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PROCESSOS NA MESA O começo

 
PROCESSOS NA MESA

O começo
Estava chateado e cansado do blá-blá de todos os dias da minha amada reclamando a falta de dinheiro, que tomei uma drástica decisão. Dois irmãos meus estavam empregados no Tribunal de Justiça do estado, ambos colocado por um desembargador amicíssimo e até aparentado do velho Bamba, quando fora corregedor-geral de justiça.
Um dia conversando com o motorista dele no carro oficial, um luxuoso Comodoro com ar condicionado e chapa preta que me levava para fazer um serviço de solda na mansão do dito cujo, ousei perguntar-lhe se havia possibilidade do doutor arranjar um empreguinho para mim no tribunal. Seu Vital, o robusto motorista adiantou-me, que eu deveria ter paciência pois o doutor seria o próximo presidente do tribunal, assim ficaria mais fácil.
Em janeiro de 1996, o amigo do velho Bamba assumiu a presidência. Fiquei naquela, vou ou não vou e o tempo corria, ainda fui umas três vezes até a porta da mansão dele, mas não senti firmeza e voltava
Quando finalmente criei coragem era junho. Vesti a melhor roupa embolorada e cheirando a naftalina e encarei -o, levando um envelope com uns recortes de jornais com umas reportagens sobre mim..
Era sete horas da manhã. Um PM em farda de passeio encontrava -se na porta e olhou-me duramente e meio desconfiado. Disse-lhe que queria falar com o doutor desembargador e que era também o filho do ferreiro Bamba. Abriu a porta e entrou meio sem vontade com a cara amarrada. Minuto depois voltou com uma feição mais sociável e mandou-me segui-lo até um terraço atrás da garagem. O meritíssimo sentado num banco de ferro fundido, vestido num robe de chambre, apertou-me a minha mão fria, mandou-me sentar ao lado e procurou pelo velho Bamba.
Fiquei um pouco nervoso, mas abri o verbo e contei-lhe o proposito da minha visita. Expliquei-lhe a minha situação, com os serviços escassos na oficina e etc e tal. Ouvia com um bom juiz analisando um caso, com os braços cruzados no peito.
- Meu filho, o serviço lá paga mal e pouco e o salario é o mínimo – disse-me a guisa de arrefecer meus ânimos.
- Doutor, essa salario baixo me serve, por que assim poderei me planejar, quero voltar a estudar – abrir o envelope, tirei os recortes e mostrei uma reportagem sobre um dicionário russo que havia organizado, deu uma olhada e um leve sorriso aflorou no canto de seus lábios.
- Tu estudas russo?
- Sim, senhor. – Respondi meio acanhado
Balançou a cabeça satisfeito, devolveu-me os recortes e encarou-me.
- Bem, nesse momento não posso fazer nada. Estamos em época de eleição. Mas vou começar a pensar no teu problema no ano que vem, verei o que posso fazer.
- Então posso ficar tranquilo?
- Não – alterou a voz – não estou te prometendo nada. Ainda vou pensar no teu caso a partir de janeiro, entendeu?
- Sim, doutor. Estendi-lhe a mão, ele a apertou e assim encerramos nosso encontro
Chamou o PM que me acompanhou até a porta, abrindo-a para mim sai. Na rua respirei aliviado, o passo inicial foi dado, agora era esperar esses longos seis meses. .Fui direto para a lojinha da minha amada, que estava roendo as unhas mais ansiosa do que eu.
- E ai? – perguntou-me com os olhos brilhando.
- Ficou para o ano que vem! – respondi e segui para oficina no beco de seu Eneas no bairro do Portinho
II
Um ano depois em maio de 1997 fui chamado a residência do digníssimo excelentíssimo sr. Desembargador J* presidente do egrégio Tribunal de Justiça. Estava sentado numa farta mesa de café, trajando um robe de chambre de seda, apontou uma cadeira para mim sentar e falou-me enquanto a criada servia-me o café.
- Estou arrumando as coisas para ti lá no Tribunal. Vai amanhã falar com a minha filha Doutora* que é a minha secretaria particular. Ela vai te ajeitar teu emprego.
Despedi-me feliz, quase beijava-lhe as mãos, respirei aliviado e não via a hora de chegar a loja e contar a novidade a minha amada Van.
No outro dia, todo bem produzido, o rosto rapado três vezes, o sapato brilhando dirigi-me ao imponente Palácio de Justiça Clovis Bevilacqua na Avenida Dom Pedro II. Subi até o terceiro andar, ao gabinete presidencial e fui barrado por um PM maçaneta, que anunciou-me que a filha do homem não se encontrava e dai começou o meu calvário de gato e rato, e quando conseguir encontra-la deu-me uma longa lista de documentos e para meus dois irmãos já empregados lá, pediram apenas o RG e o CPF. Começou a luta para tirar esses documentos que incluíam até os meus certificados de conclusões do ensino fundamental e médio – acho que a filha dele não foi muito com a minha cara. Por ser o preferido dele.
Então resolvi encontrar-me novamente com o excelentíssimo Sr. Presidente, mas tudo conspirava contra. Então lembrei-me que certa vez falou que precisaria de dois ferrolhos para porteira de sua fazendo em Cururupu. E assim os fiz e numa manhã bem cedo fui novamente a residência dele presenteá-lo, o homem ficou feliz e perguntou-me como estava indo as coisas. Expliquei-lhe tudo, ele se irritou e disse-me:
- Encontre-me amanhã as dez no gabinete da presidência. Eu vou dar um jeito nisso, certo.
- Sim senhor!
As dez em ponto nos encontramos, mandou-me esperar enquanto saia com uma baixinha e minutos depois voltou e mandou-me acompanhá-la até a sala do departamento pessoal. Ao entrar sentir o ambiente pesado e anormal. Uma senhora bem vestida, atras de uma enorme mesa mastigava uns cubos de gelo ao lado a filha do homem meio sem graça que sorriu amarelamente para mim e comportou-se menos arrogante como de costume. Ouvi a senhora do gelo sussurra-lhe nos ouvidos discretamente:
- Quem é esse? – E olhou menosprezadamente dos pés a cabeça e mastigando o gelo.
- Esse é o filho de um grande amigo e talvez até primo do meu pai.
Pediram o RG e o CPF que xerocaram imediatamente. Procurei uma agência do banco do estado para abrir uma conta. E assim fiquei a espera da portaria que foi outro drama, duas semanas depois finalmente o recebi designando-me com datilografo e lotado no Juizado Especial Cível e Criminal de um bairro qualquer, apenas cinco horas de expediente por dia e dois salários mínimos e o que encabulou meus irmãos, com quinze dias apanhar o meu primeiro contracheque. E para minha grande tristeza nesse dia o excelentíssimo sr. Presidente veio a óbito com infecção generalizada, mas deixou bem empregado.


 
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efemero25
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