Há sempre um lugar
onde o que resta se lembra primeiro,
um instante anterior, sem pele,
em que o corpo aceita o mundo sem perguntar.
No peito,
um quarto fechado,
o não feito falando baixo,
a sombra das escolhas
que me escolheram.
O medo, esse animal antigo,
aprendeu a repousar.
É manso, às vezes.
Encosta a cabeça no meu colo,
lambe meu ombro
como se soubesse
que também nasceu de mim.
E mesmo assim, sigo.
Amar é entrar na noite
como quem não volta,
esperar algo que se anuncie no escuro
e responda.
Soprar o fogo ínfimo,
que pode ser brilho
ou apenas o início
de mais uma queda.
E quando a chuva vem,
eu fico.
Algumas águas sabem
a costura secreta
que refaz o que em mim se rompe.
Aceito o que chega torto,
o que falha, o que tarda,
o que volta com os pés molhados.
Talvez recomeçar seja este fio de ar,
teimoso, precário,
a respiração que insisto agora,
frágil, mas inteira,
entre o risco e a claridade.