Poemas, frases e mensagens de Henrique Mendes

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Henrique Mendes

no alto da montanha do adeus

 
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no alto da montanha do adeus

SONETO DA COISA POUCA

 
 
Quantas vezes é preciso apenas alguma coisa tão pouca,
Apenas algo como um toque, um detalhe, um leve carinho,
Para que a vida logo se desenrole num outro caminho,
Se torne bem menos dura, menos feia e menos louca?

Quantas vezes fugimos do que seria mais fácil aceitar,
Numa rebeldia que não é mais que um adiamento feito
Ao momento terrível, de se olhar dentro do peito,
Mesmo já sabendo o que se vai encontrar?

É então que tudo o mais perde o sentido, a razão de ser,
O espelho nos devolve um sorriso desconhecido,
E as horas de um longo dia custam a acontecer.

E jamais se ultrapassa a descoberta o momento lindo,
O ponto em que pudemos ver, claramente acontecido,
Uma porta a fechar-se, e logo uma outra se abrindo.
 
SONETO DA COISA POUCA

DE QUE LONJURAS ?

 
 
De que lonjuras terei vindo,
arrastando-me quase sem o perceber
até hoje, até este lugar e momento ?

Cheguei outra vez naquele dia, o tal,
igual a tantos outros que, como ele,
já foram assim, meio cruéis.

Depois, pairei sobre o momento
e vi-me tristemente sózinho,
perdido numa imensidão
de milhentas linhas por escrever,
sem saber se do meu sentir nascerá algo mais
do que essa partícula de vontade
coada pelas oportunidades do instante,
que até aqui me trouxe, vagamente,
por tantos caminhos desiguais
que percorriam praias só minhas,
onde meus passos se registavam
nas formas efémeras da areia
apenas pelo tempo
que o vento demorava
a esconder-lhes os contornos e
os vestígios..

Terão tido significado ?
Ter-se-ão registado nessa outra memória,
mais profunda e mais durátil,
provavelmente mais importante,
que é a das conchas ?
Não sei, mas apenas me devolvem o olhar,
pacificamente, quando as interrogo,
e não encontro respostas.
Creio que me diriam, se soubessem como,
que “apenas passaste por aqui,
a caminho de algum lugar. E, de ti,
apenas podemos dizer-te isso,
que ias !”
Portanto sei isso, que fui,
que estava indo, que vim,
e que cheguei neste outro ( ou mesmo )
instante.

Cheguei outra vez naquele dia,
o tal, igual a tantos outros que, como ele,
já foram assim, meio cruéis.

Pairo sobre o momento
e volto a ver-me tristemente sózinho,
perdido numa outra imensidão de linhas
ainda por escrever.
E percebo que será sempre assim,
um instante feito de frio na barriga
e com a alma retorcendo-se
pouco disposta a ser ignorada
no que canto, se acaso cantar.

Por isso perdem importância, os meus passos,
cantados assim, contados assim…
Serão sempre os mesmos, erráticos,
em buscas por algo mais
que apenas mais palavras de mais um dia,
em mais outro dia e com mais outras palavras,
até que elas porventura ganhem peso, concretude,
e tendam a eternizar-se, misturando-se, confundidas
com a memória mais perene das conchas…Isto
se continuarem a acompanhar-me em deambulações
pelos areais das coisas efémeras
ainda não escritas.

Se assim for, talvez, um dia,
pairando por sobre um outro instante
encontre na memória, mais nuclear ainda, das pérolas
algum resíduo, algo como um eco.
das minhas histórias
escritas nos braços do vento,
quando estava apenas indo e,
de mim, as conchas apenas
pudessem lembrar-se que ia…
 
DE QUE LONJURAS ?

NÃO RECEIO A VOZ QUE NÃO DIZ

 
Não receio a voz que não diz,
a palavra insuficiente,
o sentimento eternamente revisitado.

Mas há sim um silêncio nas novas manhãs
algo ocas e vãs.
Há um desencontro que talvez
não deva ser encontro.
Não consigo a voz com que digo.
Falta-me sustentação, nesse acorde
que não pode soar pífio.
E emudeço quando escuto ecos de outrora,
dessa voz antiga que ameaça repetir-se
evocando memórias que também são ricas
de dores e males impossíveis de ignorar.
Males que não posso mais querer na minha vida,
mesmo que às custas de tantas coisas boas
que não chegarão a ser.
Assim, quem sabe
se hoje nasce uma outra forma de silêncio,
incompleto como todo o silêncio sempre é,
mas escolhido pelos remates necessários
que a vida nos exige a todos
que saibamos fazer.

Talvez hoje nasça uma outra voz que não diz,
e que não se diz por se saber supérflua.
E não dizendo, assim mesmo deixa saber
que por cima do tempo e das tempestades
sempre há um porto de abrigo
em todos os nossos mapas,
impossível de apagar.
feito de memória, magia e saudade..
A revisitar querendo.
 
NÃO RECEIO A VOZ QUE NÃO DIZ

PERCURSO

 
Corro junto com as águas vindas lá de trás,
da lonjura dos tempos, não de outro lugar.
Com elas, canto canções peregrinas,
vozes borbulhantes de quotidiano comum
nas reviravoltas de um rio tão presente
como esquecido.
Corremos juntos, quando correr
supõe movimentos efervescentes,
espumas brancas
e rumores de seixos entrechocando-se.
E corremos juntos, também, quando somos
apenas uma lâmina verde, estática,
parada na passagem dos dias céleres.
Ou apenas um brilho de prata líquida,
estacionado em noites brilhantes de lua.
Juntos, deixamos para trás a indiferença do mundo,
prescindindo de tudo
o que não possa mudar...
Assim, corremos aliados
em perene testemunho de conciliação.
Elas, vindas de onde eu venho.
Eu, indo para onde elas vão.....

Itapecerica, maio 2007
 
PERCURSO

HAMADRÍADA

 
Ainda vejo ao longe aquela árvore solitária
que um dia viste através do meu olhar.

Deitada na erva, da sombra olhavas o horizonte luminoso
e aquela colina distante, de onde a árvore te observava
como se fosse um espelho de ti, altaneira,
e tinhas os pensamentos simples que uma árvore tem,
quando quer apenas ser, apenas estar.
Da tua pele erguiam-se com simplicidade,
num coro alucinante aos sentidos,
as vozes das tuas raízes profundas
-que nenhuma casca continha,
nem roupa poderia disfarçar.
Era a linguagem antiga da terra quente
sob a erva molhada, repetindo histórias de seivas
por entre sorrisos de lábios férteis.
E os teus gestos eram levezas de vento
em carícias de folhas, como dedos.
roçando por um instante a minha face feliz.

Ainda vejo ao longe aquela árvore solitária.
Enquanto me olha, protege em segredos de sombras
o que um dia viste, através do meu olhar.

Ainda vejo ao longe aquela árvore solitária
que um dia viste através do meu olhar.

Deitada na erva, da sombra olhavas o horizonte luminoso
e aquela colina distante, de onde a árvore te observava
como se fosse um espelho de ti, altaneira,
e tinhas os pensamentos simples que uma árvore tem,
quando quer apenas ser, apenas estar.
Da tua pele erguiam-se com simplicidade,
num coro alucinante aos sentidos,
as vozes das tuas raízes profundas
-que nenhuma casca continha,
nem roupa poderia disfarçar.
Era a linguagem antiga da terra quente
sob a erva molhada, repetindo histórias de seivas
por entre sorrisos de lábios férteis.
E os teus gestos eram levezas de vento
em carícias de folhas, como dedos.
roçando por um instante a minha face feliz.

Ainda vejo ao longe aquela árvore solitária.
Enquanto me olha, protege em segredos de sombras
o que um dia viste, através do meu olhar.
 
HAMADRÍADA

EM QUE FOLHAS ?

 
Já não sei em quais folhas escrevi
aqueles outros versos diferentes.
Aqueles que não falavam de amor,
nem de sentimentos,
mas de coisas em outros lugares,
de projetos e vontades
maiores que os meus dias,
e amanheceres em alegrias,
com cavalos correndo, sublimes,
de narinas fumegantes, cheirando a vida,
em pastos verdes, bufando liberdade...

Também já não sei em que folhas me dei conta
de como estavam diferentes,
os meus versos,
vazios do que eu queria,
cheios de outros significados,
como se me tivesse perdido
em caminhos que não eram meus,
onde as palavras me impusessem vontades
e formassem frases estranhas,
até um pouco indiferentes a mim,
como risos na alegria dos outros...

Mas sei em quais folhas deixei palavras
que testemunham o meu reencontro,
e leio-as numa quase-surpresa,
de todas as vezes que me leio,
como se encontrasse nelas, a cada nova vez,
numa quase simplicidade,
coisas que, somadas, são maiores que eu,
e que nem sequer me explicam,
apenas me complicam
em aparentes verdades,
que nem sei se o são...

Itapecerica, 11/6/2007
 
EM QUE FOLHAS ?

ÁS DEZ HORAS DA MANHÃ

 
Esta é a hora em que o sol escreve as sombras
que aumentam a nitidez das coisas,
e acresce contrastes e suaves relevos
ás planuras insidiosas da manhã.
Com isso, as flores destacam-se,
e crescem para um primeiro plano
como se fossem rostos nos jardins;
personalidades vincadas e exóticas
a desnudarem-se em verde-folha
nos deboches crus e exibicionistas
de um choque estético
inescapável.
É a hora dos grandes passeios lentos,
sem pressas, nem cuidados.
Dos passos erráticos sob a luz dourada
em divagações por praças e ruas,
e dos prazeres simples da memória
para quem se atreve a tê-la.
Nos prédios cheios de gravatas,
é a hora do banheiro redentor,
do cafezinho estratégico,
da olhada sob disfarce ao tirano opressor,
enfeitado de ponteiros gordos e lentos.
São dez horas da manhã.
E eu tentei, mas não pude,
ser poeta, ás dez horas da manhã.
Tentei, mas faltou-me ser possível escolher como destino,
tudo aquilo que apenas se cumpre pelo fado.
Faltou-me um confinamento que eu pudesse derrubar,
uma janela, por pequena que fosse, que pudesse abrir
com um gesto que ninguém soubesse que era segredo.
E um vento que viesse carregado de cheiros salgados,
e brilhos verdes que ondulassem prazeres ao meu olhar,
sempre tão carente de areias e grandes espaços.
Faltou um tempo, corrido entre quilômetros e cansaços,
que desse ao silêncio a oportunidade de ser voz.
Mesmo que baixinha, mesmo que fraquinha e nervosa,
mas que estivesse presente, que marcasse o dia,
que trouxesse, num contínuo sussurrar baixinho,
aquela pulsação primitiva, aos sentidos,
aquela energia vital e naïve com que, na vida,
se escreve em detalhes tudo o que a vida é.
Mas ás dez horas da manhã,
todos os dias, nessa hora perfeita
das dez horas da manhã,
num momento especial em que tudo pára,
eu quero ser poeta.
E, por um momento apenas,
nesse hiato fora do mundo,
só porque eu quero,
o poeta expõe-se e e vive,
tranqüiliza-me por estar ali,
e depois novamente se recolhe e adia,
e o momento passa,
e os ponteiros reiniciam o seu movimento,
e tudo fica como sempre, em espera.
Ás dez horas da manhã...
 
ÁS DEZ HORAS DA MANHÃ

ALMA

 
Encomendei á minha alma
um poema,
mas tudo o que me vai chegando
são apenas palavras-pássaros voando,
( planando em noções esparsas,
não em vôos de garças )
de uma poesia
menor que as sedes do meu dia,
remota e vaga,
( não fruto, mas apenas baga... )
e palavras fracas, confusas,
aspirações difusas
de sombras em becos
onde soam ecos
e vozes em suave agonia...
(não o poema que eu queria !)

Talvez o meu poema, afinal, não seja
essa coisa luminosa, benfazeja,
e chegue por entre as palavras e as vontades,
encolhido em vergonhas de novidades
e subtilezas de bodas só suas...
( como cânticos ao luar, de sereias nuas... )
 
ALMA

MULHER AMADA

 
Foram sonhos leves
que a medo ousei sonhar,
ao sonhar contigo.
Em ânsias de ternuras,
sonhei carícias maduras
de amor antigo,
quando te quis porto de abrigo
na inquietude do meu mar.
( quando te quis fogo, no meu lar,
e caminho do meu regresso,
- em beijos o sucesso
de cada olhar...)
E tudo o que esperei,
e mais do que ousei
esperar,
suavemente,
lentamente,
me deixaste ser,
ir ou ficar,
dia após dia,
e, em profunda bonomia,
sonhar novos lugares,
arfar em outros ares;
murmurar entredentes
o sentir de outras gentes,
e tocar bem fundo
esse outro mundo
que, por ser meu,
também é teu...
 
MULHER AMADA

E SE UM DIA

 
 
..... e se, um dia, eu não conseguir

renascer dessas palavras

que sempre renascem de mim,

se um dia eu não escutar

no meu íntimo um silêncio claro

onde ideias me peçam conclusões,

será então que eu vou parar

num lugar qualquer

de um qualquer lugar,

buscando uma sombra calma

onde tirar os sapatos dos pés

e, com eles fincados no chão,

sentir as vozes mais profundas

que há na terra e o seu chamamento,

se o houver.

Há-de haver águas deslizando silenciosas,

passando, macias, rumo a destinos só delas.

E outras haverá em vozes roucas, agrestes,

ásperas, mas vagas como risadas distantes,

num tremor constante eternizando

combates contra as rochas

duma costa que lhes é hostil.

Há-de haver, hei-de senti-lo,

há-de chegar-me aos pés um calor doce

de colheitas por fazer,

de flores nascendo por aí, num acaso

sem razão aparente,

e algumas vibrações rítmicas de passos

em viagens só suas.

E sonhos! Hei-de sentir a vibração

dos sonhos transformando-se em vida.

E um quase silêncio dos desapontamentos ácidos

atapetando eras inteiras.

Há-de haver risos de crianças, sem razão,

só porque sim, límpidos e despreocupados, claro,

porque não ?

Há-de haver amor, e todos os ecos de mundos

que por ele se descobriram.

E num toque mais morno,

mais indefinido e vago, sentirei aquela

tremura forte, impossível de ignorar,

das coisas realizadas, conquistadas,

obras que foram ficando...

Da terra chegarão aos meus pés forças

e chamados, atraindo-me, convidando-me a ficar,

até que acabe ficando.

Mas e se não for assim?

Se descobrir, surpreso, que não vai ser assim,

mas mais imediatamente,

de outra forma qualquer?

Então não pararei num lugar qualquer

de um qualquer lugar,

nem terei tempo de renascer nas palavras

com que quereria dizer adeus.

E nem fará diferença.

Talvez algum outro Poeta as encontre e,

juntos, renascerão por mim...
 
E SE UM DIA

QUANDO HOUVER COMO

 
 
Quando houver como,
vou escrever um poema de amor
que seja da cor da noite.
Onde não apareçam as palavras alvas
dos entendidos e dos cantadores,
para ninguém o eternize naquelas purezas
em que ninguém mais crê.
Onde não haja tampouco
aquela sapiência juanesca
gritada em ecos nos palácios,
nem desesperos de virtudes arrebatadas,
imoladas nos altares
de solidões inconfessáveis.
E que o meu poema não tenha
nenhuns desses heróis antigos,
incansáveis dueladores
estafados em justas inúteis,
defendendo honras ténues,
que eles mesmos perdiam...
Quero-o escuro,
cor da noite cúmplice,
onde uma pitada de medo
possa acrescentar gostosos perigos
áqueles longínquos passos inocentes,
que ninguém mais cogitou escutar.
E quero-o sujo do barro dos caminhos,
e impregnado dos segredos das sombras
de todas essas esquinas
onde esperas intermináveis
temperaram sentimentos fortes,
com maravilhosos devaneios.
E espero que tenha todos os ruídos
do papel dobrado, amarrado com fitas,
onde vagos vestígios de cheiros
ainda evoquem o perfume e os anseios
de esborratadas e sempre eternas juras.
Que meu poema
contenha o sonho e a vertigem,
o sobressalto e a insônia,
as memórias de lábios e de mel,
os brilhos de todas as intenções,
e a cumplicidade dos deuses,
para que nunca seja definitivo,
e eternamente se renove em fervor...
 
QUANDO HOUVER COMO

VERSOS NA PRIMEIRA PESSOA

 
 
Eu acredito que sempre soube que, comigo, seria assim.
Que iria virando esquinas, mas que jamais esqueceria as ruas,
e que os tons cinza, como mapas encardidos nas paredes nuas,
trariam consigo os risos ocultos das outras cores, por fim.

Com essas cores fui pintando a imagem da cidade conhecida,
decompondo-a nos detalhes de cada revelado recanto,
sentindo-lhe o pulsar subterrâneo e o vigoroso encanto
com que se desnudava e abria aos meus passos, oferecida...

Por isso foi andando que a penetrei, num lento progredir.
Conheci-lhe todos os meios, todas as horas, todos os cheiros,
quem a erguia e compunha, e os passantes apenas, romeiros
de um caminho já pronto para se percorrer, e se usufruir.

Caminhei a cidade até á exaustão, até a saturar dos meus passos.
Até reconhecer as caras daqueles que a amavam da mesma forma,
sem obediência a nenhuma regra, nem seguindo qualquer norma,
mas, como eu, apreciando-lhe as feições, decorando-lhe os traços.

E foi na cidade, e nos seus mistérios e tantos segredos,
que me soube maior do que me sabia, ou apenas adivinhava,
e percebi que haveria ainda uma outra estrada, jamais sonhada,
por onde ainda me lançaria afoito, apesar dos medos...

copyrightHenriqueMendes/2009
 
VERSOS NA PRIMEIRA PESSOA

A TODOS OS MEUS AMIGOS

 
Conhecer-me através da minha poesia, é trilhar o caminho do tapete que eu quis vermelho, para recepcionar o mundo.

E, se ele for bonito, se-lo-á em atenção áqueles a quem quero acolher o melhor que me for possível - aqueles que resolvem, por minha mão, aceitar que as palavras se amassam com a alma e, juntas, formam o barro primário e especial que é a matéria-prima de artesanias muito superiores á da mera comunicação.

A esses, querendo conhecer-me dessa forma, em vez de um simples "obrigado", direi, á maneira da minha cidade natal, algo que considero muito mais expressivo: " bem hajam ! "

A todos, o meu abraço !
 
A TODOS OS MEUS AMIGOS

GRITO

 
Às vezes, apetece-me gritar ao espaço
um grito livre de todas as peias,
distante de todos os medos
e vazio de todas as angústias.
Um grito terrível, animal
e sem significado.
Um daqueles gritos
em que a alma se rasga ...
Um grito selvagem e livre,
como só um grito pode ser...

E no silêncio seguinte,
reconstruir as manhãs de sol
e os cheiros das coisas...
Tornar obrigatórios
os sabores pálidos das frutas raras,
e os perfumes das flores noturnas...
E descobrir em todos os dias seguintes
um amanhã diferente do meu amanhã de sempre...

( como se fosse o último grito,
o último amanhã,
ou a última vez ! )

Portugal, Sto Amaro de Oeiras/1987
 
GRITO

PENSA NISTO !

 
Não te esqueças que hoje,
talvez aqui mesmo na tua rua,
porventura em algum canto de algum jardim
que amarias se o conhecesses,
há palavras que te buscam,
Poetas que se dão ao teu prazer
sem medo de serem ignorados.

São de hoje, frágeis,
talvez demasiado suaves
e sem as oportunidades
que muitos, para parecerem cultos,
dão aos Poetas de outrora.

Não há tempo para escutá-los?
São-te indiferentes ao ponto
de não os sentires na rua?

De não os identificares
por esse olhar comum que derramam
sobre este mundo em que caminhamos todos?

Não lhes escutas a voz
por debaixo do que dizem,
ciciando as subtilezas dos seus segredos,
as palavras que anseiam dizer
e que provavelmente anseias que te digam?

Até nas praias
as ondas marulham com os seixos
comentários sobre a areia e as marés…
 
PENSA NISTO !

A MISTICA DOS SONHOS

 
Por um breve momento,
senti como são alegres os sonhos.
São como aspirações simplificadas,
rebeldes na sua crueza e insistência.
Na alegria com que nos enchem as mentes,
levando-nos ao melhor de nós.
Sonhos, são escolhas individuais,
profundas, em estado original,
aspirando concretudes
com a alegria das coisas fáceis,
desconhecendo limites de tempo, e
de lugar. Imediatas!
Tristes, são os momentos mofados.
As certezas que nos impusemos pela vontade.
A obediência ao rigor necessário.
As concessões, em sorrisos brandos.
Os passos controlados, menores que os caminhos.
Os suspiros, quase silêncios, conformados.
As escolhas em que teimamos.
Tristes, são as noites vazias, automáticas,
sem contraponto, nos dias.
As linhas com que nos escrevemos,
com que erguemos nossas histórias,
desmentindo-se, noutros significados
das mesmas palavras.
Tristes, são os pés de barro, quebrados,
das estátuas que erigimos a deuses
que teimam em parecer indiferentes.
Contudo, nesse breve momento,
de sonhos alegres,
e de alegria nascida dos sonhos,
com tudo o mais banhado naquela luz dourada
nascida de dentro,
com todas as ânsias reticentes aplacadas,
sublimadas em projetos essenciais,
mesmo que vagos e indefinidos,
nesse momento senti que aprendia
a mais simples de todas as lições:
- que o mais importante, eu já sabia!
Que o sonho, era o caminho.
Que tudo o mais, vem depois.
Que quando o sonho já é tido,
O mais importante já está feito.
Que dar-lhe forma, ao sonho,
é só questão de jeito...
E que não se sonha pouco.
E que nunca, nunca, se sonha demais !

Setembro 2007
 
A MISTICA DOS SONHOS

NAVEGANDO

 
Hoje não, que o mundo é outro,
são outros os momentos,
e o chão, por baixo dos pés,
é firme como as rochas
que os barcos mais receiam,
nos baixios,
em atávicos temores...
Mas houve outros tempos,
em que caminhei sobre os mares,
e deixei pegadas de sal no convés,
em marcas que não eram caminhos.
Antes eram carinhos...
de outros amores,
feitos entre ondas e sentimentos
querendo despontar,
num tempo sem tempo,
por sobre o mar...,
enquanto sentia nas mãos o peso do vento,
caçado na vela,
e por cima do silêncio
um outro silêncio,
feito dos ruídos dela
gerando movimento...
(- gemidos em vozes de sisal,
mais altos, esticados,
e respostas mais graves da madeira,
vibrando, à sua maneira,
emoções em tom profundo,
falando o silêncio do mundo... )

Itapecerica, 16/6/2007
 
NAVEGANDO

MULTIPOLAR

 
São cheios de encantos, os meus dias.
Neles encontro
momentos mágicos,
em que me refaço de dores e canseiras
de que também gosto.
Neles escuto as vozes
que a vida sopra em sopro lento,
melodias, num espaço-tempo
criado equidistante.
Uma fala-me das coisas acontecendo
em quotidianos displicentes de mim,
onde só aconteço por puro acaso...
Outra, diz-me das vontades e dos sonhos,
em suaves palavras contidas
e formatos meigos
em róseos albores
- divinas cores
em telas de acalanto.
De mais uma
escuto vontades e lamentos,
esperanças e tormentos,
desejos trocados,
gemidos de amor, sussurrados,
carícias em gestos mansos,
olhares e meigos prantos...
E, de muitas outras,
de longe e perto,
me chegam recomendações
e cuidados,
murmúrios de paixões,
cheiros desmaiados
rosas-flores vagas,
erva-doce ao vento
em campo aberto...

De todas me componho.
Em todas me escuto,
como se num eco de vida.
E a todas transgrido
para me encontrar.
 
MULTIPOLAR

OS MESMOS PASSOS

 
Caminhei sempre perto
de outras verdades
tão fortes quanto a minha,
sem me ver nos seus espelhos,
nem escutar em seus conselhos
outras vozes,
insinuando-se na minha voz,
outras sombras na mesma luz,
recortando ao meu lado
os mesmos passos sós...

Caminhei altaneiro,
desatento
cavaleiro do vento,
romeiro
em graças de conquistas poucas,
amores raros em noites loucas,
borrões dourados
em verdes veredas
florindo acasos...

Itapecerica, Março 2007
 
OS MESMOS PASSOS