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A morte de um pombo

 
Talvez o vento lhes corresse de feição, para voltarem ao mesmo lugar, mas não. Atordoados nesta manhã nublada, as suas asas deixam um novo tracejado entre as nuvens que se sobrepõem sobre o Tejo, mas a corrente sempre parada no cais, não se mistura com as primeiras chuvas que amolecem o solo nesta parte da cidade, sempre em rebuliço. Uma ambulância atravessa as ruas com o seu sinal revelando prioridade. Quem sabe o que se lá passará. A sirene de um carro da polícia avisa que há um morto, ou dois, resultado de um acidente grave no Batista Russo. Mas o Tejo, esse sustenta ainda os barcos atracados no cais.

Os pombos em grupos organizados sobrevoam uma quinta abandonada, talvez em busca de alguns restos de comida. Ali, já houve sinais de muita abundância: um jardim a precisar de cuidados, os bancos em forma de meias luas, já se enchem de eras e de ervas daninhas. Na encosta que leva a um outeiro, ainda lá está a casa que deu vida aquele espaço abandonado, mas não dá sinais de que more ali alguém. Dali, a vista é deslumbrante sobre o Tejo. Os pombos conhecem bem aquele e outros locais desta parte oriental da cidade. Ruas estreitas, casas a cair de podres, tascas fechadas, fábricas desactivadas e as avenidas novas a indicar de que houve mudanças na cidade.

Ao fundo entra-se num espaço, idílico, e o Tejo sempre em festa. Barcos na Marina, prontos para seguir viagem, os passadiços de madeira, levam-nos até ás vistas da Ponte Vasco da Gama. Aí as correntes esperam por mais um grupo de renome, por mais um dia de passagem para a Margem Sul. Uma cidade dentro de outra cidade, onde as pessoas são belas, as crianças brincam, as esplanadas estão cheias e as águas do Tejo, paradas, sempre paradas.

Ali mesmo ao lado, há idosos que espreitam algum indício de uma nova vida, deixando para trás um passado ainda vivo a escorregar por um fio até à extinção da quinta abandonada e das gaiolas dos pombos que ainda insistem em permanecer. É manhã e os carros buzinam na passagem de peões. Um pombo caído impede-lhes a passagem. Uma mulher, pega nele e leva-o pendurado pelas asas. É chegada a hora do almoço.


Maria Al-Mar
Enquanto Mulher


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Mira(douros)
 
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Dakini
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Enviado por Tópico
Alexis
Publicado: 23/08/2010 13:39  Atualizado: 23/08/2010 13:39
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 Re: A morte de um pombo para dakini
gostei de ler dakini.surpreendeste-me por aqui,num estilo bem diferente do que "dakini" nos costuma mostrar.boa prosa descritiva,com surpresas incluídas também ao nível "do que acontece"...
será que a mulher vai cozinhar o pombo para o almoço?!
keep on going!

beijo,
alex