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DEVOLUTAS

 
Tags:  SONETOS 2025  
 
DEVOLUTAS

As terras do sertão são de ninguém.
Devolvidas a quem jamais foi dono,
S’estendem sem cultivo; no abandono,
À espera d’um progresso que não vem.

Povoadas pelos sós que nada têm,
D’ali, tanto o patrão quanto o colono
Partiram com as bênçãos do patrono,
Cuja capela a ruir mal se sustém.

As penhas espalhadas no planalto
Parecem reluzir pela amplidão
O sol que nos fustiga a solidão.

Ainda assim, eu vou sem sobressalto
A um deserto de gentes parecido:
Sem porteiras nem cercas; desmedido.

Sobrália - 15 06 2025


Ubi caritas est vera
Deus ibi est.


 
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RicardoC
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Enviado por Tópico
Benjamin Pó
Publicado: 11/08/2025 19:31  Atualizado: 11/08/2025 21:28
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Mensagens: 847
 DEVOLUTAS p/ RicardoC
.
R. M. Rilke escreveu nas "Cartas a um Jovem Poeta" uma frase de que me lembro muitas vezes e que mais uma vez recordei no final da leitura do teu poema: "Entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas – eis o que se deve saber alcançar."

Penso que a imagem do sertão que trazes para estes versos tem este sentido. Algo sublime que, ainda que intimide pelo seu tamanho "desmedido", tem uma grandiosidade que revela muito do que somos enquanto humanos.

Já agora, parece haver um contexto histórico e social verídico nas primeiras quadras. Queres contextualizar para os leitores que não são brasileiros? Obrigado!



Enviado por Tópico
AlexandreCosta
Publicado: 12/08/2025 16:43  Atualizado: 12/08/2025 16:43
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Mensagens: 1296
 Re: DEVOLUTAS
se fossem terras que gerassem lucro, todos as quereriam, até matariam por elas!
Que seja a natureza a tomar posse e que floresça por lá! :)

abraços


Enviado por Tópico
Katz
Publicado: 13/08/2025 12:13  Atualizado: 13/08/2025 12:13
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 Re: DEVOLUTAS Para RicardoC
Olá Ricardo, quanto tempo não leio você! Mas me sinto um grande privilégio!

Que poesia vasta e silenciosa.

Senti nela o cheiro seco do sertão, aquele calor que não é só do sol, mas também da ausência. É como se sua poesia tivesse caminhado por uma terra que é corpo e memória ao mesmo tempo um lugar devolvido ao nada e, por isso mesmo, livre para ser tudo.

Essas “terras de ninguém” me parecem também um coração que já foi ocupado e que hoje repousa, esperando um cultivo que talvez nunca venha, ou que só venha quando o tempo e o vento decidirem. As pedras no planalto, brilhando sob o sol, são como pequenas teimosias de beleza no meio da solidão e isso me enternece.

E no fim, o caminhar “sem sobressalto” para um deserto desmedido é quase um voto de paz com o vazio.
Aceitar o horizonte nu, sem cercas, sem donos, só o passo e o vento como companhia. É lindo demais, poder viajar em suas palavras!

É um poema que fala de abandono, mas também de liberdade, aquela liberdade que às vezes dói, mas que abre o céu inteiro diante de nós.

Muitos beijos
Infinitos abraços

Katz