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Rogério Beça | Publicado: 02/11/2019 09:06 Atualizado: 04/05/2020 07:06 |
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Re: Conclusão de solidão
Longo.
Há um apelo no breve, até no curto que me tem visitado. Podemos constatar a contragosto que nada dura. Nada é, certamente, eterno e esse mesmo nada é efémero. A paixão é efémera, o sorriso e o seu comparsa riso são breves. Na sua grandeza o espanto tem um tempo tão pequeno. Com sorte podemos registá-lo. Livros e livres. Um jogo simples e inteligente de palavras que será um tipo de aliteração quase extrema. O por E. O quinto e sexto versos colocam o leitor numa condição. O que faremos com livros se não formos livres? Não é fácil a pergunta seguinte: Se não houverem livros seremos mesmo livres? Ainda que não devamos desvalorizar a tradição oral, o saber cairia apenas nos de boa memória. É verdade que há muito sítio sem livros. Nos desertos não há árvores de fruto, menos ainda papel. Os regimes ditatoriais são pródigos em fazer fogueiras com eles. Queimarão a liberdade também? De livros e livres tanto há a dizer. Embora o movimento seja circular nesses versos. Há tanto de infinito num círculo. Ilusório, é claro. A frase por dizer durante o sono do sujeito poético coloca-o com um protagonismo acentuado. O detentor da frase. Será uma que só ele a sabe, ou será que é o único com coragem ou lembrança para o fazer. Esse sono com que começa o poema é um indicador que pode ser auto-imposto ou uma imposição. Para mim não é perfeitamente claro. A ausência dessa frase nesse período é que não é coincidência. Tenho uma repulsa intensa pela perfeição. A ideia de felicidade, para mim, assim como deus ou futuro, é fruto da abstração, um desaire da nossa mente (mais ou menos) cognitiva, coisas do pensamento. A felicidade perfeita entra então em conflito com as minhas ideologias e em consonância com o tom sarcástico e pouco cómico da primeira estrofe. O sujeito poético é também uma parábola em tudo semelhante ao da Bela Adormecida que espera o beijo do príncipe. Não posso deixar de referir que toda a atmosfera desta primeira estrofe me reporta ao 1984 de George Orwell. A ideia de condicionamento das acções por limitação vocabular deixou-me rendido a essa obra prima. A ideia do consagrado, nesse livro, é tão simples como difícil de construir. Valha-nos o Gin. Porque a opinião não deve ser um delito. Curioso que colocas o acordar como começo da segunda estrofe. Dividindo a acção, além do poema. A nível estrutural houve esse cuidado. O acordar velho coloca o leitor perante a metáfora de distanciação temporal (Para a Aurora foi cem anos) mas também o velho como os trapos, estragado, inútil, destroçado, o-fendido. A maturidade, na maioria dos sobreviventes, traz o cinismo, a cautela, a subserviência, a corrupção… “…não havia mais professores nem lições de frontalidade…” O papel que temos todos na vida uns dos outros, com aprendizagens geralmente duras, e a frontalidade exige coragem para dar e receber, mexe muito comigo. Quando o aluno está pronto o mestre aparece. Este talvez seja um ditado chinês. O que o poema nos transmite se já não houverem mestres (ou professores)? Será porque nunca mais estaremos prontos? Há também algo de Maquiavel nesta estrofe. É espectável que aquilo que não é feito pela frente, é por trás. As notas no piano têm números. A música toda ela é matemática. Calculável, calculista. Além do lado mágico que emociona. Todo o desalento em crescendo e decrescendo, em ondas, circunda um poema que senti uma necessidade visceral de comentar. A começar pelo Longo, que quero que seja o meu viver, mas que espero que seja pela soma de vários momentos breves. Um poema muito só. Obrigado Abraço. Bem-vindo\a aos meus favoritos |
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