SEM PALAVRAS
Sinto demais a ausência de minha mãe, que partiu recentemente, numa tarde de domingo, após termos nos divertido juntas, ido às compras, cinema e casa de amigos, no dia anterior.
Éramos essencialmente uma na vida da outra e, de repente, assim, meio que me pregando uma peça ou me passando uma rasteira, ela se foi.
Um amigo muito especial, meu mais querido poeta, ontem me disse, em nossas reconfortantes e deliciosas conversas diárias, para que escrevesse sobre a saudade, sobre o que me faz senti-la viva ainda em mim, afim de que eu me liberasse um pouco desse luto.
Só faço chorar ao relembrar os momentos alegres e também as brigas que tivemos. Sou ariana, ela leonina. Dà pra imaginar que às vezes botávamos fogo em gelo.
Quem sabe, ainda um dia, eu consiga, em versos, registrar o que vai agora em meu coração.
A poeta queda-se silente, respeitando a dor, digerindo a ausência e amando, calada, para sempre, sua querida mãe.
Enquanto isso, sirvo-me das palavras divinas e mágicas de Carlos Drummond de Andrade:
Para Sempre (Drummond)
Por que Deus permite
que as mães vão-se embora?
Mãe não tem limite,
é tempo sem hora,
luz que não apaga
quando sopra o vento
e chuva desaba,
veludo escondido
na pele enrugada,
água pura, ar puro,
puro pensamento.
Morrer acontece
com o que é breve e passa
sem deixar vestígio.
Mãe, na sua graça,
é eternidade.
Por que Deus se lembra
- mistério profundo -
de tirá-la um dia?
Fosse eu Rei do Mundo,
baixava uma lei:
Mãe não morre nunca,
mãe ficará sempre
junto de seu filho
e ele, velho embora,
será pequenino
feito grão de milho.
São Paulo, 17 de setembro de 2010.
CELEBRAÇÃO OUTONAL
Quero celebrar-te quando
o ocaso desenhar rugas
no meu rosto
Quero amar-te quando
o tremor de minhas mãos substituir
o de meus lábios apaixonados
Quero contemplar-te quando
a emoção repousar em meu pátio
de tapete outonal
Quero arrulhar-te quando
de meus seios só restar
um palpitar cansado
Quero que me tomes pelas mãos
quando as pombas levantarem o vôo,
e a saudade nos abrigar em seu íntimo sonho
POETAS E ATORES
Para Camus, é preciso ser dois quando se escreve.
Para Pessoa, o poeta é um fingidor.
Para Shakespeare, “um homem deve ser o que parece ser. Quanto àqueles que não são o que parecem ser... Ah, se pelo menos não parecessem ser o que não são”.
Homens, poetas e atores usam da mesma ferramenta, seja para bem escrever, seja para bem viver: a dissimulação.
EXAUSTÃO
Cansei
Deixe-me aqui
Diluída na exaustão
Ausente querer
A língua calada
Sinto absolutamente nada
Sou o que sou
Essa alma sem graça
Cansada
PERFEITO PRA MIM
Superficial
Beberrão
Infantil
Mandão
Ora calado
Ora falante
Fútil
Demais insinuante
Mimado
Indeciso
Sem graça, sem sal
Compulsivo
Faz tudo sempre igual
(Chico já dizia)
Nunca improvisa
Apesar e por isso
Te amo em demasia
SÂO MIGUEL
Sou forte
Sou anjo
Assim feito Miguel
Piso nas cabeças dos demônios
E eles são infinitos:
Indiferença
Orgulho
Falsidade
Ilusão
...
SAPOS INDIGESTOS
Olhei
Foquei
Desviei
Voltei
Não acreditei
Descargas hormonais
Tudo pretejou
Vermelhou
Adrenalinou
Pensamentos:
A baiana rodar
Nas tamancas subir
Desejos:
Esfolar
Arrancar
Torturar
Destruir
Qual nada
Fiz pose de rainha
Dama blasé
Jamais me rebaixar
De que valeu?
Aqui estou eu
Sapos indigestos a engolir
E o fel , internamente a destilar
FAMINTA CARÊNCIA
Silêncio ensurdecedor
Ilusória magia
Mistério desfeito
Esperança vã
Quero-te aqui
Desejo-me aí
Vem, espero-te
Preciso-te agora,
Ontem e sempre
Oferta-me migalhas,
Aceito-as
Faminta carência ludibriada
Um mendigo sobrepõe-se à minha alma distorcida
Ao nobre oferecem-se esmolas?
ERUPÇÃO
Ver-te
Viver-te
Reflexos em meu olhar
Brilho ofuscante
Sentimentos represados
Vulcão a eruptir
DECÚBITO DORSAL
A decepção exala um odor nauseante
A impunidade enoja, provoca vertigens
Impotente ser desfalecido
As pernas amolecidas doem
Prostro-me em decúbito dorsal
Torço para me sufocar com meu próprio vômito