Poemas : 

Ruíram os pombos, depois as flores, incapazes de se segurarem

 


Um capitalista-Chanel visita a bolsa pela última vez
Traz um dos netos do Cavaco por uma orelha
Arrasta-o quase
O puto não percebe patavina do que se está a passar

Um velho pergunta-lhe se quer segurar o martelo que inaugurará a sessão
O rapaz hesita, até porque na plateia especuladora não reconhece ninguém
Um homem, vestindo uma farda de botões dourados, dá-lhe uma ajuda:

- Vês este retrato em moldura doirada? É o teu avô a comer bolo-rei

O puto que há no rapaz, deseja um baloiço
Talvez uma taxa em sentido descendente, umas ações da feira da ladra, mas tem medo
Não sabe o que faz ali. Quer regressar rápido ao colégio Inglês
Onde os croquetes são fritos em óleo fula, por raparigas-nanys
Incapazes de atingirem orgasmos sociais porque foram vítimas de mutilação genital

Não o deixam

Colocam-lhe o martelo nas mãos, indicam-lhe um sino rotário

O rapaz badala, a bolsa abre
Um bando de abutres rouba-lhe a juventude

Entrará nos pupilos do exército pela mão do avô, já carcomida pela traça
A avó, patrocinada pela mesma clínica que levou a mulher do Soares à imortalidade
Não conseguirá falar por queda da língua

Ao lado, de câmara não mão, o filho do Passos, rebelde como um pastel de nata
Relatará tudo na revista da juventude pró-nazi
Pagam-lhe ao quilómetro para ser o arauto de uma nova era

Seu pai, entretido em mentir a si próprio, perde o nariz num cozido à portuguesa
Despede-se dos funcionários públicos com um sorriso cínico

E o povo, o povo
Toca concertina, canta ao desafio com rimas gastas e repetidas

Em cada verso falhado os artistas de merda do meu país em chaises-longues

Ruíram os pombos, depois as flores, incapazes de se segurarem
Mas no fim de tudo, há sempre um carteiro para exumar Neruda
E fazer justiça pelas próprias mãos

É uma questão de esperar, no intervalo de um Porto-Benfica
No intervalo entre o medo e a bala

Quem for capaz de amparar as pétalas cadentes do capitalismo
Que dê um passo em frente

E volte atrás


O meu verdadeiro nome é José Ilídio Torres. É com ele que assino os meus livros.
Já publiquei 12 obras em géneros diversos: crónica, romance, conto e poesia.
Foi em 2007, aqui no Luso, que mostrei pela primeira vez.

 
Autor
SilvaRamos
 
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Enviado por Tópico
gadanha
Publicado: 19/03/2013 11:34  Atualizado: 19/03/2013 11:34
Da casa!
Usuário desde: 13/12/2012
Localidade: nesta seara
Mensagens: 393
 Re: Ruíram os pombos, depois as flores, incapazes de se s...
muito bom. muito bom... mesmo. contemporâneo, marcante e, sem perda, sociopolítico.
gostei sem reservas.