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Confissões de um aprendiz de escriba - II

 
II

DJ falava alto, gesticulava e cumprimentava todos os conhecidos que passavam. Era seis e meia da manhã e ele amanhecera ainda porre.

- "Ainda vou trabalhar - disse-me interceptando-me bem na esquina da Rua 19 com a Avenida Sarney Filho, abraçando-me e ao contemplar a minha vistosa braba exclamou com sua voz engrolada pelo álcool - "Essa é de responsa, meu poeta".

DJ estava sem camisa, apenas com um calçãozinho caseiro, moreno com uma compleição normal sem barriga, trabalhava no centro perto do Mercado Central numa loja de vender bicicletas que o mesmo passava o dia todo montando-as. De vez enquanto caia num pifão durante os dias úteis. Mesmo neste estado ressacado não perdia o dia, o patrão não reclamava, precisava dele, era um funcionário exemplar e eficiente. Quando bem grodeado brandia em voz alta e batendo no peito: "Eu que sou o gerente da Bike Centro". Desvencilhei-me e continuei a minha caminhada desejando-lhe 'um bom dia de trabalho' - "Valeu, meu poeta - pro senhor também" agradeceu-me afetuosamente; "Vou mais tarde". - Conclui em pé no meio da calçada com seu olhar adormecido

Dona Helena, a simpática cliente da Rua 30 veio reclamar da tinta que pintei o portão e ainda não secou. Eu e Jean Gaspar fomos ao Convento selecionar mais uns livros que deixamos para apanhar depois e vendermos em algum sebo. Os melhores ficamos. A serra cortou a ponta do meu dedo indicador da mão esquerda quando serrava o 'S" da cruz da Senhora do América do Norte.

Concluo feliz a boa leitura do romance "O Crime do Padre Amaro" do gênio de Povoas de Varzim"., passando algumas horas encantadora na cidade de Leiras. Chateado e preocupado com Dona Helena, a simpática cliente da Rua 30 zangada por causa da maldita tinta que o mestre Cominho me emprestou e não quer secar. Ingeri uma cápsula de Fluoxetina que um amigo me arranjou uma cartela e agora no entardecer mais uma para suavizar os sentimentos angustiante que me atazanou-me o dia todo desde a hora que a simpática Dona Helena reclamou. Entrei em pânico com essa inusitada situação. Li a "Confissão de Lucio" do escritor português Mario de Sá Carneiro que suicidou-se num quarto de hotel em Paris vestido a rigor. Confesso que achei belo e confuso o texto, mas gostei.

 
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r.n.rodrigues
 
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