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Diario de Oficina & Pensão - VIII

 
Segunda-feira, dez de dezembro

A buzina da locomotiva da Vale ecoa por todos os cantos e recantos da área Itaqui-Bacanga. Despertei-me as quatro e meia da manhã pelo canto canoro de um passarinho que desconheço o nome, que tem um ninho no alto do poste, sobre o transformador. Abro uma banda da folha da janela para ouvi-lo melhor. O sr. Vince todo circunspecto voltava de sua caminhada matutina, ainda estava escuro.
Uns tímidos e tépidos raios solares insidiam sobre as fachadas das casas em frente. Seu Obina pitando o 'carêta'. Um mecânico finalmente conseguiu convence-lo que tem de comprar um cabo novo para a embreagem. . Queria fazer uma gambiarra, amarrando-o com arame. O fartum da lixeira empesta o beco. Seu Obina confere alguma coisa na sua porta-cédula vazia.

Duas horas depois a cancela do chiqueiro estava pronta e exposta na calçada a espera da dona.. Devoro dois beijus bem amanteigados que Jean Gaspar deixou de manhã cedo. Estou estafado, desde das seis horas que estou na luta braba com a cancela. Falta apenas concluir as argolas do carroceiro Rafael. Moído até a alma.

“Aleluia! Aleluia!” A dona da cancela veio busca-la. Paguei adiantado dois enrolados de presunto queijo. A bursite continua perturbando a minha paz temporária.
Seu Carlitos com uma sacola de pães, mas sem o boné, dormiu no chão de uma casa em construção na invasão. Estava mamado de Caninha do Engenho. Descobriu uma paixão. Vai colocar um entulho e a dona vai lhe pagar com favores sexuais.

Pensão - começo da tarde - Paguei a Sra. Vince e comprei, mas uma lata de Glacial. A pensão está cheia, a 'nora' e seus rebentos e outros abusadinhos. Chove pesado sobre a vila., queria lembrar-me onde li que James Joyce escreveu "Neva sobre toda a Irlanda" - acho que foi Henry Miller, não tenho bem certeza. Os pingos estatelam-se no cimento do terraço. As latas de cervejas congelaram, surrupiei a última, vou abri-la daqui a pouco. Sou obrigado a bebe-la rápido, a espuma erupciona como a lava de um vulcão.
A chuva ameniza, o céu continua fechado por nuvens plúmbeas e um galo rouco insiste em cantar. Finalmente o resto da cerveja descongela e encho o copo. Relia alguns tópicos do Almanaque Abril de 2013.

Acordei com a vista em petição de miséria, hiper-inflamado, que quase nem consigo abri-los. Digitei o oitavo capitulo de Diários de Oficina - recrudesceu os relâmpagos e trovões. Acendo a lâmpada e cai o temporal com muito vento. Apago-a e volto a deitar-me olhando para o teto e pensando no estrago na oficina, esqueci de colocar os baldes debaixo das goteiras

Terça-feira, onze de dezembro

Meu coração confrangido, muita chuva, imagino com estará a oficina? Oh! Deus tenha piedade. Devo pensar também que existem pessoas em pior situação que a minha.

As seis e meia, debaixo de um chuvisco e muita preocupação sai da pensão da Sra. Vince. O encontro casual com o velho general das forças desarmadas - conversas amenas e nostálgicas, relembrando a terra natal dele, Camocim no Ceará. Mas em frente o filho dele Seu Riba com uma sombrinha debaixo do toldo do box de Seu Carrinho Cotia - papo furado e sem nexo para desanuviar o clima tenso que borbulhava dentro de mim. A balconista da padaria, uma pixixitinha branquinha bonitinha em pé porta, desejou-me um bom dia.

Só farei sucesso de venda dos meus livros depois da minha morte - e será bom para o meu herdeiro natural
Aleluia! Aleluia! Quinze reais de uma solda.

Seu Obina encorujou-se na cadeira e Delegado chegou, calçado num par de botas bem lustradas, que espelhava-se nela. Calça impecavelmente branca, uma camisa preta de manga comprida e a barriga proeminente. Sem que ninguém lhe perguntasse, falou que iria no Senai buscar o certificado de betoneiro. Mas teve um maledicente que comentou: "Que nada ele vai é beber cachaça por ai".

Uma boa manhã - vinte reais se dissiparam rapidamente - Cervezas, birras, Bier e aqui estou no meu quarto de pensão, deitado num colchão nu, uma bomba d'agua funcionando em algum lugar e as pixixitinhas abusadas brincando no terraço. Pensei que a Sra. Vince esquecera a lata de Glacial, mas para minha desagradável surpresa, cobrou-me e sem opção paguei-lhe os meus últimos três reais. Requentei uma miscelânea de sobras de domingo. O encontro na oficina de dois garanhões - Velino e Blindex - ambos comem a mesma marmita.

Começo a reler "John, chauffeur russo" de Max Du Veuzit, pseudônimo da escritora francesa Alphosine Zephine. Esmorecido e desanimado não digitei nada, apenas assisti o resto do filme "Uma ponte longe demais", o documentário "Jornada da Vida - rio Yang-tsé" - com a repórter do Fantástico e outro da alemã Deustche Welle sobre o círculo polar ártico em espanhol

Bebi quinze reais - tá certo isso? Depois fico reclamando que nunca tenho nada, não compro livros, só enchendo a cara como um idiota enriquecendo os donos de bares e das cervejarias.

Quarta-feira, doze de dezembro
13 dias para o Natal

Um sol tépido desponta sem pressa no horizonte e no Japão e arredores anoitece.
- Ontem naquela chuva, estava no Sá Viana, passou dez "carrinhos" e nenhum parou para mim, vim debaixo dela, fazia tempo que não apanhava tanta chuva. Cheguei aqui ensopado - lamentava-se Seu Obina sentando-se na cadeira e puxando do bolso da bermuda um maço de Might e o acendendo. Depois tirou do outro bolso o seu smartphone e foi ver seus vídeos pornô-eróticos que as suas paqueras mandam para atiça-lo.
Delegado e a enorme caixa de som, senta-se no banquinho ao lado dele e ficam deliciando-se com as cenas picantes. Seu Obina de supetão se levanta e sai, Delegado muda-se para a cadeira vazia e de vez enquanto passa um pano na caixa, como uma criança limpado seu brinquedo novo. Minutos depois, Seu Obina retorna de camisa, deu uma pressão em Delegado para liberar a cadeira. Com um careta no bico, a fumaça expulsa Delegado. Seu Obina joga o toco do cigarro e digita um número no smart e o coloca perto do ouvido. Uma jovem baixinha macilenta, com a cara enfezada, puxa um guri pela mão e uma outra fardada segue mais atrás. Seu Obina olha ansioso para os lados, a espera de alguém, ainda não comprou o cabo de embreagem, espera receber mil reais que emprestou para um parceiro pagar um debito urgente.

Tento ler "A Pata da Gazela" de José Alencar, forço-me e o deixo de lado. a mesma coisa os leitores fazem comigo, me relaxam.
Seu Obina na sua posição favorita, o tronco pra frente apoiando-se nos cotovelos sobre os joelhos. Acende mais um careta, o parceiro-devedor passou rapidamente na moto, apenas buzinou e fez um sinal. Little Fat sobe vestindo a camisa, andando devagar segue para as orações matinais no templo. Uma gota cai no fundo do pequeno balde de plástico debaixo da goteira no bocal da lâmpada. A sra. Newton levando-a filhota para o jardim de infância, do outro lado Mozico, o homem do forro-forte, nunca mais falou comigo e nem mesmo me cumprimenta. Envergo a farda da luta e fico na expectativa da espera dos clientes. O cheirinho de mofo exala da bermuda suja. Samuca, o pedreiro com um carro de mão, para um pouco e joga conversa fora. Vai fazer um bico num imóvel de Nha Pu, rebocar a laje. Claridio depois de quase uma semana ausente bate o ponto com suas loucas teorias.


 
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efemero25
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