Quase parti numa dessas madrugadas sem lua,
onde até o poste parece cochilar de cansaço.
Quase deixei a chave girada por dentro,
pra que ninguém mais me procurasse —
nem mesmo a culpa, que sempre chega tarde
com o bafo quente do arrependimento.
Quase deixei um bilhete —
mas quem lê bilhetes hoje em dia?
A modernidade deletou os adeuses escritos à mão,
e os digitais são frios demais
pra conter o último suspiro
de alguém que se esvaziou sem barulho.
Quase chamei por ela —
a mulher que virou tatuagem invisível
e cicatriz que arde até na ausência.
Mas meu orgulho é um tirano bêbado,
e minha boca só sabe cuspir silêncio
quando transborda demais.
Quase pedi perdão à minha mãe,
pelos olhos vermelhos, pelos portões batidos,
pelas noites que ela passou
esperando um filho que nunca voltou inteiro.
Ela sempre soube —
mas fingia acreditar no “tô bem” que eu repetia como reza.
Quase acreditei em Deus.
Mas Ele também quase me respondeu…
e se escondeu atrás de um domingo qualquer,
entre o gosto amargo do vinho barato
e uma oração que não passava do teto.
Quase morri algumas vezes,
mas sempre me faltou coragem pra morrer bonito.
Fiquei ali, entre a lâmina e a pele,
fazendo acordos covardes com o vazio.
E o vazio, esse filho da puta elegante,
nunca falha no combinado.
Quase escrevi um livro que prestasse,
mas a vida me atropelava entre capítulos.
Quem quer ler sobre um cara que se autossabota
e ainda ama a ex
como se ela fosse redenção e inferno ao mesmo tempo?
Todo santo dia é uma sequência de “quases”:
quase sadio, quase são, quase salvo.
Quase homem. Quase fé.
Quase poeta.
E é nesse quase que eu existo:
feito sombra que sonha com corpo,
feito lágrima que ensaia virar mar,
feito cicatriz que se recusa a fechar.
Ainda não morri.
Mas às vezes, só às vezes,
eu respiro como se quisesse.
Quase nos deixar ....