Poemas : 

Literatura Zé Carlos

 
A análise literária é a extrema-unção da escrita livre.
A literatura é uma imagem esbatida de cenários que nada traz de novo a tudo o que já foi inventado.
Catalogar de superior o produto meramente lúdico que escorre da produção literária e subdividir esteticamente com base em posições de principio e concepções filosóficas, o que é boa ou má escrita, é a negação do teor universal da palavra e um atentado classicista declarado de forma arrogante aqueles, que no exercício da vontade de comunicar ou simplesmente existir em escrita compõem textos que dão empregos a vendedores de vento e calões militantes,estudantes da FLUL,inuteis catedráticos, que se embrenham em recensões criticas e interpretações subjectivas do que não pode, não é, nem deve ser alvo de análise ou desmontagem para aferir das condições de escrita de cada um.
Escrever é o movimento dinâmico da sensibilidade individual.
Consagrar génio aos renomeados e eternos chupistas que arranjam maneira de ganhar dinheiro sem fazer força, é uma ofensa ao meu amigo Zé Carlos que é o encanto real da escrita na condição de servente da construção civil quando com beleza, assina o recibo do ordenado, com a única escrita que aprendeu na vida…assinar o nome!



Para o Zé, génio da literatura que ganha dinheiro a escrever o nome, todos os fins de mês...no recibo do ordenado.



Os telhados escorregam em orvalhos todos os baldes de massa que alombam os meus cansaços, três por um, para rebocos, para roços, para um casal com duas filhas, assoalhadas escritas à força em segundas-feiras de cinema com a Lídia no intervalo a comer gelado de pistácio…
A Lídia… tem o ouro de uma pulseira, gravada em pelintrice, que articula com blusas, cor de sábados de feira.
Um T 0 em Massamá, armazena, massas, arroz, um aparelho midi e um DVD de trinta euros avariado há sete meses.
Lá em baixo a rua, o amassador, a betoneira e o Toni de pá na mão a assobiar Benguela, o porto do lobito e a empresa de uma viagem que salpica agua e cimento nos prédios altos de Lisboa.
O instante é incorpóreo a sete andares do meio do chão, uma lata de conservas e vontade de voar, voar para não morrer, voar para nunca desaparecer, voar para dentro do cinema e comprar á minha Lídia uma obra de pistácios.
Réguas, níveis, os pretos fumar a erva num crioulo imperceptível a chapar na parede suor africano residente na Damaia…
Eu, aqui a olhar o chão, o lá em baixo, o Toni e os piropos em kizomba ás miúdas do liceu.
O Toni, não tem cinema, não tem Lídia nem Massamá que lhe rebente com a saudade.
Contava-me entre conservas e cervejas assim mornas, a música do adeus á cidade de Benguela…Saiu numa coluna das nações unidas a seguir a um cerco da Unita, embalaram-no á pressa com a mãe de lenço branco a chora-lhe o adeus forçado…destino Lisboa.
Os dramas em despedida deixam ventos de guerra calados durante anos…
Três quartos de hora depois da partida aterram no Zaire para apanhar outro voo.
O Toni, que nunca tinha viajado, concluiu o primeiro alinhamento de ideias, de um miúdo de 13 anos que nunca tinha saído do seu sitio…os Portugueses são pretos e falam todos francês.
Esta merda com lágrimas até a mim me fez chorar e pedir mais duas minis.
Hoje a olha-lo lá em baixo aos gritos de “olha a massa”, tenho vontade de voar, transformar-me em avião e leva-lo para Angola.
Tenho de trabalhar pôrra…três por um, cinco por um, que há um casal com duas filhas que dançam ballet e estão numa escola privada à espera para morar, para entrar, para, invadirem o sétimo andar que me dá para o cinema e para os mimos da Lídia.
A Lídia anda cansada, cansada de lavar escadas, de fazer comer, cansada de lavar a loiça, cansada do part-time que faz no supermercado no intervalo de mulher a dias…e é mulher todos os dias.
È uma mulher simples, muito bonita, meiga…mulher dum gajo das obras que gosta de finais felizes na sessão da meia-noite.
Este mês dou-lhe um anel!
Qualquer coisa baratinha que ajude a pulseira a valer mais dez tostões, dou-lhe um abraço na cama á beira de adormecer a construir prédios de amor no fundo de dois cansaços num T 0 em Massamá…
O instante é incorpóreo a sete andares do meio do chão, uma lata de conservas e vontade de voar, voar para não morrer, voar para nunca desaparecer, voar para dentro do cinema e comprar á minha Lídia uma obra de pistácios.

PS:Zé, foi o que se arranjou!
Um dia destes, ensino-te a escrever: Amo-te Lìdia!

 
Autor
lapis-lazuli
 
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