Poemas : 

Sob epígrafe de Miguel Torga

 
Não tenho nada mais senão asas.
Miguel Torga



1. Corpo

dói-me o corpo onde a vida repousa
cansada
desta via de versos
de imagens pendentes nas árvores
onde ninguém a sombra busca


2. Asa dextra

mas há uma pedra algures
que vento algum vergasta
uma pedra onde o cansaço
se enamora
e nos abandona
embora por instantes
como sede
que prova o mel em lábios de água


3. Asa sinistra

e há um olhar que brota
do âmago da terra
traz os aromas da infância
os seus gestos despertos
pelo espanto de um encontro
sempre inaugural


4. Voo

dói-me o corpo
cede ao peso do tempo
restam-me as asas
forjadas
nesta fogueira de palavras
iluminada
de acordes e sentidos



Xavier Zarco
www.xavierzarco.no.sapo.pt
www.xavierzarco.blogspot.com

 
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Xavier_Zarco
 
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/06/2009 16:35  Atualizado: 28/06/2009 16:35
 Re: Sob epígrafe de Miguel Torga
Épigrafe fascinante, o verso/poema de Miguel Torga, que Xavier-Zarco magistralmente entende desdobrar em poema pesado, com peso, corpo, asas e medidas. Para voar, no presente, do passado par o futuro, acabando por, à semelhança do patrono, de se despojar de tudo, do próprio corpo, para se reduzir às asas "fogueira de palavras/iluminadas".
Na minha modesta opinião Zarco dá-nos aqui um exemplo lúcido e feliz daquilo que é poesia e do que são, em contrapeso, palavras atiradas a esmo
sem nexo nem conteúdo, ainda que, por vezes, bem soem aos ouvidos.
Aplaudo.
Abraço

Enviado por Tópico
Paulo Afonso Ramos
Publicado: 28/06/2009 17:53  Atualizado: 28/06/2009 17:53
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Localidade: Lisboa
Mensagens: 2080
 Re: Sob epígrafe de Miguel Torga
Excelente escolha do poeta Miguel Torga e uma construção com mestria do poema exposto.
Diria sem pudor, que poetas assim, elevam este espaço e todos outros, onde os teus poemas possam passear. Há, ainda assim, quem não o entenda e te expulse. Mas esse cenário já pertencia a história poética...

Um abraço
PAR