Poemas : 

Acasos de nós

 
Tags:  diários de África  
 
Terça, 5 Junho 2007 às 11:28
Somos acasos de nós


Há carinhos escondidos
Quando dizemos severamente
Tu és descartável!

E há medos, angústias
Tremores ambíguos.

Só queremos ser deuses
De nós na vida
Com se fôssemos infalíveis
Pensando “ex cathedra”
Na verdade única
Construída no desalento
Do que somos
E não queremos.
E escondemos de nós
Os sentimentos que crepitam
O prazer de estar.
Não queremos lenitivos.

Somos superiores
Temos a Verdade
Una e universal.
Apagamos a realidade
Indivisa em todos
E por todos negada
Como se a catarse
Doesse nos sonhos
Que não conseguimos.

Somos pedantes
Intelectuais baratos
Self-made poetas
De ocasião na ocasião.

Destruímos tocando
Nas teclas erradas do piano
Somos uma flauta
Que não conseguimos
Afinar no “ego” excêntrico
Onde nos colocamos
Em trono de falhanços.

Somos mestres de coisa alguma
Que não fica e fica
Que rejeitamos fugazes
Armados em nós
Como guardiães do templo
Das verdades inacabadas.

Perdemo-nos sem admitir
O caminho errado de nós
Na vida que inventamos
Nos sopapos que nos damos
Na quimera do que queremos
E não podemos nunca
Ir mais além que a morte
Dos sonhos perdidos
Na intempérie dos sentidos.

Valemo-nos de nós
Como estrelas
E vivemos, sim,
Na luz difusa que querem dar-nos
Como cometas de adversidades
Cometidas e sofridas
Na pele que escondemos
Sob os farrapos que usamos.

Somos aviários longos
Onde nos fazem crescer
Quimicamente na pressa
De sermos únicos
E somos iguais a todos.
Somos linhas de montagem
Monitorizados por robots
Produzidos em série
Variando apenas na cor
Com que nos vêem exteriormente.

Somos produtos acabados
Amorfos porque repetidos
Na saciedade fabricada
Pela sociedade consumista
Que de nós leva o importante
E ficamos serenamente
Ainda que artificialmente atentos
À compita com a diferença
Que se afastou inexoravelmente.

Queremos ter sonhos
Sonhamos ter vida própria
A vida consome-nos
No bel-prazer do rótulo
Por encomenda.
E nunca somos o que somos.

Nunca servimos o amo certo.

Sempre estamos ali
Armados na indiferença de quem é
O mar, o infinito, o amor
E rejeitamos a mão amiga
E fervemos na descrença
De não estarmos
Em disponibilidade
Com os sentimentos.

Somos o quê, afinal?

 
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asv
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