Metade do que Sou
Tudo me leva a escrever.
Um poema que li,
Uma imagem que vi.
Um barulho de fundo,
Uma música que ouvi.
Um motor de um carro avariado,
O relato da bola na rádio.
O trocar de um pneu furado,
Ver um derby em pé no estádio.
O tacto o palato e o ouvir,
A visão o olfacto e o sentir.
Estar em pé sentado ou deitado,
Tudo me traz a este estado.
Que é um estado metade-real,
Um incentivo para que possa escrever.
Na verdade talvez seja outra coisa,
Que se assim não fosse eu não saberia ser.
Chove Muito em Todos Nós
Qualquer distúrbio mental
só se evidencia
Quando o inconsciente ameaça
monopolizar o consciente
pelo peculiar inconformismo deste
Não há nada que destrua mais o homem
Do que o facto de não saber algo
Ou de ainda não o ter descoberto.
Neste processo de ignorância
Jung tinha razão
O consciente para se defender
De um atropelamento de informação
Abre as portas ao inconsciente
Até que este estabilize
(como uma barragem hidráulica em dias de muita pluviosidade).
Por vezes pelas formas mais estranhas
incoerentes, animalescas e por aí adiante.
Essa despejada informação
é conduzida a um enorme aterro
Onde por obra do acaso
Poderemos encontrar algo realmente valioso.
Em termos estatísticos tal equivale
à vinda de um messias
À explosão de um big-bang
A tornar falsa uma conjectura de Goldbach
À Loucura.
Um Lirico Idiota
O Poeta é uma designação fonética e gráfica
que tenta transportar a ideia de alguém mais complexo comparativamnte ao ser humano normal.
Um ser com uma linguagem bastante articulada
e com uma capacidade de sintese unica, usando a métrica o som e o conteúdo do que escreve para "desvendar" emoções. Todos nós sabemos que
por vezes não há, ou se há é muito limitada, linguagem para certas temáticas,onde as emoções estão incluidas. Mas também as cores tão incluidas. Temos muito pouca linguagem para cores.
Eu prefiro ver o "poeta" como um ser racional sempre pronto para o desafio de dissecar a linguagem para atingir o seu unico fim: Comunicar, do que ser um idiota que anda em espiral há séculos a tentar embelezar o que por si já é belo seja ou não escrito ou descrito. Talvez o poeta seja somente um Lirico idiota.
Paradoxo
Não escrevo sobre amor
porque o amor não pode ser escrito
Não penso no amor
porque o amor não pode ser pensado.
Não digo a ninguém "que o amo"
Porque o amor não pode ser verbalizado.
Um pintor certamente não pinta o amor
porque o amor não pode ser pincelado.
O escultor tem a mesma incapacidade
porque o amor não pode ser esculpido
Não posso morrer por amor
porque o amor perdurará
muito tempo depois da minha morte.
O amor para nós seres humanos
È só e unicamente sentido,
Preso numa cela linguística
Até alguém descobrir a palavra-chave.
"Self-Service"
Dê-me uma fatia
de poesia (por favor)!
Detesto este tipo de dia,
Em que por falta de magia,
A inercia toma conta
De tudo aquilo que eu faria....
....Detesto este tipo de dia...
Dê-me uma fatia
de poesia(por favor)!
Catarse
Por palavras, por tinta entre momentos,
Tornam-se orgânicos os pensamentos,
E a ditadura da escrita arrasta-me
novamente para este lugar.
Soldados de infantaria,palavras que jamais diria,
Marcham na métrica, no tempo, numa demanda à sonoridade.
São como um povo oprimido, em busca do exílio.
Anseiam no horizonte de cada folha em branco,
A vista de outra costa qualquer.
Barcas remendadas, frases atropeladas,
Ideias apavoradas, à espera do que vier.
Mortes cansadas, por não terem cemitérios,
Verbos exumados, sacrilégios editados,
Fins por acabar.
Mortes cansadas por não terem funerais,
Todas elas iguais.
Todas elas iguais.
Mortes abandonadas, sem terem sido pesadas,
Todas elas cansadas.
Todas elas cansadas.
Esta vida por autópsia, não tem onde morrer.
Ou limita-se a ser escrita, ou sujeita-se a escrever.
"Carnatal"
O Carnatal está quase aí à porta
ponham as máscaras da concordia
Tudo que se fez ou não já não importa
Paz Amor Mesiricordia.
Vamos comemorar ao som da martelada
dos pregos cravados nas mãos e nos pés
desta efeméride talvez por nós inventada
que sustenta um astronómico numero de fés.
A arvore o presépio e as chicotadas,
A meia na lareira com os presentes e a coroa de espinhos
O sangue e as luzinhas pelas ruas espalhadas,
A traição as melodias e os sininhos.
Tenta-se então salvar todo o resto do ano:
Quantos Gigas teria hoje a cruz de Cristo?
Teria hoje vindo a sua coroa com wi-fi?
Toda e qualquer crença hoje é crackada
E o Carnatal sempre vem e sempre vai.
"Já Há Mais"
Eu nunca serei um escritor
PrOPicio a gás
PrOPano, pois recuso-me a pagar
PrOPinas.
A Eterna Vaidade
O homem não quer só flores na sua campa.
Quer o eterno pesar da sua ausência.
Não quer só o comum luto na nossa roupa.
Mas sim naftalina na nossa memória.
Quer nos inconformados
Quer-se em nosso pensamento
Onde o intelecto ousa a discórdia
Com o terceiro mandamento
Quer que questionemos
Toda a nossa existência
Que espremamos a nossa fé
Que espremamos a nossa ciência
E quando por fim nos apercebermos
Que em resposta alguma encontraremos paz
Engolir-nos-á a nossa angústia
De não poder voltar atrás.
E então choraremos ás escondidas
As lágrimas conseguidas entre nós
Chorá-las-emos sempre.
E esta é a única forma
De o homem se eternizar
Na memória de outros homens
Pela obra que criar.
Higiene Intelectual
Escrevo para me purgar
Meto os dedos à garganta da existência
E vomito o alfabeto
Para aliviar esta azia metafísica.
Acontece-me escrever
Quando não me encontro distraído
Quando estou de vigília
De guarda ao que por mim não passa,
Ao que em mim não acontece.
É como uma carência de uma proteína qualquer.
Uma anemia por falta de glóbulos verde esperança,
Cuja sintomatologia consiste numa dor reflexa
Que vai desde o meu Córtex Frontal
Até ás discussões familiares dos vizinhos de cima.
Tudo me incomoda neste estado
E por isso escrevo.
Já devo ter o esófago queimado de tanto escrever.
E por isso escrevo.
Já devo ter um aneurisma na aorta de tanto escrever.
E por isso escrevo.
Já devo ter um enfisema pulmonar de tanto escrever.
E por isso escrevo.
Escrevo porque o corpo me pede
Porque o espírito me suplica
Mas Acima de tudo, escrevo por higiene intelectual.