Pedras no rio
Pedras no rio
O menino atira a primeira pedra
Como um grilo saltitante ela vai
Na flor d’água fazendo pérolas
No estouro vai formando corolas
A menina atira a primeira pedra
Como pequena garça mergulha
No leito d’água rompendo a tensão
As ondas em círculos de imaginação
Atira a segunda pedra o garoto
Como lasca, corta a lâmina
Em tapas rápidos na água
Efeito de disco explosivo de mina
Atira a segunda pedra a garota
Era de barro espatifada no atrito
Arrepios d’água bem chiada
Bolhas sobem em aplauso e grito
Atiram a terceira pedra jovens
Cruzando o ar mergulha
Estouro forte levanta as águas
À entrada na precisão de agulha
Jovens atiram a quarta pedra
Cai funda num mergulho
Perfeita sincronia de movimento
De avanço e recuo a fazer barulho
Maduros atiram a quinta pedra
Vôo belíssimo em plácido mergulhar
A sexta pedra sai rolando pela grama
Cai na margem num turvar
Velhos atiram a sétima pedra
Ecos sucessivos de memória
Felicidades eternas seguem o rio
No navegar pleno da História.
Um tributo ao reconhecimento
Um tributo ao reconhecimento
A gratidão é um sentimento
O reconhecimento é seu irmão
Palavras não vão no vento
Quando ditas de coração
O carinho é o transbordamento
Dos sentimentos em afeição
Novamente o vento com talento
Traz as novas de emoção
Não importa o espaço nem o momento
O tempo não importa nem a nação
Bons sentimentos afastam sofrimento
A beleza e a força um dia se vão
O exemplo e a memória são alento
O amor e amizade sim perdurarão
Conversa de amigo
Conversa de amigo
— Amigo, você precisa de um dia para eu lembrar de você?
— Amigo, preciso de muitos dias para lembrar de você!
— Amigo, quantos dias, então?
— Amigo, tantos dias quantos forem os seus.
— Amigo, não sei quantos dias terei.
— Amigo, terá todos os dias que quiser.
— Amigo, então tenho o dia de hoje para conversar com você.
— Amigo, hoje é seu dia.
— Amigo, hoje é seu dia.
— Hoje é nosso dia.
— Feliz dia, Amigo.
— Feliz dia, Amigo.
Guache
Água tinta
Água e tinta
Aguada
Guache
De gauche?
Receita de farofa afrodisíaca
A negra chapada está cada vez mais quente no fogo. No azeite ardente, o alho cai socado, a cebola picada, o coco moído, as castanhas de caju trituradas e as do Pará raladas como o gengibre foi. Os amendoins despejam-se todos já torrados e pelados. As uvas caem passas pretas e os cravos vão por cima com a canela reduzida a pó.
Um frenesi de aromas fortes na guerra dos sabores. Há calor demais. Muito calor. Ardor.
Perfuma-se com mais azeite. Um pouco de molho de soja salpicado. Ruídos... A farinha de mandioca vem deitar por cima. Mexe... Mexe... Enfia-se a colher de pau e continua-se a mexer.
Os líquidos são liberados. Respira-se leve... Felicidade...
Deitada num leito arrumado vem agora receber mimos verdes de salsas e cebolinhas.
É só seguir a receita. Dá certo. Podem experimentar.
Bom apetite.
Quadriculado
Quadriculado
Em quadrinhos do Brasil
A banda desenhada de Portugal
O mundo todo no papel
Olhe bem ali
Os monstros, os herois
De Literatura maluquinha
Gostam muito
Menina Mônica, menina Magali
Adulto também lê
Não é, Will?
De Hagar, a gula
Do oeste, Búfalo Bill.
As idades não importam
Média de Gil Vicente
Renascença de Camões
Filosofia do verde Horácio
Em cores, Charlie Brown.
Sou professor cheio de brincadeirinha
Não quero dar um nó em orelha de coelho
Sou meio maluquinho. Vôo, solto teia
E tramo planos infalíveis de Cebolinha.
Preguiça
A preguiça é uma espécie de medo momentâneo de acontecer por excesso de resguardo.
Cobra grande
Cobra grande
A pequena casa branca
O silvo assustador
A porta sempre com tranca
O réptil causava pavor
No horizonte Paquetá
Dos nordestinos o gravatá?
Descendo pela ladeira
A serpente da bananeira
Da verdura da grama
As flores pequenas amarelas
Com as rastejantes em trama
Uma folha no tonel boia
Crianças pra dentro
E o olhar de uma jiboia
Farofa afrodisíaca
FAROFA AFRODISÍACA
Era um almoço daqueles chamados junta panelas, onde amigos comparecem levando cada um sua contribuição gastronômica. A mim cabia sempre um prato surpresa de minha própria criação ou apresentação. Já compareci com salada de manga, repolho e queijo minas padrão. De outra vez, levei gelatina de abacaxi com hortelã e gengibre. Meus pratos eram concorridos. E não era o único. Havia quem usasse batata inglesa para dar consistência cremosa ao sorvete, serviam macarrão goela de pato recheado com queijo e ervas ao molho de tomates frescos, quiche de milho verde e outras iguarias. A escolha do que comer e a disputa pela aprovação dos comensais era uma verdadeira batalha cruel de mãos ágeis armadas de talheres.
Numa dessas edições, resolvi levar farofa. Fui para cozinha, que é meio laboratório ateliê templo, juntei os ingredientes. Tinha farinha de mandioca flocada, cebola, alho, ervas diversas, queijo curado e manteiga. Preparei a farofa. Tudo muito branco. Precisava duma cor e dum sabor mais fortes. Reservei o prato. E por que não criar uma poção mágica em pó? Foi o que fiz. A farinha era ainda a flocada, o alho, a cebola e as ervas permaneceram. Acresci ao refogado coco ralado, gengibre, amendoim, castanha de caju entre outros secretos que não revelarei. A farinha vinha por último amalgamando. O cheiro era tentador.
No almoço, anunciei a existência de duas farofas: uma branca simples e outra afrodisíaca cor de canela. Não imaginava que a brincadeira fosse levada tão a sério. A segunda foi devorada sofregamente enquanto a primeira sobrava sem ninguém dela se servir. As pessoas comiam felizes. Crianças corriam de um lado para outro. Muita gente ria e repetia as porções. Casais saíam para casa. Leques improvisados surgiam do nada. O almoço terminou rapidamente.
Atualmente resolvemos elaborar um cardápio prévio e menos inventivo. As criações estão mais controladas. Mas da farofa todos se lembram e imaginam os efeitos. O cruel disso é que não a faço mais. Quem provou aproveitou para dividir felicidades. Quem não provou não sabe o que perdeu e o que fez perder. A receita não digo. Cada um tem a sua.
Praça XV e Candelária
PRAÇA XV E CANDELÁRIA
Do terreiro do Paço Imperial
Vejo o Arco do Teles lateral
Primeiro de Março atrás
Do Carmo ao Carmo
Caiu o passadiço
Ordem Terceira ladeia
Beco e a Santa Cruz
Dos militares em serviço
A Rua do Comércio
Guarda preciosa
A Lapa dos Mercadores
Pela nave saindo
Ganhando rua fora
Escultura sem cores
Voltando-se à larga Avenida
Olhando o mar a Candelária
Por cima de canteiro carmim
Avista a Guanabara sem fim