Hoje não me permito morrer triste
Sabes bem pelo que tens passado todos estes anos. Dias e dias de uma pena de ti mesma, pesa-te como se em ti carregasses o mundo juntamente com a lua e com o sol, como se os arrastasses pelo chão com as tuas próprias mãos. Olhas-te ao espelho e tens vontade de arrancar os próprios olhos, estás cansada de ti. Tocas na tua pele e, em vez de te mimares, sentes vontade de a arranhar, deixar nela a marca das tuas unhas, escrever com elas uma mensagem para ti, aquilo que teimas em esquecer, para que fique ali, gravado, como naquele filme que viste vezes sem conta, para que o possas lembrar cada vez que te olhas ao espelho. Talvez por isso queiras arrancar os teus olhos. É. A pena é realmente um sentimento muito pesado, e tu já não aguentas senti-la por ti própria. Hoje não te permito que morras triste. Vou levar-te ao teu espelho e esbofetear-te enquanto me vejo através dele. Sente-te ódio, raiva, o que quiseres, mas pena não. Pena não te admito. Pensa no que a tua mãe te diria. Rir-se-ia de ti se te visse agora. Ela, que foi sempre tão forte. Lembra-te pelo que temos as duas passado, conhece-lo bem, e grita, grita a ti mesma, grita-me a mim olhando nos teus olhos que basta, basta de morreres triste.
Reflexões no vácuo.
Vácuo: espaço desprovido de matéria.
Errado! Eu existo no vácuo e toco-o com cada pedaço de mim. Porque o escolhi como lar-doce-lar? O mundo escolheu-o por mim. O ambiente molda-me. Determinismo. Assim o permiti. Livre arbítrio. Perco-me na escrita, as ideias são confusas aqui. Andam à solta e por isso é difícil coloca-las em cadeia. Numa que faça sentido, pelo menos. Vivo aqui e o porquê pouco importa. Vivo. O vácuo é bom para mim, daqui o meu cérebro vê tudo de um bom ângulo e, assim, vivo. Vê-o, vê-a. Conhece a voz dele e a dela. E também ouve, ouve a voz dela, que fala com a voz dele, que responde à voz dela. Grito. Ordeno que se calem todas as vozes, mas não se calam porque a minha não se ouve. O vácuo não a propaga. Determinismo. Que me resta agora, para além de enrolar com o meu corpo o meu cérebro para que não veja nem ouça, tentando escondê-lo no seu centro. Centro? Sim. Dói-me o centro do cérebro, ou não fosse ele o epicentro de um terramoto eminente que o corpo tenta evitar. Por isso também ele dói, o corpo, e eu nem o consigo afagar. Determinismo. Escondo o meu cérebro no centro do meu corpo e tento proteger dele o mundo. Livre arbítrio. Nada mais me resta agora e, por isso, brinco com o destino para que se ouça assim a minha voz. Que lhes chegue a eles antes do terramoto. Do vácuo consigo ver a luz do dia, que reflecte o determinismo da vida. Assim o é enquanto o livre arbítrio deixar.