O Sonho e os Choupos
O Sonho e os Choupos
Ao nosso lado direito o ribeiro corre livremente, devagar,
num ritmo compassado, indiferente à nossa presença.
Estamos deitados à sombra dos choupos, na erva verde e viçosa,
que permanentemente parece agradecer às águas que passam,
a vida exuberante, extrema, saudável, que ostenta vaidosamente,
e que provoca em nós uma inveja imensa, tranquila, redentora,
quase não nos parece inveja...
Está-se bem aqui, a sombra profunda e a erva fresca protegem-nos
dos raios abrasadores e deixam-nos suavemente atordoados,
dormitantes, como quem sonha acordado.
Passo pelas brasas, num meio sono leve, ligeiro,
e deixo-me levar num sonho bonito, que por parecer tão perfeito,
me parece desde logo que é um sonho...
Dançamos por entre a floresta de choupos esguios e pouco vestidos,
que projetam uma sombra compacta apenas pela densidade da sua população,
parecendo todos eles de mãos dadas, comprometidos, entrelaçados
e debruçados sobre as margens do riacho, num autêntico ritual
de veneração, de agradecimento e de cumplicidade tão natural.
Danço contigo rodopiando, apenas para relembrar como era dançar,
prazer que usei em tempos e do qual me esqueci.
E continuo a sonhar, devagarinho...
Aah!!, tão bem que se está no campo!
Ruinav
O Choro
Choro compulsiva e perturbadamente
Das razões não me chega quase nada
Osculto devagar meu coração insolvente
Que combina com a tez esbranquiçada
Se aos poucos, deste choro deprimente
Não obtenho a melhoria desejada
Passo aos prantos, perturbadamente
Mero alivio da mente perturbada
Ruinav
Ode aos que amam
O amor implica connosco, provoca, complica
O amor não é feliz, não nos ri nem nos faz rir
E abre feridas no peito sofrido, é de admitir
Se as mantém abertas, seus poderes fortifica
Mesmo quando o amor é apenas e só paixão
Ele anda sempre de namoricos com a dor
Se amou, sem no coração sentir aquele ardor
Penas tenho em lhe dizer, esse amor foi vão
Contudo, na vida deve ser nosso perfume
Qual néctar viciante que os deuses clamam
Combustível vivo que alimenta o meu lume
Ah! amor, por ti todos meus poros chamam
Estranha seja até minha saudade do ciúme
Um bem haja, a todos aqueles que amam
Ruinav
O Vento Leva
Ao longe levanta-se o vento
Para nós vem vindo, apressado
Fita-nos só por um momento
Passa por nós, desenfreado
Passa por nós, desenfreado
Conhece bem seu aposento
Volta atrás, sopra inacabado
Faces acaricia muito atento
Faces acaricia muito atento
E estranhamente delicado
Muda depois de argumento
Tudo leva de mim desordenado
Tudo leva de mim desordenado
Num turbilhão triste, cinzento
Ò Vento, te peço, tem cuidado
Não leves assim meu casamento
Ruinav
Imperfeito Resort
Imperfeito Resort
Voltamos da praia, mais de quarenta graus,
leve brisa muito quente,
como é dificil respirar!
Caminhamos um atrás do outro,
por forma a não sairmos da curta sombra
colada ao muro do resort.
Nosso bungalow está situado ao fundo da rua principal
que se estende em linha reta e atravessa toda a estância,
debroada a moringas, gardénias e buganvílias, cujo aroma
e composição colorida nos trazem à lembrança
os portais do paraiso, pelo menos como nos foi apresentado.
Entramos no bungalow, ar condicionado no máximo,
trabalhando em esforço e dizendo-nos pelos
estalidos metálicos algo incomodativos das ventoinhas,
que já teve melhores dias.
A janela grande, em vidro de cor azulada que ainda
não percebi se é a sua própria cor ou o reflexo do céu,
assemelha-se a um quadro de natureza viva,
pontuado pelo verde das pupunhas e mungubas
e onde sobressai, como uma pincelada de Van Gogh,
a cor clara e brilhante de um grande ipê-amarelo
que pelo seu porte majestoso, se anuncia quase centenário.
Do campo de palmeiras que se estende até à praia
chega-nos o chilreado estridente dos tangarás, sabiás
e pintassilgos da Venezuela que,
a julgar pelo agrado colocado no canto,
não lamentam a considerável canícula
e celebram-na até de forma entusiasta.
Agarro-te pela cintura, meus lábios procuram os teus,
beijo-te as faces salgadas que imagino da salmoura
mas apercebo-me depois que é das lágrimas grossas
que te rolam pela cara, que eu vejo mas, estranhamente,
não me preocupam, nem sequer te questiono!
Beijamo-nos excitados, o fresco contraste com
a temperatura exterior deixa-nos em pele de galinha,
todos os pelos eriçados, hipersensíveis.
Estamos enamorados, nada mais pensamos
do que no entrelaçar dos nossos corpos cansados.
Ao longe começo a ouvir um som que me é familiar,
um som digital,
parece o meu despertador!
Quem me dera ter adormecido mais cedo,
talvez conseguisse terminar o sonho,
talvez nos amássemos no chão, na banheira, na cama...
Ruinav