Tempestades - A meu amigo Trabis
Tempestades
Tudo em mim, são dias de tempestades...
Por isso entrego minha alma à poesia
E meus dias a escrever versos
E meto uns poemas em velhas garrafas
E as levo para as águas intermináveis dos mares
- revoltos e tristes -
E as lanço, na singela esperança
De que um dia alguém os leia
Ainda que meus pés não estejam mais sobre este chão
E meu corpo tenha sido já lançado no ventre desta terra impura
E minha alma tenha também partido
- para a imensidão do infinito com que sonho,
ou para o abismo solitário que me amendronta...
Não me dou com poemas longos...
Mas vou desde já dizendo adeus
Pois não me dou com poemas muito grandes
Ou diz-se tudo em poucas palavras
Ou melhor não dizer...
Por isso tenho tantas vezes calado
E ouvido
E novamente calado...
Ou talvez porque se me pusesse a escrever o que levo n’alma
Nada faria além de um pequeno folhetim
Pois minh’alma anda nua, descalça e em liberdade.
Daí minha impaciência com poemas muito longos
Com os quais facilmente adormeço.
Mas vou desde já dizendo adeus
Pois não me dou com poemas muito grandes
Ou diz-se tudo em poucas palavras
Ou melhor não dizer...
Memórias
Às vezes
um silêncio me invade
- como uma aproximação da morte -
Penso nos amigos que esqueci
naqueles que não fiz
naqueles que nunca odiei
(por não ter tido a chance)
e naqueles que ficarão para trás.
Em quantas memórias as memórias de mim sobreviverão?
Algumas
Poucas
Nenhuma.
E sigo carregando pela mão
Um bendito fardo que não vejo
E sorrindo o sorriso dos que não tem saída...
Luz e Trevas
Há muitos séculos a escuridão me habita.
Caminhos íngremes, espinhos, arranhões, lágrimas.
Duelos transcendentais se travam
Na arena da minha mente.
O assombro me assombra a alma.
Tudo estará perdido?
Haverá para sempre um abismo intransponível
Entre dois mundos ?
Corrupção ou Justiça.
Ódio ou Amor.
Traição ou Lealdade.
Morte ou Vida?
Arre!
Das trevas não quero, sequer,
Uma vaga lembrança...
Sinto-me imensamente grávida!
Gerando em meu ventre uma semente silenciosa
Um pequeno anjo ainda sem asas
(Um pequeno e silencioso anjo ainda sem asas...)
Sem dores ele não nascerá, bem o sei.
Rebento dos séculos...rebento de minhas incontáveis vidas...
Gero sim, a mim mesma, sob muitas outras perspectivas...
Vejo desaparecerem um a um,
Os monstros que comigo
Dividiam o chão frio e desumano das cavernas...
Obscuras cavernas...insensíveis cavernas...
Olho para fora do esconderijo em que me meti
E meu peito torna a se encher de vida!
O inesperado acaba por acontecer...
Sinto-me parir e sinto-me nascer.
Não. Nada há de se perder!
A esperança não há de se perder,
O amor não há de se perder,
Nem a paz ou o carinho,
Nem o cuidado ou o afago...
Nem a poesia ou a vida.
Sinto-me parir e sinto-me nascer...
Privé Tuin ou O Jardim Secreto
Nesta noite
-como comumente faço nos dias mais melancólicos-
Debrucei-me em minha janela
para ver o céu
Foi então
que a realidade surpreendeu-me
Como se a vida tivesse me reservado
toda sua solidão
Que é um certo silêncio da alma
prolongado ao infinito
(Ou o próprio debruçar-me nesta janela,
em uma noite em que
todos parecem dormir
E que a cidade finge dormir
E eu, tento acreditar
e acabo sempre acreditando
Que há algo para além deste céu
-que nunca vejo-
E desta solidão
-que de fato sinto)
E assim, depois de horas de meditação, de busca,
Fecho minha janela de ver o mundo,
Rezo minha oração de todos os dias
E vou tentar dormir
Sem encontrar o que venho procurando
Ao longo desses séculos
que são tantos...
Urbana
Enquanto meu corpo se curva/
Sob o peso da vida citadina/
O que meus olhos anseiam por ver/
(Entre os vãos solitários e inconstantes dos prédios)/
É muito mais do que olhares vãos/
É simplesmente toda minha vida/
Traduzida em nuvens...
Finados
Hoje pela tarde
- uma tarde de finados como a de todos os anos,
Chuvosa e inútil -
Quando desperdiçava meu tempo
Relendo velhos escritos, textos inúteis e
Poesias tão antigas quanto minha infância
Senti-me um pouco mais infeliz
Ao perceber que um dia terei que escolher
Entre minha poesia e minha felicidade
Isto porque notei que minhas palavras
Surgem e brotam
Apenas nos momentos mais tristes...
O motivo de minha angústia é saber
que sou uma sonhadora,
Que vivo os dias e as vidas
Buscando a felicidade
-ainda que não exista-
E então descobrir,
Com um sobressalto,
Que estou buscando uma forma
De matar a minha já medíocre poesia,
Buscando o veneno para minhas palavras...
Mas que chegue esse dia!
Eu as velarei com muito respeito
E guardarei em meu coração
Todo o bem que me fizeram
E me despedirei com a dor
Que sente uma mãe, se, ao toque do destino,
Vê-se obrigada a enterrar seu único filho...
Espelho poético
Sento-me diante de um espelho. Não. Não me sento diante de um espelho. No entanto, diante de mim trago agarradas às mãos algumas folhas de papel surradas, uma caneta quase sem tinta e uma consciência pesada...
Catedrais
Ecos entrechocam-se pelas catedrais
Onde a falta do Espírito
Faz sentir as almas
-ausências,
Inquietudes tantas...
Uma solidão de muros altos
Duros, intransponíveis e frios...
Sou mais humana
Andando pela relva fora...
De pés nus
E poucos cuidados...
- Além de atentar para não pisar nas flores...
Manhã de Carnaval
Passa já da meia noite
e não consigo dormir
- um violão chora a "Manhã de Carnaval" -
Sinto-me quase culpada
Por estar ainda desperta
e idiotamente segurando a caneta
Sem nada escrever
A não ser essas palavras
Que nada me dizem...