Prosas Poéticas : 

Madalena

 
Uma vez mais, Madalena estava à janela.
Com os seus delicados dedos de pianista, afastava a cortina, de forma a deixar ver o seu fino rosto, a nudez do seu peito, os seus caídos e longos cabelos pretos, cobrindo parcialmente, os seus bronzeados ombros.
Podia ver, no seu olhar doce, o sublime sorriso que deixava escapar ao canto da boca. (Sentia-me por isso feliz, por transportar comigo esta imagem, dando aos meus olhos a alegria e o brilho que lhes faltava). Imóvel, ela observava demoradamente os movimentos da sua rua. Estava na hora do despertar, no amanhecer de mais um dia, já tudo se agitava, ouvia-se o cantar dos pássaros e mórbido ruído dos carros.
Terminadas as escassas horas de descanso do corpo e da mente, começava a agitada vida da rua, das fábricas, escritórios e lojas de comércio. Assim é a vida da cidade, num caminhar ligeiro, não há horas a perder, estão marcadas e o relógio de ponto está à espera. O chefe, logo pela manhã observa, dá ordens, e adverte de que é preciso trabalhar, nada pode esquecer e muito menos errar.
Com uma pontualidade inglesa, Madalena chega ao seu escritório, cumprimenta os seus colegas de trabalho e logo de imediato liga o seu computador. Consulta a sua agenda, verifica as tarefas que tem a desempenhar e concentra-se no seu trabalho. Mulher solteira, sofrida e vadia. Não é igual a tantas outras mulheres e não partilha das mesmas experiências. O seu mundo é à parte, isolado e defensivo. No entanto é uma exemplar profissional, cumpre tudo com rigor. Não há nada, que ela não saiba e está sempre pronta a aprender, porque nunca chegará o tempo de tudo saber.
O seu rigor, faz de Madalena, uma mulher de personalidade forte, pouco divertida e conversadora. Não é de bom trato, mas não deixa de ser cordial, sorridente quando necessário.
A sua que foi, árdua vida, muito lhe ensinou, lhe deu a verticalidade, o ar distinto, de uma mulher invulgar. Estando por isso, dentro do seu meio laboral, num patamar acima de tantas outras mulheres.
As suas colegas de trabalho, são mais familiares, emotivas, maternais. Falam muito dos seus filhos, pais ou netos, de seus afectos, segredos, vidas alheias, durante as horas em que estão a trabalhar. Interrompem, por momentos, a obrigação de cumprir com o seu dever de estarem concentradas no trabalho. Têm as mesmas vivências, partilham dos mesmos problemas e gozam dos mesmos estados de felicidade. Não deixam de ser, no entanto, criaturas encantadoras, têm alegria, fantasia, sentem o mesmo calor familiar, sendo assim, simplesmente amorosas.

Mlucas

 
Autor
Manuel Lucas
 
Texto
Data
Leituras
831
Favoritos
0
Licença
Esta obra está protegida pela licença Creative Commons
1 pontos
1
0
0
Os comentários são de propriedade de seus respectivos autores. Não somos responsáveis pelo seu conteúdo.

Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 01/04/2009 07:11  Atualizado: 01/04/2009 07:12
 Re: Madalena
Uma poética capacidade de observação do quotodiano de uma cidadã citadina, realçando o comum, o prosaico, valorizam este seu texto.Qunatas mulheres não são assim? Por isso ganham interesse, também.
Abraço