Prosas Poéticas : 

INSÓNIA

 
Passei as trevas a velar a Noite...

Pobre Noite, minha!

Grávida de amarguras, insone de sonhos!
E a Lua, lá fora, prenhe de falsa esperança...
Passei a noite a desfiar rosários,
em contas de estrelas descrentes de luz...

Pobre Noite, minha!

Em ânsias de parto, em ondas de dor,
gemendo no eco dos ventos de breu!

...E o Dia que tarda, não se quer dar à luz...

Passei o negrume à cabeceira da Noite,
contei-lhe histórias, para iludir a angústia,
que vinha e voltava, em espasmos de medos
e diluía os uivos dos lobos, nos seus...

Seduzi-lhe o sono, lembrando-lhe dias
que parira em flores e brilhos de Maio,
envoltos em Sol e adormecidos por cantos
de pássaros jovens em enamorados gorjeios...
Acariciei-lhe a fronte, tomei o seu pulso,
mas a pobre Noite, fria,
recusava as forças, desesperava o Dia!

Pobre Noite, minha!

Enfim...
Tomou minha mão e, em eco cavado
em grutas de alma e gritos de guerra,
extinguiu-se, lívida, banhou-se de orvalho,
deu-se à claridade, em estertores de sangue!
E os meus dedos trémulos, ineptos, inábeis,
moldam orfandade em poder maternal,
lavam-lhe com lágrimas os vestígios do parto,
e estendem o Dia a secar ao Sol...


Pobre Dia, meu!


Teresa Teixeira


 
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Sterea
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Enviado por Tópico
MariaJoséLimeira
Publicado: 23/07/2008 17:46  Atualizado: 23/07/2008 17:46
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Usuário desde: 04/06/2008
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 Re: INSÓNIA - Muito interessante...
Achei esse texto muito interessante, pelo poder criativo do seu autor (autora?) A linguagem é rica, culta, e há profusão de metáforas. É um poema bem-resolvido, embora o tema que explora seja lugar-comum. Um abraço, parabéns & Saludos. Maria José Limeira.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 23/07/2008 19:27  Atualizado: 23/07/2008 19:28
 Re: INSÓNIA
Versos intensos, fizeram-me lembrar Augusto dos Anjos, nos seus passeios noturnos...