Textos : 

morreste criança.

 
eras tozé um menino e antes de seres criança foste adulto, o melhor adulto que pisou a terra que ainda piso, eras tozé um senhor e antes de seres senhor já sabias escrever a vida em sapatos envernizados de sola rompida achados no lixo. e se o mundo fosse vivo tozé, se o mundo fosse vivo ele não deixava o teu ar de menino morrer nas mãos do teu pai, o teu pai, o desgraçado do teu pai que entre os goles de aguardente ainda encontrava tempo para te bater, a cabeça contra as paredes, os dentes partidos e as nódoas negras espalhadas pelo teu corpo de criança crescida. eu não sei tozé quantas vezes as estrelas foram testemunhas do teu martírio! eras tozé um menino com o coração embalsamado depois da caçada, fizeram de ti senhor de camisa rota e a dor dos teus compassos de espera ocupava a sala de tantos hospitais que visitaste como se fossem museus onde só entra quem tem mais do que um cartão de crédito na carteira. eras tozé um senhor de cabeça erguida num corpo ferido camuflado pela roupa, a roupa suja pelo tempo não menos sujo que te ofereciam. tozé diz-me, quem foi? quem foi que entrou pela porta do teu quarto naquela noite, quem te fez arder no pecado de te sentires morto nas mãos, as mãos fartas de ti e da tua pele, de tantas outras noites te terem tocado, diz-me quem!


. façam de conta que eu não estive cá .

 
Autor
Margarete
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