Momento em que nao foi
Foge como o tempo
Rou-te como quem rói as unhas freneticamente no nervosismo de um cataclismo dos céus.
Mordo a tua pele como quem trinca a casca de uma maça de verão.
Rejuvenesce em ti a força, a força com que um dia me mataste, me roeste, me mordeste.
sucumbo ao desejo pois é mais electrizante que tudo, é mais desejo que todos os outros.
Arde mais que tudo o resto o beijo que ficou por dar,
o perdido beijo das nossas bocas.
Dói mais que ferida aberta o simples toque que não existiu,
É como um ferimento do sol o olhar que que não se viu,
foi perfeito o momento em que o momento fugiu.
Maquina Infernal
Maquina Infernal
Chovia, chovia e os pingos saiam de ti deslizando por teus cabelos, a brisa que trazia a chuva parecia desviar-se em ti, parecia ter receio de ti. As invisíveis folhas passavam por ti sem te tocar. As tuas vestes flutuavam e a tua silhueta explodia num bailar com o vento.
Mesmo à tua frente encontrava-se outro alguém, outro eu, outro ser. Fitava-te agora esperando pelo primeiro passo, pelo primeiro olhar, pelo primeiro sorriso, pelo primeiro golpe.
Tudo em ti parecia solene, tal qual um bando de flamengos banhando-se num rio, como uma menina ingénua que penteia seus cabelos antes de deitar.
Pelo contrario, tudo em mim tremia, todo eu suava, como uma mandada de Gnus que teima passar margem a margem pelo rio repleto de morte, como o ingénuo menino esperando o primeiro beijo.
Os nossos olhares cruzavam-se como peças de um jogo de xadrez.
Num jogo em que o primeiro golpe a ser disferido nos traz grande desvantagem.
Depois de desembainhadas as armas da-mos, agora, passos numa terrível dança onde desenhamos um circulo a cada avanço.
Olhamo-nos nos olhos procurando um ponto fraco, prevemos os golpes de cada um, improvisamos os golpes de cada um, desejamos pelos golpes de cada um.
O golpe existiu naquele segundo.
De quem terá sido?
As nossas armas foram-se cruzando, foram embatendo implacavelmente umas nas outras, saltavam faiscas, saltavam pedaços, saltavam gemidos de dor não só das pancadas.
Fomos prometendo conforme lutava-mos, fomos morrendo à medida que os nossos olhos se encontravam no bater do coração. O bailar das espadas era sublime, tocavam-se como o ritual de acasalamento de um cisne, como o descer de uma semente da arvore, como o sensual ballet de uma deusa. O guerrear das nossas almas alimentava todo o mundo à nossa volta, toda uma natureza eclodia ao bater das espadas, das mãos, dos pés...
...To be continued...
Impaciência Paciente
Olho vento passar-me pela cara, dançando como uma bailarina de tango, refrescando cada recanto do meu rosto. Levo as mãos às faces rosadas do frio tentando-me aquecer. Sinto-me preso neste verão tempestuoso, o meu nariz pinga, vermelho, gotas de liquido esquisito. Tento manter-me quente nesta inquietude do meu ser. Porque espero? Por quem espero? O que espero?
Só eu sei. Mesmo não o sabendo ao certo.
A impaciência toma conta do meu estado de espírito moldado pelo estado do tempo.
Estou rabugento, fico rabugento sempre que o tempo muda.
A ânsia aumenta, a espera continua.
Quero o que outrora foi bom perto de mim, necessito sentir o quente uma vez mais, só mais uma vez, só antes deste fim me atingir como um raio numa tempestade solitária. Só porque sei que, se não o sentir agora jamais serei capas de o suportar.
Quero o quente dos teus peitos,
o calor do teu regaço,
o mais quente dos beijos,
o mais insuportável dos abraços.
Quero.
Mas fico por querer!
Fico na inquietude. Na esperança de que o tempo passe. De que esta folia se desvaneça.
Solitário
Por ti
Belo
És quente nas tuas mãos.
Purificas o ar quando expiras e o mundo torna-se gentil, doce e belo. Sabes como moldar o universo à tua volta, querendo sempre mais em tudo o que tocas.
Existes e o belo existe.
Rotina Apenas Rotina
A rotina do acordar dia após dia.
A repetição de todos os rituais dia após dia.
O mesmo acordar vezes sem conta, aquele mesmo que nos faz esquecer que somos, quem fomos, quem quisemos ser.
Caímos na armadilha dia após dia, juramos que tudo vai mudar, que vamos acordar e gritar quem somos.
Mas no dia seguinte... O mesmo acordar vezes sem conta, aquele mesmo que nos faz esquecer que somos, quem fomos, quem quisemos ser.
O ritual retoma, o rotineiro ritual aquele que sem conta fazemos, vezes sem conta o dia após dia.
"Acordamos" será que acordámos de facto? Ou continuaremos a dormir e o que acorda é o nosso automatizado corpo pelas rotinas do dia a dia? "O corpo é que paga quando a cabeça não tem juízo"... Ou quando não acorda.
A vida é vida é vida por uma razão, para ser vivida, para fugir a rotinas que adormecem o ser, que adormentam a alma, que atormentam a vida de quem na rotina cai. A vida que é vida, que é uma só, que não se repete como as estações, que não se renova como os meses do ano, a vida que é uma só por uma só e é somente uma!
(Ela) Os Olhos
Há rosas que caem aquando do teu suspiro.
Os teus olhos são ouro que pestanejam doçura, mas, mais uma vez teimam em deixar cair aos trambolhões aquele liquido capas de alimentar feras, aquele liquido que quando cai faz a terra tremer de frio e de medo, aquele que faz com que floresçam, envergonhados, resmas de pecados. Os teus olhos são ouro que liberta brasas incandescentes para o meio de um vulcão pestes a explodir.
E eu sou um simples mortal esperando pelo teu olhar para que me mate... és infinita nessa tua infinidade.
Olhas-me e os meus muros rendem-se a ti, conquista o meu castelo, é teu. Os meus soldados já há muito baixaram as armas, agora eu... eu... por mais que tente lutar tornaste-te a inevitável constante do meu pensamento.
Qual medusa qual venus já eles se ajoelham para te contemplar. Todos eles choram para te ter. Olha-los com desprezo. Porque achas tu que o sol se esconde por de traz das nuvens? Porque pensas tu que as nuvens choram?
És os olhos do mundo. Olha-me acaba logo com o meu sofrimento, mata-me de uma vez!
Olhos
Fleur
Soltas charme com esse olhar, o suor que transpira dos teus lábios é guardado em garrafas do perfume mais requintado.
O teu cabelo a escorrer-te pela cara acaba com os traços na tua cintura querendo descer mais, mais e mais até aos confins da terra. Só tu sabes o quanto és!
Carta ao Futuro
Já não sinto as mãos, as minhas pernas há muito me abandonaram e a inutilidade do meu sexo deixou a saudade de momentos de prazer.
Sinto-me amarrado a esta cama, se é que não o estou. Fui abandonado, não é que não me venham visitar regularmente, sinto-me assim só isso.
Deixei de ser parte activa na sociedade desde o acidente, desde que as minhas pernas deixaram de me obedecer, desde que o meu fígado convalesceu e os meus rins deixam de trabalhar convenientemente.
Mudam-me as fraldas de quatro em quatro horas como se fosse uma criança. Não é bela a forma do ser humano? Quando se é bebé não se tem controlo sobre as necessidades, quando se chega ao culminar da velhice perdem-se essas faculdades.
Por vezes quando chega o enfermeiro Brutus (chamo-lhe desta forma pois é o enfermeiro mais massudo que alguma vez vi) tenho a oportunidade de ir sentir o cheiro menos pesado do exterior. Odeio o cheiro dos hospitais, onde estou existe uma mistura entre hospital, fezes e urina, odeio-o.
Li uma vez:
"Não sou nada. Nunca serei nada. Não posso querer ser nada. À parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo..." Álvaro de Campos
Encontro certo significado nestas palavras.
Já não sou útil a ninguém, pior não sou útil a mim mesmo.
Sinto repulsa pelo que resta de mim, enojo-me.
Tenho que por fim a isto.
E foi sem dificuldade que arranjei algo com que acender a minha chama...
«Incêndio em lar de idosos mata três pessoas
Pelo menos três morreram na sequência de um incêndio num lar de idosos em Serpa que alojava 102 pessoas. O incêndio, que já foi extinto, atingiu por completo o andar superior do lar de S. Francisco.
( 11:53 / 31 de Dezembro 07 )»
Acendeu-se, fechou os olhos e dormiu.
Veneno, eu.
Contemplar-te na auto-destruição do teu ser,
sentes o veneno mas nem assim o lutas parece que não te incomoda, é do habito.
É do habito tomares uma dose de veneno ao acordar, é do habito tomares mais umas quantas doses ao rodar do dia, é do habito consumires-te mais um pouco ao deitar.
O veneno habitual que não é só teu, mais de metade do mundo o toma, não é só teu, eu também por vezes, não é teu. És tu.
Inconstante Casa Vazia
Apanhar-te aos pedaços do chão, retocar-te a maquilhagem, dar-te um uísque para a mão, acatar os teus lamentos.
Pôr-te de pé, abraçar-te depois uma noite com o teu amor, aquele amor que estás disposta a dar a todos, dizer-te adeus, fechar a porta de casa e voltar para a cama, solidão.
Sei que volto a ver-te em dois dias à mesma hora com a mesma vontade de te amar de sempre.
Sei que voltas, voltas sempre, sempre com os mesmos lamentos, sempre de rastos, sempre à espera que te recomponha.
Volto exausto depois do trabalho e lá estás tu, mais aflita que o habitual.
Perguntar-te o que se passou por entre um abraço, e a resposta seca de que já não aguentas mais, de que precisas de perder tudo para voltar a Amar.
Também eu perdi tudo, também eu disse que não aguentava mais, também te abracei.
Fazer-te o jantar, servir-te um copo de vinho velho que bebes de um só trago, encher o copo, dizes que te perdes, que não sabes o que me dizer.
O ouvir-te, o lamento de ouvir-te, por momentos queria que te calasses e que o teu olhar parasse por segundos no meu, não o fazes porque sabes que te perderás de novo.
A minha mãe morreu, deixo-te cair a bomba, calas-te e não me dizes mais nada até ao fim do jantar.
Ir para a cama, deitar-me no frio da cama contigo, tocares-me, esfregares-te em mim, arrepiares-me.
Acordo e já foste, sei que não voltas, mas isso não importa, mais nada importa, eu também não voltarei.
A casa fica vazia e a cheirar a musgo, o tempo derruba as paredes, o tecto, o chão. O tempo é a mais bela máquina de destruir, e de amar.