicação de “História do Paraíso”, que obteve repercussão negativa por parte dos leitores católicos da revista. Millôr deixa a revista e começa a trabalhar no jornal “Correio da Manhã”, lá ficando até o ano seguinte.

A partir de 1964, e até 1974, colabora semanalmente no jornal Diário Popular, de Portugal. A página mereceria o seguinte comentário de um ministro de Salazar: "Este tem piada, pena que escreva tão mal o português". Lança a revista “Pif-Paf”, considerada o início da imprensa alternativa no Brasil. Foi fechada em seu oitavo número, por problemas financeiros.

Volta à TV, em 1965, como apresentador na TV Record, ao lado de Luis Jatobá e Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta), do “Jornal de Vanguarda”. “Liberdade liberdade” estréia no Teatro Opinião, no Rio, musical escrito em parceria com Flávio Rangel.

Composta pelo biografado, a canção “O homem” é defendida no II Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Record, por Nara Leão, em 1966. Monta, ao ar livre, no Largo do Boticário, Rio, só com atores negros, sua adaptação de “Memórias de um sargento de milícias”.

Em 1968 atua, ao lado de Elizeth Cardoso e do Zimbo Trio, em “Do fundo do azul do mundo”, espetáculo musical de sua autoria. Passa a colaborar com a revista “Veja”.

Na sua estréia, apresentou-se com o texto que abaixo reproduzimos parcialmente:

SUPERMERCADO MILLÔR
ANO I - N.º 1

(Autobiografia De Mim Mesmo À Maneira De Mim Próprio)

"E lá vou eu de novo, sem freio nem pára-quedas. Saiam da frente, ou debaixo que, se não estou radioativo, muito menos estou radiopassivo. Quando me sentei para escrever vinha tão cheio de idéias que só me saíam gêmeas, as palavras — reco-reco, tatibitate, ronronar, coré-coré, tom-tom, rema-rema, tintim-por-tintim. Fui obrigado a tomar uma pílula anticoncepcional. Agora estou bem, já não dói nada. Quem é que sou eu? Ah, que posso dizer? Como me espanta! Já não fazem Millôres como antigamente! Nasci pequeno e cresci aos poucos. Primeiro me fizeram os meios e, depois, as pontas. Só muito tarde cheguei aos extremos. Cabeça, tronco e membros, eis tudo. E não me revolto. Fiz três revoluções, todas perdidas. A primeira contra Deus, e ele me venceu com um sórdido milagre. A segunda com o destino, e ele me bateu, deixando-me só com seu pior enredo. A terceira contra mim mesmo, e a mim me consumi, e vim parar aqui.”

”... Dou um boi pra não entrar numa briga. Dou uma boiada pra sair dela....Aos quinze (anos) já era famoso em várias partes do mundo, todas elas no Brasil. Venho, em linha reta, de espanhóis e italianos. Dos espanhóis herdei a natural tentação do bravado, que já me levou a procurar colorir a vida com outras cores: céu feito de conhas de metal roxo e abóbora, mar todo vermelho, e mulheres azuis, verdes ciclames. Dos italianos que, tradicionalmente, dão para engraxates ou artistas, eu consegui conciliar as duas qualidades, emprestando um brilho novo ao humor nativo. Posso dizer que todo o País já riu de mim, embora poucos tenham rido do que é meu.”

”Sou um crente, pois creio firmemente na descrença. ...Creio que a terra é chata. Procuro não sê-lo. ...Tudo o que não sei sempre ignorei sozinho. Nunca ninguém me ensinou a pensar, a escrever ou a desenhar, coisa que se percebe facilmente, examinando qualquer dos meus trabalhos.”

”A esta altura da vida, além de descendente e vivo, sou, também, antepassado. É bem verdade que, como Adão e Eva, depois de comerem a maçã, não registraram a idéia, daí em diante qualquer imbecil se achou no direito de fazer o mesmo. Só posso dizer, em abono meu, que ao repetir o Senhor, eu me empreguei a fundo. Em suma: um humorista nato. Muita gente, eu sei, preferiria que eu fosse um humorista morto, mas isso virá a seu tempo. Eles não perdem por esperar.”·

Ainda em 1968 escreve o texto do show “Momento 68”, promovido pela empresa Rhodia, que contou com a participação de Caetano Veloso, Walmor Chagas e Lennie Dale, entre outros.

No ano seguinte, participa do grupo fundador de “O Pasquim”.

Fernanda Montenegro estrela “Computa, computador, computa”, no Teatro Santa Rosa, no Rio, em 1972. Lança o livro “Esta é a verdadeira história do Paraíso” e também “Trinta anos de mim mesmo”, numa sessão de autógrafos denominada “Noite da contra-incultura”.

Em 1975, faz exposição de 25 quadros “em branco, mas com significado”, na Galeria Grafitti, no Rio.

No ano seguinte, escreve para Fernanda Montenegro a peça “É...”, que se tornou o grande sucesso teatral de Millôr ao ser encenada no Teatro Maison de France, no Rio.

Em 1977, realiza nova exposição de seus trabalhos no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

Adapta, no ano seguinte, para o formato de musical a peça “Deus lhe pague”, de Joracy Camargo, que contou com Bibi Ferreira na direção e com músicas de Edu Lobo e Vinicius de Moraes. É homenageado pelo 5º Salão de Humor de Piracicaba (SP), mas “exige” que a honraria seja “para todos os humoristas na pessoa de Millôr Fernandes”. Em Brasília, para o Museu da Moeda, localizado no Banco Central do Brasil, produz quatro painéis que contam a
história do dinheiro.

Estréia no Teatro dos Quatro, Rio, a peça “Os órfãos de Jânio”, em 1980.

Publica “Desenhos”, uma compilação de seus trabalhos gráficos, com textos de apresentação de Pietro Maria Bardi e Antônio Houaiss, em 1981.

O ano de 1982 é de muito trabalho. O autor escreve e publica a peça “Duas tábuas e uma paixão”. Traduz a opereta “A viúva alegre”, de Franz Lear, apresentada no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Tetê Medina monta “A eterna luta entre o homem e a mulher”, no Teatro Clara Nunes – Rio. Escreve a adaptação de “A chorus line”, encenado por Walter Clark. Estréia “Vidigal: Memórias de um sargento de milícias”. São dele, nessa peça, os cenários, figurinos e letras, musicadas por Carlos Lyra. Com Flávio Rangel, escreve e representa o espetáculo “O gesto, a festa, a mensagem”, na TV Record de São Paulo. Deixa a revista “Veja”.

Em 1983, é homenageado pela Escola de Samba Acadêmicos do Sossego, de Niterói (RJ). Millôr não comparece ao desfile. Passa a colaborar com a revista “Istoé”.

Lança “Poemas”, em 1984. Estréia o musical “O MPB4 e o dr. Çobral vão em busca do mal”.

No ano seguinte, colabora com o Jornal do Brasil. Lança o “Diário da Nova República”. É montada a peça “Flávia, cabeça, tronco e membros” no Teatro Ginástico – Rio.

Passa a usar o computador para escrever e desenhar, em 1986. Escreve, com Geraldo Carneiro e Gilvan Pereira, o roteiro do filme “O judeu”, dirigido por Jom Tob Azulay, baseado na vida de António José da Silva. Rodado em Portugal, só seria concluído em 1995.

”L’anné 82 au Brésil: le regard critique de Millôr Fernandes” (O ano de 82 no Brasil: o olhar crítico de Millôr Fernandes), é o tema de tese de doutoramento de Françoise Duprat na Universidade de Toulouse-Le Mirail II, França, em 1987.

No ano seguinte, lança “The cow went to the swamp / A vaca foi para o brejo”. Na Universidade de São Paulo (USP), Branca Granatic defende, na dissertação de mestrado, “Os recursos humorísticos de Millôr Fernandes”.

Em 1990, nasce seu neto, Gabriel, filho de Ivan.

Deixa a revista “Istoé” e o Jornal do Brasil, em 1992.

No ano de 1994, lança “Millôr definitivo — A bíblia do caos”.

Escreve a peça “Kaos”, Adapta para a Rede Globo “Memórias de um sargento de milícias”. A partir de um argumento de Walter Salles, escreve o roteiro “Últimos diálogos”, em 1995.

Em 1996, passa a colaborar nos jornais “O Dia” (RJ), “O Estado de São Paulo” (SP) e “Correio Braziliense” (DF). Neste último, trabalharia somente até o fim do ano.

Em 1998, em parceria com Geraldo Carneiro e Jom Tob Azulay, assina o roteiro de “Mátria”.

No ano seguinte, começa a adaptar “Os três mosqueteiros”, de Dumas, para o formato de musical, trabalho que não chegou a ser concluído.

Em 2000, escreve o roteiro de “Brasil! Outros 500 — Uma PoopÓpera”, que teve sua estréia no Teatro Municipal de São Paulo. O espetáculo contava com músicas de Toquinho e Paulo César Pinheiro e arranjos de Wagner Tiso. Deixa de colaborar com “O Estado de São Paulo” e “O Dia”. Passa a colaborar com coluna semanal na “Folha de São Paulo”. Lança o site “Millôr On Line” (http://www.millor.com.br) .

No ano seguinte, deixa a “Folha de São Paulo” e volta ao “Jornal do Brasil”.

Em 2002, publica “Crítica da razão impura ou O primado da ignorância”, em que analisa as obras “Brejal dos Guajas e outras histórias”, de José Sarney, e “Dependência e desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso. Deixa de colaborar, em novembro, com o “Jornal do Brasil”.

Em 2003, ilustra “O menino”, volume de contos de João Uchoa Cavalcanti Netto, e faz cem desenhos para uma nova compilação das “Fábulas fabulosas”.

Em 2004, lança pela Editora Record, “Apresentações”.

Em meados de agosto de 2004 é anunciado seu retorno às folhas da revista semanal “Veja”, a partir de setembro daquele ano.

Tempos atrás um jornal publicou que Millôr estava todo cheio de si por ter recebido, em sua casa, uma carta de um leitor com o seguinte endereçamento:

"Millôr
Ipanema"

É a glória!

Mestre Millôr Fernandes, 88 anos, deixou a Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, onde havia sido internado no início de fevereiro, devido a um AVC. Se recupera em sua casa.


Textos extraídos de livros do autor, da Internet, do CD "Em busca da Imperfeição", de 1999, produzido pela Neder & Associados e dos “Cadernos de Literatura Brasileira – Instituto Moreira Salles.

Esse gênio brasileiro faleceu no dia 27/03/2012 na cidade do Rio de Janeiro.

LIVROS DO AUTOR:

Prosa:

- "Eva sem costela – Um livro em defesa do homem" (sob o pseudônimo de Adão Júnior) - 1946 - Editora O Cruzeiro.

- "Tempo e contratempo" (sob o pseudônimo de Emmanuel Vão Gogô) - 1949 - Editora O Cruzeiro.

- "Lições de um ignorante" - 1963 - J. Álvaro Editor

- "Fábulas Fabulosas" - 1964 - J. Álvaro Editor. Edição revista e ilustrada – 1973 - Nórdica

- "Esta é a verdadeira história do Paraíso" - 1972 - Livraria Francisco Alves

- "Trinta anos de mim mesmo" - 1972 - Nórdica

- "Livro vermelho dos pensamentos de Millôr" - 1973 – Nórdica. Edição revista e ampliada: Senac – 2.000.

- "Compozissõis imfãtis" - 1975 - Nórdica

- "Livro branco do humor" - 1975 – Nórdica

- "Devora-me ou te decifro" – 1976 – L&PM

- "Millôr no Pasquim" - 1977 – Nórdica

- "Reflexões sem dor" - 1977 - Edibolso.

- "Novas fábulas fabulosas" - 1978 – Nórdica

- "Que país é este?" - 1978 – Nórdica

- "Millôr Fernandes – Literatura comentada". Organização de Maria Célia Paulillo – 1980 Abril Educação

- "Todo homem é minha caça" - 1981 - Nórdica

- "Diário da Nova República" - 1985 – L&PM

- "Eros uma vez" – 1987 – Nórdica – Ilustrações de Nani

- "Diário da Nova República,v. 2" - 1988 – L&PM

- "Diário da Nova República, v. 3" – 1988 – L&PM

- "The cow went to the swamp ou A vaca foi pro brejo" – 1988 - Record

- "Humor nos tempos do Collor" (com L. F. Veríssimo e Jô Soares) – 1992 – L&PM

- "Millôr definitivo - A bíblia do caos" - 1994 – L&PM

- "Amostra bem-humorada" – 1997 – Ediouro – Seleção de textos de Maura Sardinha

- "Tempo e contratempo (2ª edição) – Millôr revisita Vão Gogô" - 1998 - Beca.

- "Crítica da razão impura ou O primado da ignorância – Sobre Brejal dos Guajas, de José Sarney, e Dependência e Desenvolvimento na América Latina, de Fernando Henrique Cardoso" – 2002 – L&PM

- "100 Fábulas Fabulosas" – 2003 – Record

- "Apresentações" – 2004 – Record.

- "Abecedário do Millôr para crianças" - 2004 - Nova Fronteira, com Guto Lins e Susan Johnson

- "Pif Paf 40 anos depois" - 2005 - Argumento, com Ziraldo, Claudius e outros

Poesia:

- "Papaverum Millôr" – 1967 – Prelo. Edição revista e ilustrada: 1974 – Nórdica

- "Hai-kais" – 1968 – Senzala

- "Poemas" – 1984 – L&PM


Artes visuais:

- "Desenhos" – 1981 – Raízes Artes Gráficas. Prefácio de Pietro Maria Bardi e apresentação de Antônio Houaiss.


PEÇAS DE TEATRO:

Publicadas em livros:

- "Teatro de Millôr Fernandes (inclui Uma mulher em três atos [1953], Do tamanho de um defunto [1955], Bonito como um deus [1955] e A gaivota [1959])" – 1957 –Civilização Brasileira

- "Um elefante no caos ou Jornal do Brasil ou, sobretudo, Por que me ufano do meu país" – 1962 – Editora do Autor

- "Pigmaleoa" – 1965 – Brasiliense

- "Computa, computador, computa" – 1972 – Nórdica

- "É..." – 1977 – L&PM

- "A história é uma istória" – 1978 – L&PM

- "O homem do princípio ao fim" – 1982 – L&PM

- "Os órfãos de Jânio" – 1979 – L&PM

- "Duas tábuas e uma paixão" – 1982 – L&PM (nunca encenada)

Não editadas:

- "Diálogo da mais perfeita compreensão conjugal" - 1955

- "Pif, tac, zig, pong"– 1962

- "A viúva imortal" – 1967

- "A eterna luta entre o homem e a mulher" – 1982

- "Kaos" – 1995 (leitura pública em 2001 – nunca encenada)


ESPETÁCULOS MUSICAIS:

- "Pif-Paf – Edição extra!" – 1952 (com músicas de Ary Barroso)

- "Esse mundo é meu" – 1965 (em parceria com Sérgio Ricardo)

- "Liberdade liberdade" – 1965 (em parceria com Flávio Rangel)

- "Memórias de um sargento de milícias" - 1966 (com músicas de Marco Antonio e Nelson Lins e Barros)

- Momento 68 – 1968

- Mulher, esse super-homem – 1969

- Bons tempos, hein?! – 1979 (publicada pela L&PM - 1979 - Porto Alegre)

- Vidigal: Memórias de um sargento de milícias – 1982 (com músicas de Carlos Lyra)

- De repente – 1984

- O MPB-4 e o Dr. Çobral vão em busca do mal – 1984

- Brasil! Outros 500 – Uma PopÓpera (com músicas de Toquinho e Paulo César Pinheiro)


TRADUÇÕES:

Romances:

- A estirpe do dragão (Dragon seed), de Pearl S. Buck - 1942 - José Olympio Editora - Rio de Janeiro.

- Nunca saí de casa (I never left home), de Bob Hope - 1945 - O Cruzeiro - Rio de Janeiro.

Textos teatrais:

1958 – "A fábula de Brooklin – Gente como nós", de Irwin Shaw.

1960 - "O prodígio do mundo Ocidental", de John M. Synge.

1961 - "Megera domada", de W. Shakespeare.

1961 – "O velho ciumento", de Miguel de Cervantes.

1963 – "Mary, Mary", de Jean Kerr.

1963 – "Pigmaleão", de G. Bernard Shaw.

1963 – "As preciosas ridículas", de Molière.

1965 - "Pequenos assassinatos", de Jules Feiffer.

1965 – "A mulher de todos nós", de Henri Becque.

1965 - "Escola de mulheres", de Molière.

1967 - "Lisistrata", de Aristófanes.

1967 – "Negra meobem", de François Campaux.

1967 – "O assassinato da irmã Geórgia", de Frank Marcus.

1967 - "Marat Sade", de Peter Weiss.

1967 - "A volta ao lar", de Harold Pinter.

1967 - "Blecaute", de Frederic Knott.

1968 - "A cozinha", de Arnold Wesker.

1970 – "Rapazes da banda", de Mart Crowley.

1971 - "As eruditas", de Molière.

1972 - "Antigamente", de Harold Pinter.

1974 - "Antígona", de Sófocles.

1975 - "Os filhos de Kennedy", de Robert Patrick.

1976 - "Senhor Puntila e seu criado Matti", de Bertold Brechet.

1976 – "Vivaldino, servidor de dois amos", de Carlo Goldoni.

1977 - "A calça", de Carl Sternheim.

1978 - "Quem tem medo de Virginia Wolf?", de Edward Albee.

1979 - "Afinal, uma mulher de negócios – Liberdade em Bremen", de R. W. Fassbinder.

1979 - "Palhaços de ouro", de Neil Simon.

1980 – "O rei Lear", de W. Shakespeare.

1980 - "De quem é a vida, afinal?", de Brian Clark.

1980 - "Gata em telhado de zinco quente", de Tennessee Williams.

1980 - "A carta", de Somerset Maugham.

1980 - "Ó, Calcutá!", de Kenneth Tynan.

1981 - "As lágrimas amargas de Petra von Kant", de R. W. Fassbinder.

1981 – Bunny’s Bar, de Josiane Balasko.

1981 - "As alegres matronas de Windsor", de W. Shakespeare.

1981 - "A senhorita de Tacna", de Mario Vargas Llosa.

1982 - "Chorus line", de de Michael Bennet.

1982 – "Casamento branco", de Tadeusz Rozewicz.

1982 – "Hedda Gabler", de Henrik Ibsen.

1982 - "A viúva alegre", de Franz Lehar.

1983 - "A falecida senhora sua mãe", de George Feydeau.

1983 - "Piaf", de Pam Gems.

1983 - "O jardim das cerejeiras", de Anton Tchekov.

1983 - "Boa noite, mãe", de Marsha Norman.

1984 - "Grande e pequeno", de Botho Strauss.

1984 - "Pô, Romeu!", de Efraim Kishon.

1984 - "Hamlet", de W. Shakespeare.

1984 - "Tio Vânia", de Anton Tchekov.

1984 – "Dédalo e Ícaro", de Dario Fo.

1984 – "O sacrifício de Isaac", de Dário Fo.

1984 – "A tigresa", de Dário Fó.

1984 – "Gilda, um projeto de vida", de Noel Coward.

1984 - "Madame Vidal", de Georges Feydeau.

1985 - "Fedra", de Jean Racine.

1985 - "O feitichista", de Michel Tournier.

1985 - "Imaculada", de Franco Scaglia.

1985 - "Sábado, domingo e segunda", de Edoardo de Filippo.

1985 - "Assim é, se lhe parece", de Luigi Pirandello.

1986 - "Quarteto", de Heiner Müller.

1986 – "Quatro vezes Beckett", de Samuel Beckett.

1986 – "Ensina-me a viver", de Collin Higgins.

1987 - "O preço", de Arthur Miller.

1987 - "Filumena Marturano", de Edoardo de Filippo.

1987 - "Vestir os nus", de Pirandello.

1988 - "Encontrarse", de Pirandello.

1987 – "La mamma ou O belo Antônio", de Vitaliano Francatti.

1994 - "Don Juan, o convidado de pedra", de Molière.

1996 - "Anna Magnani", de Armand Meffre.

1996 – "Paloma", de Jean Anouilh.

1996 – "Master class", de Terence McNally.

1999 - "Últimas luas", de Furio Bordon.

2001 – "Fim de jogo", de S. Beckett.

Traduções para o teatro publicadas:

- "A megera domada", de W.Shakespeare - 1965 - Letras e Artes

- "Sr. Puntila e seu criado Matti", de B.Brecht - 1966 - Civilização.Brasileira

- "O prodígio do mundo ocidental", de John M. Synge - 1968 – Braziliense

- "Escola de mulheres", de Molière - 1973 – Nórdica

- "Os filhos de Kennedy", de R. Patrick - 1975 – Nórdica

- "A volta ao lar", de Harold Pinter – 1976 – Abril Cultural

- "Lisistrata", de Aristófanes – 1977 – Abril Cultural

- "O rei Lear", de W. Shakespeare – 1981 – L&PM

- "A senhorita de Tacha", de Mário Vargas Llosa – 1981 – Francisco Alves

- "Afinal, uma mulher de negócios – Liberdade em Bremen", de R. W. Fassbinder – 1983 – L&PM

- "As lágrimas amargas de Petra von Kant", de R. W. Fassbinder – 1983 – L&PM

- "Hamlet", de W. Shakespeare – 1984 – L&PM

- "Fedra", de J. Racine – 1985 – L&PM

- "Don Juan, o convidado de pedra", de Molière – 1994 – L&PM

- "As alegres matronas de Windsor", de W. Shakespeare – 1995 – L&PM

- "Antígona", de Sófocles – 1996 – Paz e Terra

- "As eruditas", de Molière – 2003 – L&PM.


FÁBULA:

- "A ovelha negra e outras fábulas", de Augusto Monterroso – 1983 – Record, ilustrações de Jaguar.


HUMOR:

- "A completa lei de Murphy", de Arthur Bloch – 1996 – Record – ilustrações de Jaguar.


EXPOSIÇÕES:

1957 - Exposição no Museu de Arte Moderna - Rio.

1961 - Exposição na Petite Galerie - Rio.

1975 - Exposição de desenhos na Galeria Grafitti - Rio.

1977 - Exposição "Visão da Terra" no Museu de Arte Moderna - Rio.


MULTIMÍDIA:

2000 - "Em Busca da Imperfeição" - CD-Rom - Neder & Associados / Oficina / Universo Online (UOL).


ROTEIROS PARA O CINEMA:

Individuais:

1952 – "Modelo 19". Lançado como “O amanhã será melhor”, também conhecido como “Uma ponte de esperança”. Direção de Armando Couto.

1960 – "Amor para três". Direção de Carlos Augusto Christensen.

1960 – "Ladrão em noite de chuva". Direção de Armando Couto.

1962 – "Esse Rio que eu amo". Direção de Carlos Augusto Christensen.

1965 – "Crônica da cidade amada". Direção de Carlos Augusto Christensen.

1967 – "O menino e o vento". Direção de Carlos Augusto Christensen.

1995 – "Últimos diálogos". Ainda não filmado (2004).

Em parceria:

1995 - "O judeu". Com Geraldo Carneiro e Gilvan Pereira. Direção de Jom Tob Azulay.

1998 - "Matria”. Com Geraldo Carneiro e Jom Tob Azulay (Ainda não filmado – 2004).

Colaboração:

1995 – "Terra estrangeira". Direção de Walter Salles e Daniela Thomas (diálogos adicionais).


ADAPTAÇÃO PARA A TELEVISÃO:

- "Memórias de um sargento de milícias". Baseado no musical “Vidigal”. Direção de Mauro Mendonça Filho, Rede Globo de Televisão – 1995.


INTERNET:

2000 – Millôr Online (http://www.millor.com.br).


ILUSTRAÇÕES:

- "Maurício, o leão de menino", de Flávia Mari. São Paulo - 1981 – Summus.

- "Sapomorfose ou O príncipe que coaxava", de Cora Rónai. Rio de Janeiro – 1983 – Salamandra.

- "O caderno rosa de Lori Lamby", de Hilda Hilst. São Paulo – 1990 – Massao Ohno.

- "Retrato do artista quando coisa", de Manuel de Barros. Rio de Janeiro - 1998 - Editora Record

- "O menino", de João Uchoa Cavalcanti Netto. Rio de Janeiro – 2003 – Editora Rio.


COMPOSIÇÃO MUSICAL:

1966 – "O homem". Apresentada por Nara Leão no II Festival de Música Brasileira, da TV Record de São Paulo.


Textos extraídos de livros do autor, da Internet , do CD "Em busca da Imperfeição", de 1999, produzido pela Neder & Associados e dos “Cadernos de Literatura Brasileira – Instituto Moreira Salles.

Fonte: http://www.releituras.com/


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Mudança
em 03/03/2012 14:45:43 (5810 leituras)
Clarice Lispector

Sente-se em outra cadeira, no outro lado da mesa. Mais tarde, mude de mesa.
Quando sair, procure andar pelo outro lado da rua. Depois, mude de caminho, ande por outras ruas, calmamente, observando com atenção os lugares por onde você passa.
Tome outros ônibus.
Mude por uns tempos o estilo das roupas. Dê os seus sapatos velhos. Procure andar descalço alguns dias. Tire uma tarde inteira para passear livremente na praia, ou no parque, e ouvir o canto dos passarinhos.
Veja o mundo de outras perspectivas.
Abra e feche as gavetas e portas com a mão esquerda. Durma no outro lado da cama... Depois, procure dormir em outras camas. Assista a outros programas de tv, compre outros jornais... leia outros livros.
Viva outros romances.
Não faça do hábito um estilo de vida. Ame a novidade. Durma mais tarde. Durma mais cedo.
Aprenda uma palavra nova por dia numa outra língua.
Corrija a postura.
Coma um pouco menos, escolha comidas diferentes, novos temperos, novas cores, novas delícias.
Tente o novo todo dia. O novo lado, o novo método, o novo sabor, o novo jeito, o novo prazer, o novo amor.
A nova vida. Tente. Busque novos amigos. Tente novos amores. Faça novas relações.
Almoce em outros locais, vá a outros restaurantes, tome outro tipo de bebida, compre pão em outra padaria.
Almoce mais cedo, jante mais tarde ou vice-versa.
Escolha outro mercado... outra marca de sabonete, outro creme dental... Tome banho em novos horários.
Use canetas de outras cores. Vá passear em outros lugares.
Ame muito, cada vez mais, de modos diferentes.
Troque de bolsa, de carteira, de malas, troque de carro, compre novos óculos, escreva outras poesias.
Jogue os velhos relógios, quebre delicadamente esses horrorosos despertadores.
Abra conta em outro banco. Vá a outros cinemas, outros cabeleireiros, outros teatros, visite novos museus.
Mude.
Lembre-se de que a Vida é uma só. E pense seriamente em arrumar um outro emprego, uma nova ocupação, um trabalho mais light, mais prazeroso, mais digno, mais humano.
Se você não encontrar razões para ser livre, invente-as. Seja criativo.
E aproveite para fazer uma viagem despretensiosa, longa, se possível sem destino. Experimente coisas novas. Troque novamente. Mude, de novo. Experimente outra vez.
Você certamente conhecerá coisas melhores e coisas piores do que as já conhecidas, mas não é isso o que importa.
O mais importante é a mudança, o movimento, o dinamismo, a energia. Só o que está morto não muda !
Repito por pura alegria de viver: a salvação é pelo risco, sem o qual a vida não
vale a pena!


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Primeiros cem anos de uma eternidade
em 28/02/2012 22:40:37 (2128 leituras)
Outros Autores




A semana passada, fomos largamente informados, por todos os meios de comunicação, do centenário do nascimento de Charlie Chaplin. A Rádio Televisão Portuguesa levou a todas as casas o eco da sua homenagem, transmitindo uma pequena série dos primeiros e difíceis passos do querido Charlot e repondo um dos seus filmes mais celebrados – AS LUZES DA RIBALTA. Não exagero se lhes disser que senti todas as manifestações de carinho e homenagem como se fossem feitas a uma pessoa de família. É que… o meu espírito jamais se desligou de Charlie Chaplin desde que, em pequenino, os meus olhos se alegraram e a minha boca se encheu de riso à sua custa. Ao longo da vida, fui vendo todos os seus filmes e lendo todas as suas biografias. E nunca no meu sentir foi menos luminosa a sua figura de artista inigualável. Tenho dele um grande poster ao fundo do corredor. É uma espécie de ícone dessa estranha religião que é o humor universal. O riso é a mais inequívoca expressão de felicidade. Enquanto o homem ri, nada lhe pode enegrecer a alma e o espírito. Nunca dois homens se odiaram, ao rir do mesmo riso. Mais do que a política ou a religião o riso é capaz de irmanar os homens, ainda que por uns segundos… Charlie Chaplin foi o maior e mais completo artista cómico da história do cinema. Do gesto mais simples à mais complicada montagem, tudo nele é intenção de fazer rir. Mas nunca é alvar o riso ou o sorriso que nos liberta, por momentos, do peso da vida. No riso de Charlot há sempre conteúdo humano. Por vezes tão humano que a comoção chega primeiro que o riso. Tantas, tantas cenas em que nos fica no peito uma estranha sensação de alegre sofrimento… Durante dezenas de anos Charlie Chaplin fez rir as crianças de todo o mundo. As crianças e os adultos. Adulto que não ri com Charlot só cresceu por fora. Vamos fechar as luzes e passar uma fita de Charlot. É bem capaz de partir quando estiver no melhor da fita. Mas não faz mal. Vale sempre a pena! Charlot aparece com aquele cão esbranquiçado que às vezes o acompanha. A rua é escura, sórdida e deserta… Diante da porta iluminada de um cabaret Charlot hesita entre seguir ou entrar. Dois passinhos à frente… dois passinhos atrás… Depois de uns segundos de reflexão, toma um ar resoluto e tenta atravessar a porta. Mas o porteiro, que é uma abantesma, faz-lhe ver que não pode entrar com o cão. Charlot parece compreender e afasta-se. De repente pára de rosto iluminado por uma ideia. A ideia foi meter o cão no fole das calças e voltar ao cabaret com um ar muito digno. O porteiro, assim, sem cão, deixa-o entrar, embora intrigado com tão rápida mudança… Ao passar por entre as mesas, Charlot puxa as calças acima, mas tem tanto azar que o rabo do cão lhe sai pela braguilha, muito teso… Já com muita gente a rir e a morrer de espanto, Charlot quer salvar a situação, tentando meter o rabo para dentro, com ar pudico e circunspecto de quem acaba de urinar. A mão esquerda metida no fole das calças faz festas ao cão para o sossegar. Foi pior! O cão, com as festas, desata a dar ao rabo, tornando ainda mais insólito o que se passa na braguilha… Tomado de pânico, Charlot corre para a orquestra e tenta esconder-se atrás do bombo. Consegue ali sossegar um pouco, mas logo tudo se agita porque o cão volta a dar ao rabo e a bater no bombo… pom!... pom!... pom!... A fita parte, acendem-se as luzes e Charlot regressa em passinhos curtos de botas cambadas ao cantinho da nossa memória.”

“Crónicas do meu vagar”
de Camilo de Araújo Correia


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Monólogo de Orfeu
em 19/02/2012 16:43:48 (3146 leituras)
Vinícius de Moraes



Mulher mais adorada!
Agora que não estás,
deixa que rompa o meu peito em soluços
Te enrustiste em minha vida,
e cada hora que passa
É mais por que te amar
a hora derrama o seu óleo de amor em mim, amada.

E sabes de uma coisa?
Cada vez que o sofrimento vem,
essa vontade de estar perto, se longe
ou estar mais perto se perto
Que é que eu sei?
Este sentir-se fraco,
o peito extravasado
o mel correndo,
essa incapacidade de me sentir mais eu, Orfeu;
Tudo isso que é bem capaz
de confundir o espírito de um homem.

Nada disso tem importância
Quando tu chegas com essa charla antiga,
esse contentamento, esse corpo
E me dizes essas coisas
que me dão essa força, esse orgulho de rei.

Ah, minha Eurídice
Meu verso, meu silêncio, minha música.
Nunca fujas de mim.
Sem ti, sou nada.
Sou coisa sem razão, jogada, sou pedra rolada.
Orfeu menos Eurídice: coisa incompreensível!
A existência sem ti é como olhar para um relógio
Só com o ponteiro dos minutos.
Tu és a hora, és o que dá sentido
E direção ao tempo,
minha amiga mais querida!

Qual mãe, qual pai, qual nada!
A beleza da vida és tu, amada
Milhões amada! Ah! Criatura!
Quem poderia pensar que Orfeu,
Orfeu cujo violão é a vida da cidade
E cuja fala, como o vento à flor
Despetala as mulheres -
que ele, Orfeu,
Ficasse assim rendido aos teus encantos?

Mulata, pele escura, dente branco
Vai teu caminho
que eu vou te seguindo no pensamento
e aqui me deixo rente quando voltares,
pela lua cheia
Para os braços sem fim do teu amigo

Vai tua vida, pássaro contente
Vai tua vida que estarei contigo.


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Primeiro motivo da rosa
em 12/02/2012 22:10:10 (7234 leituras)
Cecília Meireles



Vejo-te em seda e nácar,
e tão de orvalho trêmula, que penso ver, efêmera,
toda a Beleza em lágrimas
por ser bela e ser frágil.

Meus olhos te ofereço:
espelho para face
que terás, no meu verso,
quando, depois que passes,
jamais ninguém te esqueça.

Então, de seda e nácar,
toda de orvalho trêmula, serás eterna. E efêmero
o rosto meu, nas lágrimas
do teu orvalho… E frágil.


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Alma a sangrar
em 08/02/2012 14:58:20 (4763 leituras)
Florbela Espanca

Quem fez ao sapo o leito carmesim
De rosas desfolhadas à noitinha?
E quem vestiu de monja a andorinha,
E perfumou as sombras do jardim?

Quem cinzelou estrelas no jasmim?
Quem deu esses cabelos de rainha
Ao girassol? Quem fez o mar? E a minha
Alma a sangrar? Quem me criou a mim?

Quem fez os homens e deu vida aos lobos?
Santa Teresa em místicos arroubos?
Os monstros? E os profetas? E o luar?

Quem nos deu asas para andar de rastros?
Quem nos deu olhos para ver os astros
- Sem nos dar braços para os alcançar?!...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"


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Vida e Obra
em 02/02/2012 13:14:34 (17559 leituras)
José Paulo Paes

José Paulo Paes (Taquaritinga, 1926 — São Paulo, São Paulo, 9 de outubro de 1998) foi um poeta, tradutor, crítico literário e ensaísta brasileiro.
Tendo estudado química industrial na cidade de Curitiba (entre 1945 e 1948), durante muitos anos José Paulo trabalhou em laboratório farmacêutico. Todavia, paralelo a essa profissão jamais deixou de lado a literatura, cujo interesse foi lhe passado pelo avô que era livreiro, sendo que ainda nos tempos de aluno em Curitiba, já colaborava com a revista Joaquim, dirigida por Dalton Trevisan. Dessa temporada paranaense nasce seu livro de estréia, O aluno, de 1947, fortemente influenciado pela poesia de Carlos Drummond de Andrade, o qual o respondeu com o conselho de evitar a imitação de vozes alheias.
Em 1949, transfere-se para São Paulo, quando passa a colaborar com os jornais Folha de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, O Tempo, Jornal de Notícias e Revista Brasiliense, aproximando-se de escritores modernistas como Graciliano Ramos, Jorge Amado e Oswald de Andrade. Conhece também Dora, sua mulher por toda a vida a quem dedicou Cúmplices, de 1951, seu segundo livro. Por falta de um estudo melhor, sua obra foi comparada às dos poetas da Geração de 45, tendo inclusive participado de uma antologia na companhia de Haroldo de Campos e Décio Pignatari, quando eram chamados de “Novíssimos”, ou seja antes da eclosão da poesia concreta, à qual Zé Paulo soube com inteligência absorver, cujos resultados apareceram em seu livro Anatomias de 1967, apresentado justamente por Augusto de Campos. Mais que poesia concreta seu livro aproveitava um ritmo mais oswaldiano, como nos poemas “L'affaire Sardinha” (que fora publicado em 1962 na antologia Violão de Rua, da UNE) e o conhecido “Epitáfio para um Banqueiro”
Por volta de 1963, Zé Paulo dá início a um trabalho editorial intenso à frente da Editora Cultrix, abandonando o trabalho como químico, dedicando-se a partir de então integralmente à literatura. Na companhia de Massaud Moisés foi organizador do Pequeno Dicionário de Literatura Brasileira, publicado pela Editora Cultriz em 1967.
Em 1981,José Paulo aposenta-se como editor, dando início a um dos mais competentes trabalhos de tradução entre os escritores brasileiros, verteu para o português autores de diversas línguas, como Charles Dickens, Joseph Conrad, Pietro Aretino, Konstantínos Kaváfis, Laurence Sterne, W. H. Auden, William Carlos Williams, J.K. Huysmans, Paul Éluard, Hölderlin, Paladas de Alexandria, Edward Lear, Rilke, Seféris, Lewis Carroll, Ovídio, Níkos Kazantzákis, entre outros tantos. Seu reconhecimento na matéria resultou em sua nomeação como Diretor da oficina de tradução de poesia no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Em 1986 vem a público o livro Um por todos, reunião de seu trabalho até então, apresentado pelo crítico Alfredo Bosi. Vem ainda da década de 1980 seu interesse pela poesia infantil, com a qual alcançou grande êxito entre as crianças.
Em 1989, Zé Paulo lança pela coleção Claro Enigma, organizada por Augusto Massi, o livro "A poesia está morta mas eu juro que não fui eu", título extraído do poema "Acima de qualquer suspeita".
Na década de 1990 dá seqüência ao seu trabalho, lançando diversos livros de ensaios, poemas infantis, traduções e poesia, sendo um dos mais bem recebidos "Prosas seguidas de odes mínimas", livro no qual reflete um momento difícil de sua vida, quando tem uma perna amputada, como pode-se ler no poema "Ode à minha perna esquerda":
Ao falecer em 1998, deixou inédito o livro "Socráticas" que veio a público em 2001.


Entrevista por Rodrigo de Souza Leão com José Paulo Paes
jun/98

Jornal de Poesia - O que o poeta deve ter, de menino, para realizar o seu trabalho?

José Paulo Paes - Uma pequena objeção: poesia não é trabalho, é vocação. Para realizar a sua vocação, todo e qualquer poeta deve preservar o menino que todos trazemos dentro de nós mas que a vida dita prática nos obriga freqüentemente a renegar. O poeta é aquele que se recusa a renegá-lo. E, paradoxalmente, é esse menino que o torna o poeta o mais agudo dos adultos.


Jornal de Poesia - O que busca na sua infância para elaboração dos seus poemas?

JPP - Não creio que se trate de uma busca deliberada. A rigor, o poeta não escreve o poema: o poema é que se escreve através dele. Não que o poeta escreva às cegas, como um medium em transe. Mas a minha experiência me indica que o embrião do poema nasce por si, fruto de uma intuição ou inspiração. À artesania do poeta compete levar o embrião até o fruto final. As mais das vezes, tal embrião é feito de uma ou mais proteínas da infância. Todavia, só as descobrimos a posteriori, quando o poema se completa.


Jornal de Poesia - Como brincar de poesia sem ser infantil?

JPP - Sendo apenas e tão-somente poeta, tipo de homem que se orgulho de ser um adulto infantil ou uma criança adulta.


Jornal de Poesia - Qual a diferença entre brincar com palavras e brincar simplesmente? A poesia é uma brincadeira?

JPP - Você está levando ao pé da letra o que “Convite” diz. Nunca se deve levar um poema ao pé da letra. A poesia está sempre além da letra. O que eu quis dizer em “Convite” é quem se não se deleita, passiva ou ativamente, no convívio com as palavras, jamais conseguirá descobrir o que seja poesia. A quel é, no meu entender, a festa das palavras. Festa no sentido de alegria gratuita, em contraposição a utilização interesseira.


Jornal de Poesia - Como se fundem, num mesmo escritor, o ensaísta, o tradutor e o poeta?

JPP - Nenhum de nós é um só. Se o fôssemos, a vida seria insuportável. Já imaginou alguém que pudesse ser, por exemplo, funcionário público 24 horas por dia? Alguém que também também não fosse pai que brinca com os filhos, torcedor que sofre e se alegra pelo seu time, dançarino ou ouvinte de música? No meu caso, o poeta é o ponto de partida. Não acredito em poeta que não pense acerca do seu ofício: daí o ensaísta. Nem acredito em poeta que não aprenda com outros poetas, principalmente de outras línguas que não a sua própria: daí o tradutor.


Jornal de Poesia - Em “Acima de qualquer suspeita” o senhor jura que não matou a poesia. Quem a matou?

JPP - A poesia morre toda vez que se publica um mau poema. Por isso mesmo, só publico um poema quando acho que estou de mãos limpas. Se me enganei, perdão: mandem-me para a guilhotina.


Jornal de Poesia - Sobre os poetas que o influenciaram, alguns dos quais estão citados em “Acima de qualquer suspeita”. Fale um pouco de cada um.

JPP - Em vez de responder à sua pergunta, que exigiria todo um ensaio para ser respondida, prefiro remetê-lo à leitura dos poetas citados e, se ainda tiver interesse, da minha poesia. Aí você verá em que medida me influenciaram e em que medida lhes sublimei a influência numa dicção diferenciada.


Jornal de Poesia - Considera-se injustiçado, esquecido ou eclipsado por talentos duvidosos?

JPP - Não, pelo contrário. Acho que mereci mais atenção do que talvez merecesse.


Jornal de Poesia -. Em “Elegia holandesa” você utiliza a linguagem concreta. Que balanço faz desse movimento?

JPP - Não sou contabilista literário e não tenho a menor vocação para balanços -- a menos que seja balanço de samba. Tampouco creio que haja uma linguagem concreta. O que há são alguns procedimentos verbais e visuais desenvolvidos pela poesia concreta. Deles me vali, a uma certa altura, para levar avante o gosto pelo humor que sempre foi consubstancial à minha dicção de poeta.


Jornal de Poesia - Acredita em poesia sem linguagem poética?

JPP - Depende. Se por linguagem poética se entender linguagem enfeitada, repleta de metáforas que não sejam consubstanciais ao que o poeta intenta dizer, ela em nada adianta à poesia. Poesia, para mim, é a capacidade de iluminar a linguagem de todos os dias, aprofundando-lhe os significados, tornando-os de tal modo memoráveis que eles nunca mais consigam separar-se do modo por que foram ditos.


Jornal de Poesia - Como definiria poesia?

JPP - Não tenho nenhuma definição de bolso. Aliás, sou cético quanto às definições de bolso. Mas poderia dizer que, ao longo da minha experiência pessoal, deparei-me com três concepções de poesia. Os professores do curso primário me incutiram a idéia de que ela era um tipo especial de linguagem rimada, metrificada e enfeitada, para ser declamada, mão no peito, durante as festas escolares. Mas os versos metafísicos de Augusto dos Anjos, com que travei contacto aos l5 ou 16 anos, abalaram essa idéia primeva ao convencer-me, pela força do exemplo, de que poesia é a linguagem de descoberta do mundo e das perplexidades que ele podia suscitar em nós. Tanto o mundo fora como o mundo dentro de nós. Um pouco mais tarde, com os seus poemas desafetados que estilizavam a linguagem coloquial, Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade me ensinaram que poesia é a redescoberta da novidade perene da vida nas pequenas/grandes coisas do dia a dia. Desde então, em maior ou menor grau, venho tentando ser fiel, em quanto escrevo, a essas duas últimas concepções. Meu ideal poético é a desafetação, a concisão e a intensidade postas todas a serviço da minha própria visão de mundo.


Jornal de Poesia - “Lisboa: aventuras” é um poema-piada. Em que condições o escreveu?

JPP - Certa vertente da geração de 45 via com maus olhos o poema-piada. Pessoalmente, acho que o humor é um dos ingredientes de base do sentimento poético. Esse poema eu o escrevi por ocasião de minha primeira viagem a Portugal, quando me diverti com as discrepâncias vocabulares entre o falar brasileiro e o lusitano. Explorei caricaturalmente essas discrepâncias sob a égide alusiva da “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias, que exprimiu emblematicamente, para além das similitudes de origem, a diferencialidade de base entre o sentir brasileiro e o português.


Jornal de Poesia - Seu poema “O engenheiro” é um exemplo de concisão. Como enriquecer o poema, cortando, lapidando, buscando a palavra exata?

JPP - Acho que é uma questão de temperamento. Sempre tive, da poesia, uma concepção epigramática. O multum in parvo, o muito no pouco. Quanto menos palavras se use para dizer algo, maiores as possibilidades de dizê-lo melhor. Nesse poema especificamente, através de umas poucas notações, tentei exprimir as minhas esperanças juvenis (escrevi-o aos 19 ou 20 anos) de um mundo construído com limpeza e solidariedade pela inteligência humana que fosse mais justo do que o mundo injusto em que eu próprio nascera.


Jornal de Poesia - Em “O poeta e seu mestre”, o poeta veste-se de mestre? É preciso ser um pouco outro poeta para ser um grande poeta também?

JPP - Ao contrário do que você diz, nesse poema eu sou apenas o aprendiz da humilde grandeza humana de Carlitos. “O poeta e seu mestre” apareceu no meu livro de estréia cujo título era O aluno. Por si só, tal título responde à sua segunda pergunta. O discípulo precisa de um mestre para deixar de ser discípulo e adquirir voz própria. A esse voz própria sempre aspirei. Mas nunca ambicionei ser um grande poeta. Ser poeta tout court já é para mim dignidade bastante.


Jornal de Poesia - “Canção do afogado” é belíssima. Não acha que a poesia está viva e muito?

JPP - Esse poema é também um poema de juventude, com evidente influência bandeiriana, desde logo declarada no vocativo “Maninha” que se repete ao longo dele. Concordo em que a poesia está sempre viva, mesmo porque é uma forma essencial de experiência humana, que só poderia desaparecer com a extinção da nossa espécie. Quanto a estar “muito viva”, não sei dizer. Contento-me em saber que não morreu.


Jornal de Poesia - No soneto “O aluno”, o senhor mostra mestria. Qual a semelhança entre o poeta e um aluno?

JPP - Respondi implicitamente a essa pergunta mais acima, no item 4. Pelos poemas que você cita, vejo que, através da Internet, teve acesso apenas a poemas do meu livro de estréia, O aluno, publicado em 1947, e a A poesia está morta mais juro que não fui eu, de 1988. Mas depois de O aluno, e antes e depois de A poesia está morta mas juro que não fui eu, publiquei várias outras coletâneas de poemas. Nesse sentido, atrevo-me a recomendar-lhe ler os meus livros de poemas, em vez de procurá-los apenas na Internet. Não escrevo para internautas; escrevo para leitores de livros. Se me permite uma sugestão, por que não lê Prosas seguidas de Odes mínimas, publicado pela Cia. das Letras e ainda hoje encontrável nas boas livrarias? Através dele, você e outros freqüentadores do endereço eletrônico do seu “Jornal de Poesia” poderão ter uma idéia mais cabal da natureza e dos propósitos da minha atividade poética.

Fontes: wikipédia e Jornal de Poeisa.


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TERMO DE RESPONSABILIDADE
em 31/01/2012 19:53:32 (2916 leituras)
José Paulo Paes


mais nada
a dizer: só o vício
de roer os ossos
do ofício

já nenhum estandarte
à mão
enfim a tripa feita
coração

silêncio
por dentro sol de graça
o resto literatura
às traças!





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CANÇÃO DO ADOLESCENTE
em 31/01/2012 19:44:25 (5142 leituras)
José Paulo Paes

Se mais bem olhardes
notareis que as rugas
umas são postiças
outras literárias.
Notareis ainda
o que mais escondo:

a descontinuidade
do meu corpo híbrido.
Quando corto a rua
para me ocultar
as mulheres riem
(sempre tão agudas!)
do meu pobre corpo.
Que força macabra
misturou pedaços
de criança e homem
para me criar?
Se quereis salvar-me
desta anatomia,
batizai-me depressa
com as inefáveis
as assustadoras
águas do mundo.


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Capitães da Areia - excerto
em 27/01/2012 23:20:14 (5775 leituras)
Jorge Amado

Logo que um novato entrava para os Capitães da Areia formava logo uma idéia ruim de Sem-Pernas. Porque ele logo botava um apelido, ria de um gesto, de uma frase do novato.Ridicularizava tudo era dos que mais brigavam.Tinha mesmo uma fama de malvado.Muitos do grupo não gostavam dele, mas aqueles que passavam por cima de tudo e se faziam seus amigos diziam que ele era um "sujeito bom". No mais fundo de seu coração ele tinha pena da desgraça de todos. E rindo, e ridicularizando, era que fugia da sua desgraça. Era como um remédio. No rosto do que rezava ia uma exaltação, qualquer coisa que ao primeiro momento o Sem-Pernas pensou que fosse alegria ou felicidade. Mas fitou o rosto do outro e achou que era uma expressão que não sabia definir. E pensou, contraindo seu rosto pequeno, que talvez por isso ele nunca tenha pensado em rezar, em se voltar para o céu.O que ele queria era fugir da sua angústia, que estrangulava. Mas o Sem-Pernas não compreendia que aquilo pudesse bastar. Ele queria uma coisa imediata, uma coisa que pusesse seu rosto sorridente e alegre, que o livrasse da necessidade de rir de todos e rir de tudo. Que o livrasse também daquela angústia, daquela vontade de chorar que o tomava nas noites de inverno. No bando,não tardou a se destacar porque sabia como ninguém como afetar a dor.


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Criança Desconhecida
em 24/01/2012 14:17:47 (3648 leituras)
Fernando Pessoa

por Alberto Caeiro

Criança desconhecida e suja brincando à minha porta,
Não te pergunto se me trazes um recado dos símbolos.
Acho-te graça por nunca te ter visto antes,
E naturalmente se pudesses estar limpa eras outra criança,
Nem aqui vinhas.
Brinca na poeira, brinca!
Aprecio a tua presença só com os olhos.
Vale mais a pena ver uma cousa sempre pela primeira vez que conhecê-la,
Porque conhecer é como nunca ter visto pela primeira vez,
E nunca ter visto pela primeira vez é só ter ouvido contar.
O modo como esta criança está suja é diferente do modo como as outras estão sujas.
Brinca! pegando numa pedra que te cabe na mão,
Sabes que te cabe na mão.
Qual é a filosofia que chega a uma certeza maior?
Nenhuma, e nenhuma pode vir brincar nunca à minha porta.


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Da nossa semelhança
em 18/01/2012 16:52:34 (4106 leituras)
Fernando Pessoa

(Ricardo Reis)




Da nossa semelhança com os deuses

Por nosso bem tiremos

Julgarmo-nos deidades exiladas

E possuindo a Vida

Por uma autoridade primitiva

E coeva de Jove.





Altivamente donos de nós-mesmos,

Usemos a existência

Como a vila que os deuses nos concedem

Para, esquecer o estio.





Não de outra forma mais apoquentada

Nos vale o esforço usarmos

A existência indecisa e afluente

Fatal do rio escuro.





Como acima dos deuses o Destino

É calmo e inexorável,

Acima de nós-mesmos construamos

Um fado voluntário

Que quando nos oprima nós sejamos

Esse que nos oprime,

E quando entremos pela noite dentro

Por nosso pé entremos.


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Datilografia
em 13/01/2012 17:57:56 (2573 leituras)
Fernando Pessoa


Traço, sozinho, no meu cubículo de engenheiro, o plano,
Firmo o projeto, aqui isolado,
Remoto até de quem eu sou.
Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Que náusea da vida!
Que abjeção esta regularidade!
Que sono este ser assim!
Outrora, quando fui outro, eram castelos e cavaleiros
(Ilustrações, talvez, de qualquer livro de infância),
Outrora, quando fui verdadeiro ao meu sonho,
Eram grandes paisagens do Norte, explícitas de neve,
Eram grandes palmares do Sul, opulentos de verdes.
Outrora. Ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
O tique-taque estalado das máquinas de escrever.
Temos todos duas vidas:
A verdadeira, que é a que sonhamos na infância,
E que continuamos sonhando, adultos, num substrato de névoa;
A falsa, que é a que vivemos em convivência com outros,
Que é a prática, a útil,
Aquela em que acabam por nos meter num caixão.
Na outra não há caixões, nem mortes,
Há só ilustrações de infância:
Grandes livros coloridos, para ver mas não ler;
Grandes páginas de cores para recordar mais tarde.
Na outra somos nós,
Na outra vivemos;
Nesta morremos, que é o que viver quer dizer;
Neste momento, pela náusea, vivo na outra ...
Mas ao lado, acompanhamento banalmente sinistro,
Ergue a voz o tique-taque estalado das máquinas de escrever


Fernando Pessoa ( Álvaro de Campos)


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Saudade
em 04/01/2012 22:50:28 (9886 leituras)
Machado de Assis

Saudade

Guarda estes versos que escrevi chorando
Como um alívio à minha saudade,
Como um dever de meu amor; e quando
Houver em ti um eco de saudade,
Beija estes versos que escrevi chorando.
Único em meio das paixões vulgares,
Fui a teus pés queimar minh’alma ansiosa,
Como se queima o óleo ante os altares;
Tive a paixão indômita e fogosa,
Única em meio das paixões vulgares.
Cheio de amor, vazio de esperança,
Dei para ti os meus primeiros passos;
Minha ilusão fez-me, talvez, criança;
E pretendi dormir aos teus abraços,
Cheio de amor, vazio de esperança.
Refugiado à sombra do mistério,
Pude cantar meu hino doloroso;
E o mundo ouviu o som doce ou funéreo
Sem conhecer o coração ansioso,
Refugiado à sombra do mistério,
Mas eu que posso contra a sorte esquiva?
Vejo que em teus olhares de princesa
Transluz uma alma ardente e compassiva,
Capaz de reanimar minha incerteza;
Mas eu que posso contra a sorte esquiva?
Como um réu indefeso e abandonado,
Fatalidade, curvo-me ao teu gesto;
E se a perseguição me tem cansado,
Embora, escutarei o teu aresto,
Como um réu indefeso e abandonado.
Embora fujas aos meus olhos tristes,
Minh’alma irá saudosa, enamorada,
Acercar-se de ti lá onde existes;
Ouvirás minha lira apaixonada,
Embora fujas aos meus olhos tristes.
Talvez um dia meu amor se extinga,
Como fogo de Vestal mal cuidado,
Que sem o zelo da Vestal não vinga;
Na ausência e no silêncio condenado,
Talvez um dia meu amor se extinga.
Então não busques reavivar a chama,
Evoca apenas a lembrança casta
Do fundo amor daquele que não ama;
Esta consolação apenas basta;
Então não busque reavivar a chama.
Guarda estes versos que escrevi chorando,
Como um alívio à minha saudade,
Como um dever do meu amor; e quando
Houver em ti um eco de saudade,
Beija estes versos que escrevi chorando.

Machado de Assis -
do livro Crisálidas


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Depois do jantar
em 18/12/2011 20:45:02 (3877 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

Também, que idéia a sua: andar a pé, margeando a Lagoa Rodrigo de Freitas, depois do jantar.

O vulto caminhava em sua direção, chegou bem perto, estacou à sua frente. Decerto ia pedir-lhe um auxílio.

— Não tenho trocado. Mas tenho cigarros. Quer um?

— Não fumo, respondeu o outro.

Então ele queria é saber as horas. Levantou o antebraço esquerdo, consultou o relógio:

— 9 e 17... 9 e 20, talvez. Andaram mexendo nele lá em casa.

— Não estou querendo saber quantas horas são. Prefiro o relógio.

— Como?

— Já disse. Vai passando o relógio.

— Mas ...

— Quer que eu mesmo tire? Pode machucar.

— Não. Eu tiro sozinho. Quer dizer... Estou meio sem jeito. Essa fivelinha enguiça quando menos se espera. Por favor, me ajude.

O outro ajudou, a pulseira não era mesmo fácil de desatar. Afinal, o relógio mudou de dono.

— Agora posso continuar?

— Continuar o quê?

— O passeio. Eu estava passeando, não viu?

— Vi, sim. Espera um pouco.

— Esperar o quê?

— Passa a carteira.

— Mas...

— Quer que eu também ajude a tirar? Você não faz nada sozinho, nessa idade?

— Não é isso. Eu pensava que o relógio fosse bastante. Não é um relógio qualquer, veja bem. Coisa fina. Ainda não acabei de pagar...

— E eu com isso? Então vou deixar o serviço pela metade?

— Bom, eu tiro a carteira. Mas vamos fazer um trato.

— Diga.

— Tou com dois mil cruzeiros. Lhe dou mil e fico com mil.

— Engraçadinho, hem? Desde quando o assaltante reparte com o assaltado o produto do assalto?

— Mas você não se identificou como assaltante. Como é que eu podia saber?

— É que eu não gosto de assustar. Sou contra isso de encostar o metal na testa do cara. Sou civilizado, manja?

— Por isso mesmo que é civilizado, você podia rachar comigo o dinheiro. Ele me faz falta, palavra de honra.

— Pera aí. Se você acha que é preciso mostrar revólver, eu mostro.

— Não precisa, não precisa.

— Essa de rachar o legume... Pensa um pouco, amizade. Você está querendo me assaltar, e diz isso com a maior cara-de-pau.

— Eu, assaltar?! Se o dinheiro é meu, então estou assaltando a mim mesmo.

— Calma. Não baralha mais as coisas. Sou eu o assaltante, não sou?

— Claro.

— Você, o assaltado. Certo?

— Confere.

— Então deixa de poesia e passa pra cá os dois mil. Se é que são só dois mil.

— Acha que eu minto? Olha aqui as quatro notas de quinhentos. Veja se tem mais dinheiro na carteira. Se achar uma nota de 10, de cinco cruzeiros, de um, tudo é seu. Quando eu confundi você com um, mendigo (desculpe, não reparei bem) e disse que não tinha trocado, é porque não tinha trocado mesmo.

— Tá bom, não se discute.

— Vamos, procure nos... nos escaninhos.

— Sei lá o que é isso. Também não gosto de mexer nos guardados dos outros. Você me passa a carteira, ela fica sendo minha, aí eu mexo nela à vontade.

— Deixe ao menos tirar os documentos?

— Deixo. Pode até ficar com a carteira. Eu não coleciono. Mas rachar com você, isso de jeito nenhum. É contra as regras.

— Nem uma de quinhentos? Uma só.

— Nada. O mais que eu posso fazer é dar dinheiro pro ônibus. Mas nem isso você precisa. Pela pinta se vê que mora perto.

— Nem eu ia aceitar dinheiro de você.

— Orgulhoso, hem? Fique sabendo que tenho ajudado muita gente neste mundo. Bom, tudo legal. Até outra vez. Mas antes, uma lembrancinha.

Sacou da arma e deu-lhe um tiro no pé.


Texto extraído do livro "Os dias lindos", Livraria José Olympio Editora — Rio de Janeiro, 1977, pág. 54


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Uma estranha realidade (excerto)
em 15/12/2011 14:34:50 (2861 leituras)
Carlos Castañeda

- Sabe alguma coisa do mundo que o rodeia? — perguntou.
- Sei muitas coisas diferentes — respondi.
- Quero dizer, sente o mundo em volta de você?
- Sinto tanto do mundo em volta de mim quanto posso.
- Isso não basta. Tem de sentir tudo, senão o mundo perde o sentido.


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O álbum de Pagu
em 07/12/2011 13:59:42 (3340 leituras)
Pagu

O álbum de Pagu - Nascimento, vida, Paixão e morte.

Nascimento...

Além...muito além do Martinelli...
martinellamente escancara as cento e cinquenta e quatro guelas...

Era filha da lua...
Era filha do sol...

Da lua que aparece serena e suave no céu , amamentando eternamente o Cavaleiro de S. Jorge...Barrigudinha

Do pai sol, amado D. decorador de quadros futuristas...
O pai dela gosta de bolinar nos outros...
E Pagu nasceu...

de olhos terrivelmente molengos
e boca de cheramy...

E o guerreiro cantou.
E Freud desejou...

Mandioca braba faz mal.
Pagu era selvagem
Inteligente
E besta...

Comeu da mandioca braba...
E fez mal.

Pagu / 1929


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As Coisas
em 28/11/2011 13:25:50 (3643 leituras)
Jorge Luis Borges

A bengala, as moedas, o chaveiro,
A dócil fechadura, as tardias
Notas que não lerão os poucos dias
Que me restam, os naipes e o tabuleiro.
Um livro e em suas páginas a seca
Violeta, monumento de uma tarde
Sem dúvida inesquecível e já esquecida,
O rubro espelho ocidental em que arde
Uma ilusória aurora. Quantas coisas,
Limas, umbrais, atlas, taças, cravos,
Nos servem como tácitos escravos,
Cegas e estranhamente sigilosas!
Durarão para além de nosso esquecimento;
Nunca saberão que nos fomos num momento.









*O texto acima foi extraído do livro "Elogio da Sombra", Editora Globo/MEC - Porto Alegre, 1971, pág. 24 (tradução de Carlos Nejar e Alfredo Jacques; revisão da tradução: Maria Carolina de Araújo e Jorge Schwartz).


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Elogio da sombra
em 27/11/2011 13:48:39 (2534 leituras)
Jorge Luis Borges

A velhice (tal é o nome que os outros lhe dão)
pode ser o tempo de nossa felicidade.
O animal morreu ou quase morreu.
Restam o homem e sua alma.
Vivo entre formas luminosas e vagas
que não são ainda a escuridão.
Buenos Aires,
que antes se espalhava em subúrbios
em direção à planície incessante,
voltou a ser La Recoleta, o Retiro,
as imprecisas ruas do Once
e as precárias casas velhas
que ainda chamamos o Sul.
Sempre em minha vida foram demasiadas as coisas;
Demócrito de Abdera arrancou os próprios olhos para pensar;
o tempo foi meu Demócrito.
Esta penumbra é lenta e não dói;
flui por um manso declive
e se parece à eternidade.
Meus amigos não têm rosto,
as mulheres são aquilo que foram há tantos anos,
as esquinas podem ser outras,
não há letras nas páginas dos livros.
Tudo isso deveria atemorizar-me,
mas é um deleite, um retorno.
Das gerações dos textos que há na terra
só terei lido uns poucos,
os que continuo lendo na memória,
lendo e transformando.
Do Sul, do Leste, do Oeste, do Norte
convergem os caminhos que me trouxeram
a meu secreto centro.
Esses caminhos foram ecos e passos,
mulheres, homens, agonias, ressurreições,
dias e noites,
entressonhos e sonhos,
cada ínfimo instante do ontem
e dos ontens do mundo,
a firme espada do dinamarquês e a lua do persa,
os atos dos mortos,
o compartilhado amor, as palavras,
Emerson e a neve e tantas coisas.
Agora posso esquecê-las. Chego a meu centro,
a minha álgebra e minha chave,
a meu espelho.
Breve saberei quem sou.


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Um Apólogo
em 19/11/2011 20:06:40 (3221 leituras)
Machado de Assis


Machado de Assis


Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:

— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?

— Deixe-me, senhora.

— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.

— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.

— Mas você é orgulhosa.

— Decerto que sou.

— Mas por quê?

— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?

— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?

— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...

— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...

— Também os batedores vão adiante do imperador.

— Você é imperador?

— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...

Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:

— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...

A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.

Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:

— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.

Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:

— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.

Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:

— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!


Texto extraído do livro "Para Gostar de Ler - Volume 9 - Contos", Editora Ática - São Paulo, 1984, pág. 59


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Bifurcados de "Habitar o tempo"
em 17/11/2011 17:13:25 (5161 leituras)
João Cabral de Melo Neto

Viver seu tempo: para o que ir viver
num deserto literal ou de alpendres;
em ermos, que não distraiam de viver
a agulha de um só instante, plenamente.
Exceç~so aos desertos: o da Caatinga,
que não libera o homem, como outros,
para que ele imagine ouvir-se mundos
ouvindo-se a máquina bicho do corpo;
para que, só e entre coisas de vazio,
de vidro igual ao do que não existe,
o homem, como lhe sucede num deserto,
imagine sentir outras coisas ao sentir-se;
embora um deserto, a Caatinga atrai,
ata a imaginação; não a deixa livre,
para deixar-se, ser; a Caatinga a fere
e a ideia-fixa: com seu vazio riste.
.
Ele ocorre vazio, o tal tempo ao vivo;
e, como além de vazio, transparente,
habitar o invisível dá em habitar-se:
a ermida corpo, no deserto ou alpendre.

Desertos onde ir ver para habitar-se,
mas que logo surgem como viciosamente
a quem foi ir ao da Caatinga nordestina:
que não se quer deserto, reage a dentes.



João Cabral de Melo Neto, em; "A educação pela Pedra e outros poemas"


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Os Três Mal-Amados
em 15/11/2011 17:00:00 (3080 leituras)
João Cabral de Melo Neto

Joaquim:

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.





As falas do personagem Joaquim foram extraídas da poesia "Os Três Mal-Amados", constante do livro "João Cabral de Melo Neto - Obras Completas", Editora Nova Aguilar S.A. - Rio de Janeiro, 1994, pág.59.


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O pássaro cativo
em 09/11/2011 14:11:35 (3407 leituras)
Olavo Bilac

Armas, num galho de árvore, o alçapão
E, em breve, uma avezinha descuidada,
Batendo as asas cai na escravidão.
Dás-lhe então, por esplêndida morada,
Gaiola dourada;

Dás-lhe alpiste, e água fresca, e ovos e tudo.
Por que é que, tendo tudo, há de ficar
O passarinho mudo,
Arrepiado e triste sem cantar?
É que, criança, os pássaros não falam.

Só gorjeando a sua dor exalam,
Sem que os homens os possam entender;
Se os pássaros falassem,
Talvez os teus ouvidos escutassem
Este cativo pássaro dizer:

"Não quero o teu alpiste!
Gosto mais do alimento que procuro
Na mata livre em que voar me viste;
Tenho água fresca num recanto escuro

Da selva em que nasci;
Da mata entre os verdores,
Tenho frutos e flores
Sem precisar de ti!

Não quero a tua esplêndida gaiola!
Pois nenhuma riqueza me consola,
De haver perdido aquilo que perdi...
Prefiro o ninho humilde construído

De folhas secas, plácido, escondido.
Solta-me ao vento e ao sol!
Com que direito à escravidão me obrigas?
Quero saudar as pombas do arrebol!
Quero, ao cair da tarde,
Entoar minhas tristíssimas cantigas!
Por que me prendes? Solta-me, covarde!
Deus me deu por gaiola a imensidade!
Não me roubes a minha liberdade...
Quero voar! Voar!

Estas cousas o pássaro diria,
Se pudesse falar,
E a tua alma, criança, tremeria,
Vendo tanta aflição,
E a tua mão tremendo lhe abriria
A porta da prisão...


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Ode Descontínua e Remota para Flauta e Oboé - De Ariana para Dionísio
em 02/11/2011 22:10:00 (11143 leituras)
Hilda Hilst

Canção I

É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.

Voz e vento apenas

Das coisas do lá fora



E sozinha supor

Que se estivesses dentro



Essa voz importante e esse vento

Das ramagens de fora



Eu jamais ouviria. Atento

Meu ouvido escutaria

O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.

Porque é melhor sonhar tua rudeza

E sorver reconquista a cada noite

Pensando: amanhã sim, virá.

E o tempo de amanhã será riqueza:

A cada noite, eu Ariana, preparando

Aroma e corpo. E o verso a cada noite

Se fazendo de tua sábia ausência.




Canção II

Porque tu sabes que é de poesia

Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,

Que a teu lado te amando,

Antes de ser mulher sou inteira poeta.

E que o teu corpo existe porque o meu

Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,

É que move o grande corpo teu



Ainda que tu me vejas extrema e suplicante

Quando amanhece e me dizes adeus.




Canção III

A minha Casa é guardiã do meu corpo

E protetora de todas minhas ardências.

E transmuta em palavra

Paixão e veemência



E minha boca se faz fonte de prata

Ainda que eu grite à Casa que só existo

Para sorver a água da tua boca.



A minha Casa, Dionísio, te lamenta

E manda que eu te pergunte assim de frente:

À uma mulher que canta ensolarada

E que é sonora, múltipla, argonauta

Por que recusas amor e permanência?




Canção IV

Porque te amo

Deverias ao menos te deter

Um instante



Como as pessoas fazem

Quando vêem a petúnia

Ou a chuva de granizo.



Porque te amo

Deveria a teus olhos parecer

Uma outra Ariana



Não essa que te louva



A cada verso

Mas outra



Reverso de sua própria placidez

Escudo e crueldade a cada gesto.



Porque te amo, Dionísio,

é que me faço assim tão simultânea

Madura, adolescente



E por isso talvez

Te aborreças de mim.


Canção V

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio
Se me amas, podes dizer que não.
Pouco me importa
ser nada à tua volta, sombra, coisa esgarçada
No entendimento de tua mãe e irmã.

A mim me importa, Dionísio, o que dizes deitado, ao meu ouvido

E o que tu dizes nem pode ser cantado
Porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria


E no meu quarto se faz verbo de amor




Canção VI

Três luas Dionísio
Não te vejo
Três luas percorro a casa minha
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães
E fingindo altivez
Digo a minha estrela, essa que é inteira
prata dez mil sóis

Sírios pressagam que Ariana pode estar sozinha sem Dionísio
Sem riqueza ou fama porque há dentro dela um som maior
Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada
Mais luzente alta quando tu Dionísio não estás

Três luas, Dionísio, não te vejo
Três luas percorro a casa minha
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães
E fingindo altivez
Digo a minha estrela, essa que é inteira
prata dez mil sóis

Três luas, Dionísio, não te vejo




Canção VII


É licito me dizeres, que Manan, tua mulher

Virá à minha Casa, para aprender comigo

Minha extensa e difícil dialética lírica?

Canção e liberdade não se aprendem



Mas posso, encantada, se quiseres



Deitar-me com o amigo que escolheres

E ensinar à mulher e a ti, Dionísio,



A eloqüência da boca nos prazeres

E plantar no teu peito, prodigiosa,

Um ciúme venenoso e derradeiro.




Canção VIII

Se Clódia desprezou Catulo
E teve Rufus, Quintius, Gelius,
Inacius e Ravidus
Tu podes muito bem, Dionísio,
Ter mais cinco mulheres
E desprezar Ariana
Que é centelha e âncora
E refrescar tuas noites
Com teus amores breves.
Ariana e Catulo, luxuriantes
Pretendem eternidade, e a coisa breve
A alma dos poetas não inflama.
Nem é justo, Dionísio, pedires ao poeta
Que seja sempre terra o que é celeste
E que terrestre não seja o que é só terra.




Canção IX

Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando

Que se a mim não me deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas suas águas.




Canção X

Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa

E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.

Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.






[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]

[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]


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Frase
em 23/10/2011 06:04:41 (4011 leituras)
Mario Quintana

...E que fique muito mal explicado.
Não faço força para ser entendido.
Quem faz sentido é soldado...

(Mário Quintana)


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Canção da Parada do Lucas
em 20/10/2011 08:21:51 (3095 leituras)
Manuel Bandeira

Parada do Lucas
- O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
Minha alma incendida
Pediria à Noite
Dois seios intactos.

Parada do Lucas
- O trem não parou.

Ah, se o trem parasse
Eu iria aos mangues
Dormir na escureza
Das águas defuntas.

Parada do Lucas
- O trem não parou.

Nada aconteceu
Senão a lembrança
Do crime espantoso
Que o tempo engoliu.


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Belo Belo II
em 20/10/2011 08:18:48 (2324 leituras)
Manuel Bandeira


Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdá e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero.


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Neologismo
em 16/10/2011 11:19:48 (19934 leituras)
Manuel Bandeira

"Beijo pouco, falo menos ainda.

Mas invento palavras

Que traduzem a ternura mais funda

E mais cotidiana.

Inventei, por exemplo, o verbo teadorar.

Intransitivo:

Teadoro, Teodora"


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José
em 11/10/2011 20:21:49 (2665 leituras)
Carlos Drummond de Andrade

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?


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Eu fiz...
em 11/10/2011 13:47:35 (3640 leituras)
Mário Lago

Eu fiz um acordo com o tempo...
Nem ele me persegue, nem eu fujo dele...
Qualquer dia a gente se encontra e,
Dessa forma, vou vivendo
Intensamente cada momento...


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As tias
em 10/10/2011 17:06:32 (4056 leituras)
Mario Quintana

Sempre estão nos acusando de alguma coisa,
Com o dedo em riste: "Meninos, não façam isto!
Não presta deixar os sapatos virados no chão com a sola para cima,
Nem nunca puxar dessa maneira as tranças da Adalgisa!"
No entanto não sabem
Que as crianças no fundo gostam disso
E que a violência é uma das formas mais deliciosas do amor...
A gente grande só tem ridículas briguinhas conjugais
Apenas para poderem se reconciliar depois!
Ai de nós, de nossa vida com elas...
As nossas intrometidas tias são eternas e de todos os sexos!


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Bucólica
em 10/10/2011 16:57:02 (2682 leituras)
Mario Quintana

Na solidão da noite
uma vaca, uma abençoada
vaca
muge:
o seu mugido é um rio de veludo morno,
voz de mãe e de amante:
quente e cariciosa...
- à mesma voz que tu, antes de me abandonares,
Tinhas sempre comigo!


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Vida e Obra
em 09/10/2011 15:09:07 (6227 leituras)
Mário Lago

Mário Lago.

Ele nasceu na histórica Rua do Resende, no Rio de Janeiro, em 26 de novembro de 1911, filho único de Antônio Lago, um jovem compositor, maestro e violinista de sucesso, de uma família de músicos; e de Francisca Maria Vicência Croccia Lago, jovem descendente de calabreses, oriunda também de família de músicos.

Mário Lago foi criado no bairro da Lapa, no Rio. Formou-se em Direito, mas jamais exerceu a profissão. Chegou a trabalhar como jornalista e estatístico, mas por pouco tempo. Desde criança, a arte exerceu absoluto fascínio sobre ele; uma atração igualada apenas pela política, pela boemia e pela família. A todas elas se dedicou com igual empenho e paixão.

Falecido em 30 de maio de 2002, Mario Lago foi casado por quase 50 anos com Zeli Cordeiro Lago. O ator deixou cinco filhos (Vanda, Antonio Henrique, Graça, Luiz Carlos – falecido em 2010 – e Mário).


Breve currículo

Autor - A estréia de Mário Lago aconteceu em março de 33, como autor teatral. A maior parte de suas peças foi escrita nas décadas de 40 e de 50, para o chamado Teatro de Revista e para atores como Araci Côrtes, Elza Gomes, André Villon, Oscarito e Armando Nascimento. No início dos anos 1970, escreveu a sua última peça teatral: "Foru Quatro Tiradentes na Conjuração Baiana", sobre a Revolução dos Alfaiates, na Bahia. Proibida pela Censura, teve uma única leitura pública, com participação do próprio Mário, ao lado dos atores Oswaldo Loureiro, Wanda Lacerda, Francisco Milani e Milton Gonçalves, entre outros.

Também escreveu roteiros e argumentos para o cinema, entre eles, o do filme Banana da Terra (1939), em parceria com João de Barro, o Braguinha.

Compositor - Na música, estreou em 1936, com a marchinha Menina, eu sei de uma coisa, primeira parceria com Custódio Mesquita. O sucesso viria dois anos depois, com Nada além, da mesma dupla, na gravação de Orlando Silva. Sozinho, ou em parceria com nomes como Ataulfo Alves, Chocolate, Roberto Roberti, Roberto Martins, Benedito Lacerda, Elton Medeiros e João Nogueira, Mário compôs sucessos como Amélia, Atire a primeira pedra, Aurora, Dá-me tuas mãos, Enquanto houver saudade, Fracasso, Será e Número um.

Ator - Em 1942, estreou como ator de teatro, onde criou personagens de grande repercussão, como o Aprígio, no clássico O Beijo no asfalto, de Nélson Rodrigues. No cinema, atuou em alguns dos principais filmes brasileiros, como O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade, Os Herdeiros, de Cacá Diegues, O Bravo guerreiro, de Gustavo Dahl, e Terra em transe, de Glauber Rocha.

A popularização do ator veio com as novelas, a partir de 1966, destacando-se suas atuações em O Casarão, de Lauro César Muniz, Nina, de Walter George Durst, e Dancing Days, de Gilberto Braga, trabalhos que lhe renderam dois prêmios de Melhor Ator da Associação Paulista de Críticos de Artes e um Golfinho de Ouro.

Seus últimos papéis na TV foram a minissérie Hilda Furacão (1998), de Glória Perez, interpretando o velho boêmio Olavo; o especial Enquanto a Noite não Chega, em dezembro de 2000, e uma participação especial na novela O Clone, de Glória Perez, revivendo o personagem Dr. Molina, de Barriga de Aluguel, da mesma autora. Mário Lago gravou a novela no final de 2001, seis meses antes de falecer.

Radialista - No rádio, foi ator, autor de novelas, produtor e diretor. Seu trabalho mais conhecido foi a série Presídio de Mulheres, que escreveu para a Rádio Nacional e que liderou a audiência da emissora durante cinco anos seguidos. Em 1964, com o golpe militar, Mário Lago foi demitido da Nacional.

Escritor – Autor de 11 livros, Mário estreou com a coletânea de poemas políticos O Povo Escreve a História nas Paredes. Poeta e escritor - Sua produção literária inclui os títulos Chico Nunes das Alagoas, Na Rolança do Tempo, Bagaço de Beira Estrada, Rabo da Noite, Meia Porção de Sarapatel, Manuscrito do Heróico Empregadinho de Bordel, Segredos de Família e o infantil Monstrinho Medonhento, seu maior sucesso editorial. Deixou um livro inconcluso, dedicado às memórias das boas “molecagens” que praticou ao longo da vida.



Militância - Desde jovem, Mário se dividiria entre o trabalho artístico, uma intensa atividade política e a boemia. A participação política lhe rendeu seis prisões, a primeira em janeiro de 1932, e a demissão da Rádio Nacional, em 1964, o que resultou em quase um ano de desemprego. Na época do golpe militar, era procurador do Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro, um dos mais combativos do país.

Mário participou de várias campanhas em defesa dos direitos humanos e do patrimônio do país, como O Petróleo é Nosso, Contra as Armas Nucleares, Campanha da Paz (durante a II Guerra), Anistia (décadas de 40 e 70), Contra a Censura, Diretas Já, Pela Condenação dos Assassinos de Chico Mendes etc. No século XX, não há registro de movimento político do gênero que não tenha tido o apoio e a participação direta de Mário Lago. Curiosamente, jamais foi filiado a qualquer partido. A partir de 1989, passou a dar apoio e militância ao PT, mas sem vínculo de filiação.

Cronologia:

26/ 11/ 1911 – Mário Lago nasce, na Rua do Resende, no Rio, filho do maestro e violinista Antônio Lago e de Francisca Maria Vicencia Croccia Lago.

1918 – É internado na Santa Casa, como uma das primeiras vítimas no Brasil da gripe espanhola. Começa a estudar piano com Lucila Villa-Lobos, mulher do maestro Heitor Villa-Lobos.

1920 – Iniciado o desmonte do Morro do Castelo, local que se destinaria às exposições do 1º Centenário da Independência do Brasil e à Exposição Internacional. Mário acompanha toda a obra levado pelo avô, o anarquista Giuseppe Croccia, defensor de ideias desenvolvimentistas.

1923 – Entra para o Colégio Pedro II, tradicional colégio carioca, que, naquele mesmo ano admitiu, pela primeira vez, a presença de mulheres: a professora Maria da Glória Moss, de Física, e uma aluna. Mário lidera uma greve de estudantes contra o uso obrigatório de canecas; é o começo de sua militância política.

1924 – Desiste do piano, pois o estudo lhe exige muita disciplina.

1926 – Publica seu primeiro poema, "Revelação", na revista "Fon-Fon". Começa a trabalhar no jornal "O Radical".

1930 – Entra para a faculdade de Direito da Universidade do Brasil, onde conhece a filosofia comunista. Integra o Socorro Vermelho, grupo que presta assistência a presos políticos.

1932 – Em 21 de janeiro, já na Juventude Comunista, é preso pela primeira vez. Após um comício na porta da fábrica de tecidos Mavilis, da América Fabril. Adota o codinome de Pádua Correia, uma homenagem ao nome com o qual sua mãe queria batizá-lo – Mário de Pádua Jovita Correia do Lago – e que acabou encurtado para Mário Lago, por decisão pai. Ao ser solto, é conduzido por policiais até a fronteira com o Uruguai e ameaçado de morte. Passa dois meses como clandestino no Uruguai, e retorna ao Brasil.
Na volta ao Brasil, entra para o Cordão da Bola Preta, um dos mais populares do Rio. Mário carregava a flâmula da Bola, para o qual fez o hino "Braço é braço", em parceria com Nelson Barbosa.

1933 – Em fevereiro, estreia como autor de Teatro de Revista, com a peça "Flores à Cunha", um sucesso imediato.
Termina a faculdade de Direito e estagia em um escritório de advogados por três meses; desiste da profissão.

1935 – Estreia como compositor com a marcha de Carnaval "Menina, Eu Sei de Uma Coisa", primeira parceria com Custódio Mesquita. A música é gravada por Mário Reis, no ano seguinte.

1936 – Mário e Custódio escrevem a peça "Sambista da Cinelândia", que alcança 200 apresentações. Lago trabalha como redator-chefe do Departamento de Estatística do Estado do Rio de Janeiro Chega a ser nomeado membro do Conselho do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mas não toma posse.

1938 – A música "Nada Além", parceria com Custódio Mesquita, torna-se sucesso na voz de Orlando Silva.

1939 – Escreve, em parceria com o compositor e amigo João de Barro, o Braguinha, argumento e roteiro do filme "Banana da Terra", no qual Carmem Miranda reinventa o traje de baiana e canta "O que é que a baiana tem?", do até então desconhecido Dorival Caymmi. O sucesso é tão grande que Carmem adota a baiana estilizada e, meses depois, segue para Hollywood.

1940 – Uma de suas mais famosas composições, em parceria com Roberto Roberti, "Aurora" é gravada pela dupla Joel e Gaúcho. A música tem repercussão internacional na interpretação de Carmem Miranda. O filme Segure o Fantasma (Hold that ghost), da dupla Abbot & Costello, inclui versão em inglês da marchinha apresentada pelas Andrew Sisters.

1942 – O diretor teatral Joracy Camargo convida Lago a subir ao palco no lugar do galã principal da peça "O Sábio". Assim, por acaso, Mário Lago torna-se ator.
Compõe, em parceria com Ataulfo Alves, o samba "Ai, que Saudade da Amélia", um dos maiores sucessos da música brasileira. Amélia acaba virando verbete de dicionário, sinônimo de mulher submissa, uma interpretação rechaçada pelo autor, que considerava a personagem muito mais como um sinônimo de solidariedade.

1944 – Entra para o rádio, a convite de Oduvaldo Vianna. Trabalha como autor, ator, diretor e apresentador na recém-criada Radio Pan-Americana, de São Paulo.

1945 – Volta ao Rio e é contratado pela Rádio Nacional.

1947 – Em 23 de março, conhece Zeli Cordeiro, filha do dirigente comunista Henrique Cordeiro, em um comício do Partido Comunista no Largo da Carioca, no Rio. Em novembro, os dois se casam.
Estreia como ator de cinema no filme "Asas do Brasil", de Raul Roulien.
A música "Atire a Primeira Pedra", parceria com Ataulfo Alves, é gravada e faz enorme sucesso.

1948 – Por questões políticas, é demitido pela primeira vez da Rádio Nacional. Começa a trabalhar na rádio Mayrink Veiga.
Publica o primeiro livro - "O povo escreve a história nas paredes" -, de poemas políticos, que reforça a campanha "O nosso petróleo é nosso" (mais tarde, a palavra de ordem seria resumida para "O petróleo é nosso").
Nasce o primeiro filho, Antonio Henrique.

1949 – É preso na redação do jornal clandestino "A Classe Operária" e afastado da rádio Mayrink Veiga. Em julho, começa a trabalhar na rádio Bandeirantes, em São Paulo, a convite de Dias Gomes.

1950 – Com o PCB na ilegalidade, é candidato a deputado estadual pelo PST (Partido Social Trabalhista) paulista, como candidato de Luiz Carlos Prestes. Durante a campanha, faz um discurso inflamado, no qual chama o governador de São Paulo, Ademar de Barros, de calhorda. Acaba demitido, pois Ademar é dono da rádio Bandeirantes. Volta ao Rio e à Rádio Nacional.

1951 – Ao lado de Paulo Gracindo, é um dos narradores da famosa novela cubana "O Direito de Nascer". Começa a escrever o seriado "Presídio de Mulheres", que vai ao ar diariamente, durante cinco anos.

1954 – Estreia como ator de TV no programa "Câmera Um", na TV Rio. Na emissora, atua ainda no Teatro Moinho de Ouro. Mais tarde, participa do elenco do Grande Teatro Tupi.

1962 – Integra a diretoria do Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro, um dos mais combativos à época.

1964 – Em abril, é preso em sua casa, em Copacabana, no Rio, pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e levado para a ilha das Flores. É transferido para o presídio Fernandes Viana, na Frei Caneca, e fica preso por 58 dias. É demitido da Rádio Nacional pelo Ato Institucional n° 1, junto com mais 35 colegas da emissora. Passa por situação financeira difícil. Para sustentar a família, começa a trabalhar em fotonovelas.

1966 – Estreia como ator na TV Globo, vivendo um coronel nazista, na novela "O Sheik de Agadir", da cubana Gloria Magadan. Anticomunista ferrenha, a autora tentou vetar o nome de Mário. Foi derrotada pela insistência do diretor da novela, Henrique Martins, e do diretor da emissora, Walter Clark.
Trabalha no filme "O Padre e a Moça", de Joaquim Pedro, abrindo uma sequência de atuações marcantes no cinema.

1967 – Faz o papel de um oficial do Exército no filme "Terra em Transe", de Glauber Rocha.

1968 – Adapta, para a TV Tupi de São Paulo, o seriado "Presídio de Mulheres".
Atua no filme "Bravo Guerreiro", de Gustavo Dahl, e na peça "Os Inconfidentes", que tem direção de Flávio Rangel, poesia de Cecília Meireles e música de Chico Buarque.
No dia 14 de dezembro, um dia após a edição do AI-5, é preso antes de entrar em cena, na peça "Inspetor, Venha Comigo". É libertado no dia 31 de dezembro.

1969 – Em 25 de fevereiro, é preso por ter feito a tradução de um livro sobre a Guerra do Vietnã. Volta à prisão meses depois, quando da visita do senador norte-americano Nelson Rockfeller ao Brasil.

1973 – Atua no filme "São Bernardo", de Leon Hirszman.

1974 – Escreve a peça "Foru Quatro Tiradente na Conjuração Mineira", que é proibida pela Censura.

1975 – Intensifica a sua produção como memorialista. Publica a obra de pesquisa folclórica "Chico Nunes das Alagoas".

1976 – Por sua atuação como o personagem Atílio, na novela "O Casarão", de Lauro César Muniz, recebe o prêmio de melhor ator pela Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA).
Publica o livro autobiográfico "Na rolança do tempo". Inventada por Mário, a palavra rolança também vira verbete de dicionário.

1977 – Lança o livro "Bagaço de Beira-Estrada", sequência de "Na rolança ...".
Com o personagem Antônio Galba, na novela "Nina", de Walter George Durst, recebe o prêmio de melhor ator da Associação Paulista de Críticos de Arte.

1978 – Participa da novela "Dancing Days", de Gilberto Braga. Sua atuação como Alberico lhe rende o Golfinho de Ouro, prêmio do Museu da Imagem e do Som (MIS).
Volta aos palcos, contando casos e histórias, em um espetáculo ao lado do compositor João Nogueira.

1980 – Mário Lago e 35 companheiros são anistiados (alguns "in memorian") e reintegrados à Rádio Nacional.

1984 – Escreve o livro infantil "O Monstrinho Medonhento", seu maior sucesso editorial.

1989 – No segundo turno da campanha para a Presidência da República, declara apoio a Luiz Inácio Lula da Silva e passa a militar no PT.

1991 – Para comemorar seus 80 anos, cria e protagoniza o show "Mário Lago - Causos e canções", dirigido pelo filho caçula e xará Mário Lago Filho. Por quase dez anos, percorreu inúmeras cidades brasileiras. Nas homenagens, é lançado o disco "Nada Além"; recebe o título de Cidadão Benemérito do Rio de Janeiro, e lança o livro "Segredos de família", uma coletânea de poesias, crônicas e fotografias dele e dos filhos.
Volta a compor – sozinho ou em parcerias com o filho, com João Nogueira e com Elton Medeiros.

1997 – Em 10 de junho, quatro meses antes de completarem 50 anos de casamento, morre a sua mulher, Zeli.

2000 – Em dezembro, participa do especial de TV "Enquanto a noite não vem", conto de Josué Guimarães, adaptado por Emanuel Carneiro. Sai do hospital direto para o estúdio, acompanhado de seu médico, Léo Benjamin.

2001 – Em novembro, grava uma participação especial na novela "O clone", revivendo o personagem Dr. Molina, da novela "Barriga de aluguel", da mesma autora, Gloria Perez.
Em 26 de novembro, a Rua Júlio de Castilho, em Copacabana, é fechada para homenagear o seu morador mais ilustre nos seus 90 anos. Lago diz estar "torcendo para chegar aos 100 anos". O então candidato Luiz Inácio Lula da Silva interrompe a campanha para participar das homenagens ao amigo e companheiro.

2002 – Em 16 de janeiro, recebe em sua casa, das mãos do então presidente da Câmara dos Deputados, Aécio Neves, a medalha do Mérito Legislativo. Uma delegação pluripartidária participa da cerimônia.

30 de maio de 2002 – No início da noite, Mário Lago morre em casa, como queria, junto dos filhos e netos, depois de três meses de internação domiciliar. Foi velado no Teatro João Caetano, onde estreou como autor, numa despedida regada a samba e cerveja, de acordo com a antiga tradição da boemia.

"Fiz um acordo de coexistência pacífica com o tempo; nem ele me persegue, nem eu fujo dele. Um dia, a gente se encontra".

*Fonte: http://www.mariolago.com.br


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Das Idéias
em 08/10/2011 20:28:51 (4096 leituras)
Mario Quintana

Qualquer idéia que te agrade,
Por isso mesmo... é tua.
O autor nada mais fez que vestir a verdade
Que dentro em ti se achava inteiramente nua...


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Auto-Retrato
em 08/10/2011 18:17:53 (3723 leituras)
Manuel Bandeira

Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional.


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Pneumotórax
em 08/10/2011 18:12:49 (4576 leituras)
Manuel Bandeira

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
- Diga trinta e três.
- Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
- Respire.

- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
- Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
- Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.


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Se um dia a juventude voltasse
em 08/10/2011 14:28:06 (3423 leituras)
Al Berto


se um dia a juventude voltasse
na pele das serpentes atravessaria toda a memória
com a língua em teus cabelos dormiria no sossego
da noite transformada em pássaro de lume cortante
como a navalha de vidro que nos sinaliza a vida

sulcaria com as unhas o medo de te perder... eu
veleiro sem madrugadas nem promessas nem riqueza
apenas um vazio sem dimensão nas algibeiras
porque só aquele que nada possui e tudo partilhou
pode devassar a noite doutros corpos inocentes
sem se ferir no esplendor breve do amor

depois... mudaria de nome de casa de cidade de rio
de noite visitaria amigos que pouco dormem e têm gatos
mas aconteça o que tem de acontecer
não estou triste não tenho projectos nem ambições
guardo a fera que segrega a insónia e solta os ventos
espalho a saliva das visões pela demorada noite
onde deambula a melancolia lunar do corpo

mas se a juventude viesse novamente do fundo de mim
com suas raízes de escamas em forma de coração
e me chegasse à boca a sombra do rosto esquecido
pegaria sem hesitações no leme do frágil barco... eu
humilde e cansado piloto
que só de te sonhar me morro de aflição



“Rumor dos Fogos” Assirio & Alvim, 1983






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Do Amoroso Esquecimento
em 04/10/2011 14:13:38 (4787 leituras)
Mario Quintana


Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?


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