Contos : 

Barco Negro - 3º Capítulo

 
Acordei com o nascer do sol no dia seguinte. A minha energia era tal que tinha já adiantado o trabalho da minha avó. A minha avó quando acordou, ficou surpreendida por aquela energia e chamou-me.
- Mariana, sentes-te bem hoje?
- Nunca me senti tão bem!
- E esta energia deve-se toda ao pescador?
Senti-me corar, mas não podia mentir. Era de ti que eu gostava, que eu amava! Sentia isso! Confirmei as duvidas da ti Antonieta, a mulher talvez mais sábia da aldeia.
- Se é com ele que Deus quer que estejas, então eu não te proíbo.
- Obrigada avó! - Abracei-a como se fosse o último momento que estivesse-mos juntas. Era bom receber convicção de alguém que temos respeito.
- Segue o teu destino, o teu fado. O fado não significa só má sorte. Mas está atenta, filha! Nunca se sabe se um homem ama ou não uma mulher.
Compreendi aquele aviso e abracei novamente a minha avó.
- Bem, eu vou abrir a taberna.
- Eu já a vou ajudar, avó.
- Até já, filha.
E a minha avó saiu. Ouvi os passos dela lá fora na rua. Fui apanhar a roupa . Enquanto apanhava as peças de roupa cantava o fado. O fado de cada um.

Bem pensado
Todos temos nosso fado
E quem nasce malfadado,
Melhor fado não terá!
Fado é sorte
E do berço até a morte,
Ninguém foge, por mais forte
Ao destino que Deus dá!

Lá em baixo, na rua, passavam peixeiras, conhecidas minhas. Elas ouviram-me cantar e falaram-me:
- Ó Mariana! Rapariga, estás sempre a cantar! Mas tu nunca paras? - Gritou-me a mais velha.
- Parar é morrer! - Respondi-lhe.
- Bem dito e bem certo. -Respondeu-me. Desde que sejas feliz... Adeus!
E começaram a caminhar pela rua. E eu cantei o fado delas.

No meu fado amargurado
A sina minha
Bem clara se revelou
Pois cantando
Seja quem for adivinha
Na minha voz soluçando
Que eu finjo ser quem não sou!

E elas agradeceram e foram, com aqueles versos cantados no coração. E eu retomei.

Bem pensado
Todos temos nosso fado
E quem nasce malfadado,
Melhor fado não terá!
Fado é sorte
E do berço até a morte,
Ninguém foge, por mais forte
Ao destino que Deus dá!

Então notei que ali estavas, na rua olhando-me, como se fosses o único público daquela minha actuação.
- Ó Mariana! - Gritas-te. - O que é o fado?
- Não sei! - Respondi.
Pareceste admirado perante aquela resposta. Como se eu tivesse errado o significado de uma palavra facílima. Como se tivesse feito uma conta errada.
- Eu tenho de ir, mas já volto!
Então cantei-te.

Bom seria poder um dia
Trocar-te o fado
Por outro fado qualquer
Mas a gente
Já traz o fado marcado
E nenhum mais inclemente
Do que este de ser mulher!

Lançaste-me um beijo e acenas-te. Deste alguns passos em frente, até ao fim da rua. Depois voltaste-te de novo para mim e gritas-te:
- Eu volto! - Por fim desapareceste.

Bem pensado
Todos temos nosso fado
E quem nasce malfadado,
Melhor fado não terá!
Fado é sorte
E do berço até a morte,
Ninguém foge, por mais forte
Ao destino que Deus dá!

Quando voltei a olhar para a rua, vi um homem de chapéu na mão, acabado de tirar.
- Ó menina! - Chamou.
Deduzi que estaria a falar comigo pois para mim olhava.
- Diga! - Respondi.
- A menina tem uma bonita voz! Já pensou em mostrá-la?
- Mostrar a quem?
- Ao bom povo da Nazaré!
- Não, muito obrigada mas tenho mais que fazer. Talvez a mostre se precisar.
- Então se precisar venha à taberna d'O Velho Pescador, não sei se conhece...
- Conheço, muito bem. É a taberna da minha avó! Mas acho estranho a minha avó mandar para lá cantadeiras!
- Eu é que lhe sugeri. Ela confessou-me que o negócio ia mal e então eu sugeri-lhe a fazer daquilo numa casa de fados. Mas se a Antonieta é sua avó, então você deve ser a Mariana.
- Sou pois.
- Bons olhos te vejam. Não te lembras de mim? Sou o teu primo Artur, aquele primo da tua avó.
- É bom reencontrá-lo primo! Espere que eu já desço...



Pedro Carregal

Este terceiro capítulo faz homenagem a um dos grandes sucessos de Amália Rodrigues enquanto jovem, O Fado De Cada Um.
 
Autor
PedritoDomus
 
Texto
Data
Leituras
584
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
0 pontos
0
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.