VERSO GUARDADO
Algum gênero de silêncio reina
na manhã. Um verso altissonante
repousado em recôndito, entapeta
a luz. Égide contra a palidez
solar, dos minutos anêmicos,
engendrados à revelia do que se queira.
O verso guardado, no seu casulo,
quando preciso, bálsamo,
será o viço, foz aos ouvidos
dos homens, semeio.
Como o conhecimento, soprador.
DESCONFORTO
Escrevo um verso taciturno
dentro do erro desta hora.
Indesejoso de ser noturno,
não voa
não tem olhos para a lua,
somente ímpetos de se ir embora.
São os eternos vetos ao meu coração
ou me roubaram a aurora?
BENDITO VENTRE
Leve como a água
que se tem na sede,
livre como a asa
que se tem no sonho.
Belo como o canto
que se tem silêncio,
breve como a vida
que se tem no porto.
Brilhante como o azul
que se tem no amor;
o milagre da fonte
que se tem na mulher:
o momento na terra
que se tem arco-íris,
a luz no corpo que gesta
o que se tem em gênese.
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POEMETO 22
A palavra fia meu rumo.
Tange minhas escolhas, me efervesce.
E quando noite em mim,
Mesmo às vezes pálida, me amanhece.
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A BOMBA
Uma bólide acende o céu do Iraque.
Varre as letras dos jornais, as casas, as vozes
enfraquecidas. Causa a euforia dos ratos,
nos esgotos dos templos. Irrompem os olhos
vacilantes. Irresolutos, e ainda
chamamos a estes gerados da mídia,
de existência. A obra do fanatismo
chega peremptória. Chega e submete
o estertor coração enfermo
de uma liberdade assemelhada
à cortina lenta do teatro de fantoches.
Não há causa possível que abarque estas
longínquas mimeses da loucura.
Nada presume raciocínios humanos,
a não ser na constatação de corpos
estraçalhados, caleidoscópio de postas,
porta-fólio de aço e pele, retorcidos
em dogmas consabidos e consagrados,
de princípios absolutos, de salvação.
Como perscrutar o amor nesta seara
da demência, neste lodo sem luz? Assim,
nos endurecemos ao sol da indignidade,
enquanto a bomba detona nos seios dos homens.
E no colo de Deus.
A LUZ
Gosto quando vens mansa, sem o gosto da pressa.
Vens cálida, chorosa. Vens como a brisa da manhã
que se despertou inteira. Gosto assim,
de corpo, alma leve, folha ao vento. Gosto
quando vens direta, mas passas por céus
entre nuvens brancas, como esta sensação
de que vens a mim como o dia.
Gosto quando vens enigma,
sem aviso, sem palavras que afetem
as mãos, sem pele nem flor que rubre
o coração. Gosto quando vens alegria, e chegas
mantra refrescante, semeando raios
de um sol próprio, pequeno calor que não me agita
nem me expia. Assim, como um nada, para
o qual não se pede som, poema, nenhuma chave,
nova estrada. Quando vens, sequer preciso de mim.