Poemas, frases e mensagens de MjoãoMartins

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de MjoãoMartins

Lugar de sonho

 
Cansada desfaleço nas margens do meu rio
Enquanto águas turbulentas se acalmam
Vergando por fim os juncos quebrados
E no sonho me prendes, pássaro ferido
Sem força na asa para uma lágrima minha
Ao longe a aurora espreita, serena
Ajeitando o ninho para onde me levas
O único lugar onde morrem todas as madrugadas

Maria João Martins
Outubro 2009
 
Lugar de sonho

Às vezes...

 
Às vezes...
Rasga-se esta vontade inquieta, permanente e fria
De desfazer em poeira a dolência dos dias
De reduzir a noite à preposição mais clara
De sorver da alma um hálito novo
Às vezes…
Embriagam-se os passos dementes
E no fio que me escreve apreso a vontade
Esta infame e impensada agonia
De querer que o presente se transforme em saudade
Às vezes…
Tudo é menor que a lua que brilha
E nem lagos nem fontes saciam o nada
De ser e não ter a verdade incomum
De ficar adiada no tempo, perdida e achada…
Às vezes

Maria João Martins
Dezembro 2009
 
Às vezes...

Na dobra da noite

 
Na dobra da noite, é o silêncio que me toca a ponta dos dedos e me leva até à janela.

Eu fico ali, de vida debruçada, madrugada fora à espera de mim.

Quando por fim me abraço, no tacto quente de um reencontro, já o sol me espera para se entrançar no meu cabelo, enquanto a lua se despede do meu olhar, levando com ela tudo o que me ensinou sobre a solidão.

Maria João Martins
Novembro 2010
 
Na dobra da noite

Singular modo de amar

 
No contorno fino dos teus lábios
Adivinho-te em palavras
Protegidas de outros verbos
Nuas, frias, lassas
À espera que das minhas, nasçam
Os milagres que te confortam
Mas ouves leves cicios apenas,
Da alma que um dia cantou ao vento
Em fogo lento
E hoje é gélida ave sem asas
Sem penas
Presa à inevitabilidade do tempo
Recuo pois, nas premissas
Nas certezas que me lastimam
E concluem o que não posso dar-te
Beijo-te apenas
Sigilando no abismo do silêncio
Este meu singular modo de amar-te

Maria João Martins
Abril 2010
 
Singular modo de amar

Não sei de onde vens

 
Não sei de onde vens
Nem de que és feita
Sei que contorces a minha terra sem fruto
E cobres-me o peito de melancolia
Agonia perfeita de um poço lodoso
Deserto impiedoso de espinhos e cardos
Fardos sem fim
Quando vais, não sei porque voltas
Nem porque te enleias em mim
E na sombria ilusão dos teus laços
Partes-me o sol aos pedaços
Silencias-me o siso e o riso
E sem malmequeres ou papoilas
Semeias-te no meu jardim

Maria João Martins
Maio 2010
 
Não sei de onde vens

O beijo perdido

 
Corpo curvado e olhos postos no chão, era assim a figura dilacerada daquele homem, que diariamente, no momento em que os dois ponteiros do relógio se juntavam às 12 horas, entrava pela enfermaria.
Ao longo de duas semanas, dia após dia, os passos tornavam-se mais pesados, arrastando uma amargura infinita que teimava não desaparecer.
Alberto, seu nome era Alberto.
Ao entrar, os olhos tristes procuravam a presença do corpo de Manuela, a sua princesa de há 35 anos, que se mantinha ali agora, inerte, passiva, naquele sono profundo, sabe-se lá com a alma perdida em qualquer ponto ensombrado do cérebro.
Abeirava-se dela com cuidado, o cuidado de quem não quer sobressaltar aquele que tranquilamente dorme, afagava-lhe o rosto e beijava-lhe a testa. “ Boa noite, meu amor!”
Era esta a frase que marcava o início e o fim daqueles encontros diários, carregados de sofrimento e fé, de esperanças perdidas e renascidas, de desalentos e recordações.
Por entre sorrisos e lágrimas, desfolhava na memória o livro dos dois, revivendo pequenos e grandes momentos das suas vidas que haviam ficado gravados em páginas eternas. Páginas de um casamento feliz que cresceu em afecto e respeito.
Mulher bonita e carinhosa, Manuela já era florista na praça, quando se conheceram e ele, agora reformado da função publica, era na altura um empregado de restaurante, mesmo ali ao lado da Ribeira.
Foi bonito o namoro deles, timidamente assumido e depois, gostosamente saboreado com os ímpetos próprios da paixão. O casamento, marcado às pressas porque a gravidez já não podia ser disfarçada, foi bonito também. Assim como foi bonita a vida deles, marcada por muito sacrifício conjunto, mas também muita determinação e força. Apoiavam-se mutuamente. Ela mais condescendente e sempre conciliadora, ele por vezes irascível e sempre bastante orgulhoso.
Tiveram alguns desentendimentos, pequenos arrufos. Coisas que a convivência diária provoca e que naturalmente, também resolve. Nada que tivesse abalado em algum momento aquela união terna e doce onde geraram e criaram três filhos.
Manuela fazia questão de nunca deixar que a zanga perdurasse para além do dia e à noite procurava sempre de uma forma ou de outra a reconciliação. Dizia ela que o sono era como uma viagem e por isso gostava de se despedir com um beijo sereno e de adormecer em paz. Mas o orgulho de Alberto, algumas vezes era mais forte e teimava em adormecer de costas voltadas, retomando o sorriso apenas pela manhã.
Naquela tarde de sábado, e por um motivo que nem Alberto já se recordava bem, tinham-se desentendido. Manuela estava menos tolerante, aquela dor de cabeça constante e a latejar, tirou-lhe o discernimento e a zanga ficou no meio dos dois, congelando os afectos.
Quando o sol veio render a fria madrugada de domingo e Alberto desenhou um sorriso para oferecer à mulher como se fosse um malmequer silvestre, sentiu nela uma respiração irregular e ruidosa, virou-se na cama e olhou para o seu rosto, pálido, inexpressivo.
“ Manuela, meu amor, acorda!! “
Manuela ficara presa na sua viagem, algures entre o sonho e a vida, no labirinto das conexões nervosas não irrigadas, do seu cérebro.
Desde há duas semanas que permanecia assim, sem regresso.
Alberto inconformado, esperava poder em qualquer momento recuperar aquela noite, em que se deitaram juntos pela última vez, para agora sim, se despedirem em paz, como ela tanto gostava e darem o beijo perdido de boas noites!

Maria João Martins
Julho 2010
 
O beijo perdido

Voltará a ser primavera

 
Adensa-se o céu,
na contemplação dourada dos plátanos,
que vencidos pelo cansaço e no desejo de noite,
se vergam ao pasmo das nuvens desfeitas.

É nesse infinito de sombras,
que se inebriam as folhas,
regressando ao pó, em círculos e voltas
e a ele se rendem em dádiva,
num sopro asfixiado de vida,
alento e alimento,
no esperado rigor da geada.

Por isso, e no adil do inverno,
sorri de esperança, a raiz cravada na terra,
porque quente é a seiva dormente
e isso, sendo um pouco de nada,
é tudo o que tem o tronco despido,
para se manter erguido,
acreditando,
que voltará a ser primavera.

Maria João Martins
Novembro 2010
 
Voltará a ser primavera

Envelopes de coragem

 
Era sempre o dia mais esperado, aquele que trazia o sol para dentro de casa, embora a inevitável noite voltasse, quase de seguida. Mas o que importava mesmo, era aquele momento único em que todas as inquietações desapareciam por breves minutos, e crescia a ilusão de ser e ter um pouco mais.
O Patrão chamara-a e entregara-lhe o envelope, dizendo: “Continuamos a contar contigo”.
Quatrocentos e dez euros e vinte cêntimos. Apertou o sobrescrito nas mãos e pensou em todos os dias que o relógio, obstinada máquina do tempo, lhe ditava o imperativo maior de levantar o corpo da cama morna, onde dormia só.
Pensou nas horas em que as costas lhe reclamavam repouso e ela, ignorando-as, continuava na apanha da batata, ou na monda nas estufas.
Pensou na solidão e nas pernas cansadas.
Pensou na sorte que tinha, de não ter sido despedida e sem um ai ou qualquer outra queixa, prendeu tudo lá dentro, no lugar mais fundo de si, em memória de António que o Senhor o tivesse em descanso. Ele haveria de se orgulhar dela, como lhe prometera quando o fora a enterrar. Por via de todo o amor que lhe dera, nunca mais haveria de ter outro homem e faria dos filhos, gente nobre e valente.
Pensou no sorriso dos dois meninos a saírem de casa pela manhã, de mochila às costas e barriguinha cheia de cevada e pão com doce de tomate, feito por si.
Quatrocentos euros tinham que chegar, que os outros dez, mais os vinte cêntimos, já estavam destinados para pagar a água.
A caminho de casa, passou pela mercearia do bairro, comprou o pão de centeio e pediu ao Sr. Manuel que lhe trocasse o ordenado em notas de vinte. Era assim mais fácil dividir o pouco e menor a sensação do nada.
Em casa, com o sol ainda a aquecer-lhe a alma, pegou nos envelopes de papel já moído. No da renda da casa, juntou cem aos duzentos e cinquenta euros que já lá estavam, da sua pensão de viúva. Contou mais três notas de vinte e colocou-as no seguinte, para a luz e gás. Voltou a pensar no sorriso dos filhos e pôs de parte quarenta euros, para os sapatos novos do João e para o blusão do Pedro. Iria à feira, talvez desse para mais alguma coisa. O resto, guardou-o no terceiro envelope junto com o abono, para comprar a sobrevivência. Para eles, claro, e para os coelhos e galinhas que medravam na capoeira e mais para o adubo das alfaces e para os tomateiros que haviam ficado encomendados.
Se calhar, não chegava...
A noite caía novamente, fria, a ensombrar-lhe o olhar e a vida. Ainda deixou cair duas lágrimas, lambeu-lhes o sal e secou-as com a manga do casaco. Renunciaria à tristeza com todas as forças, tal qual sua mãe, noutros tempos. Arrumou tudo na gaveta da mesinha de cabeceira e saiu para a horta.
Enquanto apanhava as laranjas, e as couves para a sopa da janta, pensou na alegria dos filhos que em breve chegariam a casa e se abraçariam a ela e decidiu falar no dia seguinte com a Alzira, sua amiga de infância. Ela haveria de lhe arranjar umas escadas para lavar ao domingo, lá nos prédios novos onde trabalhava.

Por Deus, haveria de chegar!

Maria João Martins
Maio 2010
 
Envelopes de coragem

Vazia de azul

 
No mar

a espuma amarga
uma revolta
um fundo mais fundo
areia coberta de pedras

e na minha boca

uma voz ferida
resignada
vazia de azul
a morrer-me de silêncio.

Maria João de Carvalho Martins
2012
 
Vazia de azul

Talvez me arrume

 
Acordo para lá das horas, quando o dia já se viveu pela metade.
Uma espécie de caos instala-se em mim, invade-me as têmporas, cega-me os olhos, e rouba-me a harmonia em que sempre me protejo, como num casulo vazio de dúvidas.
Não sei o que me preocupa e, no entanto, tenho a mente ocupada de palavras, como se uma rebelião se anunciasse dentro do meu cérebro. Tropeço em mim e, na desordem, procuro organizar este amontoado de pensamentos que me interrogam, desarrumando as coisas certas. Olho-me ao espelho e não gosto de me ver aqui. Olho o meu corpo e não entendo, o que faço eu, regressada em atraso, a este espaço que me é cubículo de palavras. Queria não o ter habitado. Queria não ter voltado. Queria ser livre para me poder estender sobre as nuvens e deixar tombar, na terra ainda humedecida pelo choro da noite, este peso que me rouba o movimento espontâneo de mim mesma, sobre a superfície corpórea das coisas, onde me penso. Onde sou. Onde penso que sou.
Mas a terra já secou, na metade do dia que deixei morrer de inutilidade.
Escrevo.
Escolho ver-me no desenho das letras. O sol já vai alto, e talvez seja mais fácil descobrir na forma das minhas sombras, a mesquinhez da minha existência, e render-me assim, à grandeza do verbo que vive da eternidade do tempo em que se soletra, nos olhos de alguém. Escrevendo, talvez encontre utilidade nas mãos agarradas a estes braços que já se saturaram de mim, e solte dos dedos, uma espécie de ânsia de voar, aprisionada por esta minha natureza solitária. Escrevendo, talvez me arrume junto do entendimento das coisas inexplicáveis e, talvez, quem sabe, alguém me veja por dentro.

[/size]

Maria João de Carvalho Martins
2012
 
Talvez me arrume

Aconchego poético

 
Por vezes, sento-me nas horas e encosto-me nos ponteiros. Sinto o tempo a vibrar dentro de mim impaciente, como que a dizer-me o quanto é breve. Ignoro-o. Pego nas metáforas e deixo-me levar no caminho dos poetas. Aconchego-me nos versos. Nos deles e nos meus, que entretanto me percorrem, timidamente, a delinearem-me a alma.
O tempo....
O tempo entretanto, desiste de me lembrar que parte e eu não me importo!

Maria João Martins
Novembro 2010
 
Aconchego poético

Ausências

 
Sinto que os passos te levam para longe
No sono absoluto dos dias
Arrancando da árvore o fruto gerado
Estarei onde me deixas
No exacto segundo onde me procuras
Além, onde saramos todas as feridas
E o amor tem formato de perdão

Maria João Martins
Dezembro 2009
 
Ausências

Magia de Setembro

 
Desfaço o ângulo morto
Da queda lenta de uma folha
E quando penso que já não sou
Eis que me embalas
No canto manso dos teus beijos
E doce, nasce de nós o vento
Que é aroma de mosto quente
Tronco de um corpo renascente
E esperança de todas as manhãs

Maria João Martins
Setembro 2010
 
Magia de Setembro

No nada que sou

 
Despida por astros que gravitam em céu aberto
E me salvam das nuvens onde tropeço, incauta
Deslindo o enigma do tempo de ser tanto
No nada que sou
Ao sabor dos aromas do vento
Que trazem e levam a minha própria poeira
E nela me deito e me perco
Sem eira nem beira
Cega de sol e de assombro
Espalho as palavras na areia
Semeio-as nas pedras da rua
Solto enganos em céu aberto
E a alma se despe de mim
Deixando-me nua

Abril 2010
 
No nada que sou

Preciso-te

 
Preciso saciar-me em ti
Entrelaçar as memórias nos teus olhos
E sentir-te marear no meu corpo
Contornando as minhas tempestades
Preciso que me recebas assim
Candeia faminta sem luz
Na dor que me atormenta, gota a gota
E nela te faças rio de água minha, salina
Depurada em tua boca

Maria João Martins
Junho 2010
 
Preciso-te

Fala-me de amor

 
No tempo findo das borboletas,
fala-me de amor...

Dos teus dedos soletrados no meu rosto
enquanto durmo
e das acácias que me deixas sonhar
presa a ti.

Fala-me do laço das asas
no delírio das aves
e da mansidão dos teus olhos
quando me beijas.

Fala-me de amor
e deixa-me morrer
enquanto te oiço.

Maria João Martins
Novembro 2010
 
Fala-me de amor

Para além do arco-íris

 
Há segredos
Que ocultam vícios
Dismorfias
Carícias infames
Pérfidas
Impróprias
Frias
No abuso das horas
Há lamentos vazios
No bafo quente dos lobos
Que dizem ser homens
Há silêncios
Há degredos
Na vergonha dos segredos
Há rios de vida que morrem
Em nascentes abafadas
Há verdades esborratadas
Pelas asas dos morcegos
Há medos
Deixai que a arca se abra
E se solte sem demora
A verdade amordaçada
Aprisionada
Nessa caixa de Pandora
Olhai com mais atenção
O orvalho que cai encoberto
Às vezes mesmo tão perto
Da árvore que é raiz
Um olhar de amor inteiro
Que em dia soalheiro
Vê a criança infeliz
Para lá do arco-íris
Em muitos desenhos de cor
Existe um risco negro traçado
No rosto de quem devia ser flor

Maria João Martins
Setembro 2010
 
Para além do arco-íris

Cumplicidade

 
É ser do ventre
a polpa de fruto diferente
E ser no gesto cruzado
o reflexo nascente
verso de um mesmo lado
É ser presente no olhar de frente
e ser fio de luz que brilha
num sol já iluminado
É ser beijo e aguarela
Tela de mundo inteiro
É ter nas mãos um canteiro
Onde cresce trigo doce
E seara de centeio
É partilhar ternura
Num jardim, a duas mãos semeado
É sentir perfumado o futuro
Num coração que pula
Com outro a ele agarrado

Maria João Martins
Outubro 2010
 
Cumplicidade

Aves raras e seus umbigos

 
Esvoaçam com belas plumagens
Esses pássaros de rapina
Pensando que ganham asas
Rastejar é sua sina

Suplicam por atenção
Nem se suportam de vaidosos
Por fora é só beleza
Por dentro são rancorosos

É de inveja que se alimentam
Quando outras aves ousam voar
A vida só pode girar num sentido
Aquele em que se julgam brilhar

Faço versos e não sendo poeta
Vejo a vida como ela é
É que embora sendo diferentes
Nenhum de nós morre de pé

Prestem amigos bem atenção
Porque é com razão que vos digo
Para muitos sendo o que são
Tão pequenos, são só umbigo.

Maria João de Carvalho Martins
2012
 
Aves raras e seus umbigos