Poemas, frases e mensagens de Slog

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de Slog

O meu pseudónimo é Luís Carlos de Gaudella. Principalmente entre 1990 e 2005 escrevi poesia. Não tenho nada publicado. Modelos poéticos: Camões, Pessoa, Bocage e Cesário Verde, Apesar de em alguns poemas é notória a influencia de Gomes Leal.

Deixem que vos conte a ‘stória

 
Deixem que vos conte a ‘stória,
De como cheguei a este estado:
Co’um celeste anjo tenho sonhado,
Num sonho de que não há memória.

Ainda o vejo ali, sentado,
Mostrando toda a sua gloria.
Eu nunca alcancei a vitória,
Até na amizade fui falhado.

Foi por um anjo que me apaixonei,
Por ele reneguei tudo o qu’ era meu;
Por amor, do passado me afastei.

Já sei como tudo vai acabar:
Sou aquele que já tudo perdeu
Apenas porque um anjo quis amar.

Foi alterado o ultimo verso para coincidir gramaticalmente:
de:
Só porque um anjo queria amar.

para
Apenas porque um anjo quis amar.
 
Deixem que vos conte a ‘stória

Sábado à Noite (I)

 
P’ra festa nocturna de sábado
Modifiquei-me, pus-me decente:
Fiz a semanal barba bem rente;
Fiz um mais clássico penteado;

Fui de sapato bem engraxado;
Vesti fatiota diferente
Daquela que visto normalmente;
Tive um canto para ti dedicado.

Ensaiei mil vezes o discurso
Pra não fazer figura de urso
Quando, pra te falar, fosse a hora.

Mas tu ignoraste os meus ensejos,
Ignoraste os mais puros desejos
Que possuo e foste-te embora.
 
Sábado à Noite (I)

Sacerdote, Altar e Cordeiro

 
As forças perdes, crucificado
Nessa cruz. Dás-nos uma dádiva
Que escapa até ao fim da vida:
Libertaste-nos do vil pecado.

Seja o Teu nome santificado;
Seja a Tua luz a mais querida,
E resgates Tu a alma perdida
Do mortal que te deixou pregado.

Ilumina-nos o coração
Que, sem o Teu Imenso perdão,
É como um dia de nevoeiro.

Fizeste um grande sacrifício:
Por nós, fizeste-Te a Ti próprio
«Sacerdote, Altar e Cordeiro.»
 
Sacerdote, Altar e Cordeiro

Sábado à Noite (II)

 
Saíste de lá antes da hora.
Fiquei lá olhando pr'as estrelas,
Sai e fui às tuas janelas:
Fui procurar-te jovem senhora.

Percorri as estradas e nelas,
Desertas, não te vi, embora
Muito te procurasse… agora
Venho pra casa chorar singelas

Lágrimas. Pego em papel, caneta
E na minha veia de poeta
E escrevo este poema pra ti.

Em vão quis falar-te do amor
Que sinto, que me dá sentida dor,
Da sentida alegria que senti.
 
Sábado à Noite (II)

Patriotismos

 
Vermelho, verde e amarelo:
Vermelho do sangue dos heróis,
Verde da esperança no futuro,
Amarelo do ouro que trouxemos do mundo.

Isto é Portugal, isto só os portugueses,
Isto é uma ilusão.
Portugal não é dos portugueses!
Isto é só um ilusório discurso
Dos políticos sem educação
Que o foram vendendo aos poucos
E agora tapam os buracos com mentiras.

Constroem estradas, escolas, hospitais
Com o dinheiro sujo da ignóbil venda;
Dizem que é justo, que é bom!

Não queremos estradas
Queremos cultura, desenvolvimento real;
Não queremos escolas
Mas sim educação cabal;
Não queremos hospitais
Mas sim um sistema de saúde que funcione;
Não queremos inaugurações
Mas sim Portugal de volta,
Portugal nosso, só nosso,
Onde possamos andar à vontade
E sem que os outros nos digam o que fazer.

É que as estradas, escolas, hospitais,
Em toca das pescas e do progresso
Não é uma troca justa
Mas sim um abandono social
Uma dependência internacional
Que muito envergonha
O azul e branco do passado.

O que diria Afonso se visse que
A nação que criou à custa
Do seu sangue e suor,
A nação que foi do mundo regente
É hoje governada por nações de segunda
Que muito se orgulham de ter
Subjugado Portugal, o Regente.

Ai se os tempos fossem outros
Eu bateria com uma luva na cara dos traidores
E combateria-os até à morte.
Não sairia derrotado porque teria
A força de um povo nos braços
E as mãos deles estariam ocupadas
A agarrar o ouro que amealharam
Durante estes anos todos.

Acorda Portugal
Tu tens o poder
De os deitar abaixo
Basta quereres!

apesar de ter mais de 10 anos acho que tem alguma actualidade
 
Patriotismos

É como um poema jamais lido

 
É como um poema jamais lido,
O sentimento que trago em mim,
É um amor que foi prometido,
Que nunca encontrará o seu fim.

Fechado, numa sala, penso em ti
E nas palavras que os dois trocamos;
(e, nunca, nenhuma eu esqueci!)
As secas que juntos passávamos,

Escutando matérias chatas,
Escrevíamos pequenas cartas,
Num só nosso código secreto.

Recordo o nosso olhar discreto;
Recordo os olhares mais profundos:
A união dos nossos mundos.
 
É como um poema jamais lido

Elegia à Sirena Limia

 
Agarrado num negro madeiro
Maldigo a minha fatal sorte
Que me levou o batel inteiro,
Negando-me a mim a final morte.
Agarrado assim, em delírio,
Lembro-me da suave canção
Que me trouxe aqui, a este rio,
Seguindo aquele deus pagão,
Aquele que acerta bem no peito
Com flechas vis, de ilusão cheias,
Que nos levam a sair do leito
Familiar e seguir p’ras praias
Longínquas, onde uma sereia
Canta, enfeitiça o coração,
Faz lançar o batel contra a areia,
Afogando a tripulação.
Lembro-me de quando descansava,
Escutando os sinos de Tregosa,
Encostado a um muro eu ‘stava,
A admirar aquela flor mimosa,
A rosa vermelha, cor de fogo,
Que estava num jardim ali perto,
Que com o vento fazia o seu jogo,
O seu jogo de amor prometido.
Então ouvi o negro cântico
Que me falava de amor fingido
Que eu cria real. Era cínico
O canto. Era cínico o canto!
Mas eu não o percebia. Para mim
Era apenas musica de encanto
Que me guiaria para o jardim
Eterno. Mas descobri que eterno
Somente a morte. Nada mais o é.
Neguei então o jardim terreno,
Reneguei tudo, até minha fé.
Larguei família e amigos.
Vi meu nome lançado à lama!
Fiz-me um pirata, um saqueador.
Matei e o sangue das vitimas
Bebi! Hoje, flagelado pela dor,
Num papel escrevo estas rimas,
Confessando o crime terrível,
Que o meu vil amor fez cometer.
Sim tu, Sirena amada, horrível,
Fingiste o amor, fingiste o prazer.
Foste a mão e eu a ‘spada
Que juntos desceram sobre a terra
Matando todos, até crianças,
Sacrificaram o mundo à guerra;
Que apagaram todas as mudanças
Que nos tentam combater em vão!

Desisto Sirena! Eu desisto!
Jamais serie a ‘spada da mão
Criminosa. Serei cruz de Cristo,
Serei ‘sperança, jamais a morte,
Lutarei até ao fim contra ti
E, se me ajudar a sacra sorte,
Encontrarei o amor que perdi,
Salvar-te-ei da vileza da vida,
Mostrar-te-ei a vida do ‘spirito
E tu a seguirás, protegida
Pela mão do divino perito.
...
...
...
...
...

Falhei! Afogo-me nesta ria.
Matei todos os meus companheiros.
Não te salvei, Sirena Limia.
‘Gora nos momentos derradeiros,
‘Gora que sinto a agua a levar-me,
Tento dar um último suspiro.
Sinto-me etéreo, a elevar-me.
Sinto as mãos de um qualquer Zéfiro
A colocar-me ali à superfície;
Vejo aproximar-se um outro batel,
Julgar-me ser uma piscatória ‘specie,
Tirando-me da agua, dando-me mel.
Dizem que tive sorte, ‘tou vivo.
Mal conhecem eles o flagelo
Que é viver sendo assim, cativo,
Dum qualquer coração de gelo!

Agarrado ainda ao madeiro,
Maldigo a minha fatal sorte
Que me levou o batel inteiro,
Negando-me a mim a final morte.

Barroselas
13.10.94
 
Elegia à Sirena Limia

Berço de Heróis

 
Passaram cinco centenas de anos
Desde a aventura do povo luso:
Cruzaram mares, deram uso
Da experiência e soberanos

Foram. E do mais nobre ao recluso,
Foram grandes heróis lusitanos.
Mas hoje, passados tantos anos,
Em viva voz `xclamo e acuso:

Portugal, Portugal, és cúmplice
Desse vil, sanguinário lince
Que de si próprio s`alimenta.

Que triste verdade m`atormenta:
O berço de heróis teve a sina
De se ver repleto de heroína.
 
Berço de Heróis

Desvaneio Amoroso

 
Dizem-me que o amor nunca morre;
Que acorda a vida a cada instante;
Que a dor desaparece no amante;
Que o tempo passa mas não corre;

Que o amor da morte nos socorre;
Que ele torna jovem o semblante
Dum qualquer adorada infante,
Que este belo caminho percorre.

Dizem-me que ele é eterno, sem fim;
Alegre como um florido jardim;
Que é terno como como um beijo amigo.

Mas este amor a mim não chega,
É somente uma visão cega,
Uma visão que eu persigo…
 
Desvaneio Amoroso

Visitou-me numa noite escura

 
Visitou-me numa noite escura,
Um branco fantasma, já esquecido.
Deu-me um conselho não perdido.
Eis o que me disse a criatura:

“Homem de tão triste figura,
Lembra-te do passado vivido;
Da dor; do amor tão sentido;
Que tudo seja uma luz pura,

Uma luz, levando-te ao futuro,
Nunca devendo prender-te ao cais,
Ao porto da alegria já ida.

Como professora aceita a vida.
É a única que tem seguro,
Que te irá ensinar muito mais.”
 
Visitou-me numa noite escura

O Circo

 
Vou ao circo. Lá está a grande tenda,
De centenas de cores pintada;
Lá está toda ‘quela bicharada
Que fará nascer mais uma lenda.

Ali a jaula do majestoso,
Daquele rei da selva, o leão,
Mais adiante o pardo irmão,
No chão deitado, ocioso.

Em volta da tenda, nas roulottes,
Preparam-se os ledos artistas,
Para actuarem naquelas pistas.
São reis sentados em caixotes.

Vejo também as equestres raças,
Saltam, saltam nas suas jaulas.
Ali um saltimbanco dá aulas
Ensinando um petiz lançar massas.

Aproximo-me da bilheteira,
E Lá dentro, com ares de doutor,
Pergunta-me um oculto vendedor,
Se a senha é meia ou inteira.

Já entrei na tenda, finalmente,
Pouco a pouco vem a multidão
Sentar-se com grande confusão.
Apagam-se as luzes de repente.

Liga-se outra no centro da arena.
Aparece um serzito másculo,
Dando inicio ao espectáculo
Com um leonina faena.

Saltam e ressaltam os animais
Ao som do chicote do domador,
Pulam para as grades (que terror!
Pulam os filhos p’ros colos dos pais.)

Voltam p’ro chão, entram mais dois,
Co’os outros fazem pirâmides,
Atravessam mil ardentes sois,
E tudo há nas suas lides.

Protegido por uma cadeira
Lá vai ele, o herói sem medo,
Com seu rosto feito num penedo
E o chicote à sua beira.

Dá agora por acabado o seu show,
Este tão actual sandokan.
De mim não fez um sonhador fan
E a mesma impressão a outros deixou.

Volta a escuridão a envolver-nos
E logo com casacos sem braços
Chegam os cómicos, os palhaços,
Co’os seus velhos e rasgados ternos.

Co’a missão de alegrar um pouco
O povo que alegria procura,
E aqui vem numa noite escura,
Procurar a alegria dum louco.

Dão umas trocadas cambalhotas,
Escorregam, dão uma piada
E arrancam uma gargalhada
Que aproxima as gentes mais remotas.

Tudo vale para estes homens,
Tudo é significante, tudo:
Um sorriso, um som assim mais mudo,
Um grito dado pelos mais jovens…

São verdadeiros diplomatas
Estes palhaços, grandes senhores,
Que nos fazem esquecer nossas dores
Das vidas nestas humanas matas.

Despedem-se os reis da comédia,
Entra agora na arenosa pista
O da mão mais rápida que a vista,
O feiticeiro da fantasia.

Tira um coelho da cartola,
Põe uma bola no ar pairando,
Todas as criancinhas pasmando
Ao tirar do seu bolso uma rola.

Baralha as cartas, sai mais um truque,
Adivinha qual foi a escolhida;
Já no fim arrisca a sua vida,
Ao som dum mui rápido batuque.

À sua saída as luzes sobem,
Iluminam as grandes alturas,
Onde os artistas sem tonturas
Dão piruetas como ninguém.

Ali dão voos, saltos mortais,
Saltam para outros trapézios,
Indo de níveis intermédios
Para outros maiores, divinais.

Saltam por entre arcos bem ardentes,
Saltam por outros feitos de papel,
‘té saltam um laminoso anel!
Eles são estrelas cadentes!

Entre aplausos saltam para a rede
Para agradecer fazem vénias
(vénias não, honras sérias
Para quem tão alto valor mede!)

Entram uns, saem outros. É assim
A vida no circo. Todo o dia
A plantar sonhos, colher magia,
Um ciclo que jamais terá fim.

Entram agora os saltimbancos,
Ao ar suas garrafas lançando,
Labaredas de fogo soltando,
Rodopiando alguns pratos brancos.

Tocam co’o fogo na sua pele,
Lançam ao ar facas afiadas,
Deixam as pessoas admiradas,
Pensando: “como será possível?”

Entram por uma aberta cortina
Uns belos, emplumados cavalos,
Começa toda a gente a admira-los.
Vaidoso um deles até empina.

Andam em círculos concêntricos,
Todos em volta do seu treinador,
Que de cada um é conhecedor
Dos temores, cores ou salpicos.

Dão coices no ar, majestosos,
Viram, saltam, andam a galope,
Todos juntos, todos como um lote,
Não fazem actos mais perigosos.

Recolhem. Volta aquele homenzinho
Que ali no meio da arena grita,
Berra, faz uma enorme fita.
Despede-se, primeiro sozinho,

Depois chama todos os artistas
Que, todos juntos, fazem vénias,
Mostrando uma união de famílias,
Pois irmãos são entre as pistas.

Saio agora co’a multidão.
Cá fora as mesmas coisas vejo.
Mas agora levo no desejo
À fantasia dar minha mão.

03.07.1993
 
O Circo

55 dias – Guerra do Huambo

 
Terra distante, berço do meu ser.
Pobre terra, de riquezas cheia.
É sobre ti que quero ‘screver,
Sobre o povo que, sem querer, guerreia,
Impedido pelo seu governo
D’ of’recer seu abraço fraterno.

Terra minha, por todos ‘squecida,
Pelo mundo foste abandonada
E, em plena guerra fratricida,
Foste tu, minha Angola, deixada.
E num mundo de hipocrisia
Tu ficaste em plena tirania.

Como é triste ver o meu berço
Queimado p’los horrores da guerra.
Escapei, sem saber se o mereço.
Saí de emergência desta terra.
Não posso calar agora a voz,
Deverá ser ela a de todos nós.

É torpe o sofrimento que passas,
Vendo morrer teus filhos mais fracos.
P’ro vencedor não há quaisquer taças,
Apenas uns quantos negros sacos
E umas pás p’r muitos enterrar.
(muitos mais apodrecerão ao ar!)


Espero ter a precisa arte
De cantar em livre e solto verso,
A história de quem o povo parte
E o deixa p’las matas disperso,
Retirando o direito à vida
Desta nação por tantos ‘squecida.

Louvarei também os que ficaram,
Mesmo arriscando sua vida,
Co’o povo eles permaneceram,
Dando-lhes a ‘sperança perdida
E sempre tentaram reconstruir,
Apesar de ser mais fácil fugir.


Cantarei também toda a alegra
Que, apesar desta guerra, manteve
O povo. Canta todo o dia
Para que a paz que ele nunca teve
Surgisse no meio da mentira
Daquele que dá e logo tira.


Dedicarei o ‘scrito ao povo
Que, sem querer, está numa guerra sem fim.
Eles não querem um país novo,
Apenas qu’a paz cresça no jardim
Que foi o seu país no passado,
País esse qu’ hoje ‘stá queimado.

Dedico o ‘scrito igualmente
A todos os que ‘scolheram ficar,
A um dedico particularmente,
Pois seu testemunho fez-me pensar
No que é ser-se missionário,
Num mundo de si tão contrário.


Após uma grande guerra civil
Que levou muitos filhos amados,
Deixando numa muito difícil
Posição todos os que, cansados
De viver em sanguíneas guerras,
Querem apagar das suas terras

Os vestígios da destruição
E reconstruir todo o seu país.
Mas surge uma outra revolução,
Uma revolta que o povo não quis.
Pois só tinha base na avareza
Dos líderes que queriam a riqueza!

Após a revolução veio a guerra.
A luta p’la vida fez-se morte,
Que se alastrou por toda ‘sta terra.
Vieram cantar de galo os do norte
Fortalecidos p’los diamantes,
Enganaram, do povo, bastantes!

Co’o povo cheio de fome, minas
Semearam por todos os campos.
Nem deixaram ‘mas passagens finas
P’ra servirem d’ ajuda ou tampos,
P’ra que o povo se pudesse salvar.
Não, eles só pensaram em matar!

Fogem os inocentes p’ró mato,
P’ra fugirem duma guerra alheia,
Que faz crescer o já grande hiato
Entre o que vive o o que guerreia
Pois esta guerra não é querida,
Apesar de por todos ser sentida.


E quem mais sofre são os pequenos
Que vêem a paz como uma criança
Que p’rós grandes é ainda menos
Que um alvo p’ra grande matança.
Por isso fogem para a floresta
Onde ‘speram ‘té chegar à festa,

A alegria de voltar às ‘stradas
Sem receio do que está à frente.
Dar sem medo todas as passadas,
Caminhando como alguémq eu sente
Que o passado ficou lá para trás
E levando à sua frente a paz.

Já viram o Branco Bispo rezar,
Juntando à deles, a sua voz.
Ouviram a juventude cantar
Bendizendo a casa dos seus avós.
Até a pomba no altar pousou.
E a ‘sperança nesse altar deixou.

Viram a casa em pedras tornar-se
E as pedras em casa outra vez!
Assim o povo há-de levantar-se
Para construir a nação de vez.
Pois é uno o povo e a nação
É uno o sentir deste coração.

Mas a paz jamais poderá surgir
Quando não estiverem preparados
Os políticos. Têm de a sentir
Em seus corações iluminados
Co’a união Daquele Que É Um
P’ra chegarem ao futuro comum.


Este é pois o meu desejo:
Que se levante este povo do chão
E grite em uníssono, sem pejo,
Estar farto do sofrimento vão.
Que seja ‘scutado o grito mudo
Dos que sofrem e perdem tudo!
 
55 dias – Guerra do Huambo

Gritei por ti

 
Gritei por ti… Oiço o eco vindo
de todos os lados… O nome teu,
Repetido no vazio do céu,
Marca um sentimento ‘gora findo.

Por ti, em vão, bate o coração meu.
Morre agora, sempre sorrindo;
Sei que nunca fui, por ti, bem vindo.
O Eco honra agora o que morreu.

Gritei por ti… Continuo a gritar:
O eco continua sozinho
A embriagar-me como vinho.

Gritei por ti… continuo a gritar:
Grito a dor de tanto amar-te!
Gritei por ti… Fiz do grito arte!

Cacém 16-01-2008
 
Gritei por ti

Sábado à Noite (III)

 
Mas hoje já tudo percebi
Tinhas a solene comunhão
Pra preparar. O meu coração
Compreende. Ciúme cegou-me, vi

O erro que fiz e compreendi
Porque te foste. Tinhas razão.
Escutei no domingo o sermão
Do padre e mais forte me senti.

Eu preciso de ir falar contigo
Antes de me levar pro jazigo
Este amor que só por ti sinto.

Amo-te tanto, dama mimosa,
Amo-te tanto, morena rosa,
E tu sabes bem que não minto
 
Sábado à Noite (III)

Escrito na água

 
Recordo-me das noites em branco
Em que teu amor tanto desejei.
Recordo-me da tua alma de santo
E das lágrimas que por ti chorei.

Recordo-me de ti, no entanto,
Além das noites que por ti velei,
Só recordo o mais triste pranto
Que por alguém, alguma vez eu dei.

Lembro-me de tudo o que prometi,
Dos sacrifícios que fiz por ti.
Recordo-me de tudo, de tudo…

Eu lembro-me de tudo, contudo
Vejo que o que disse foi magoa,
Tristes palavras escritas na água.
 
Escrito na água

Amor vs Amizade

 
Assisti a uma conversa singular
Entre duas estranhas figuras:
Pareciam fantasmas d'almas puras;
Podia ser eu que estava a sonhar,

Mas ainda as oiço a falar:
Uma tinha as vestes escuras,
Tal como as dos antigos curas,
A outra vestia a cor da Lua.

Tenho ainda as palavras presentes:
"Para que serves tu?" - Ouvi perguntar
À amizade o negro Amor.

Respondia ela entre os dentes:
"P'ra limpar as lágrimas que a dor
Dos teus actos estão sempre a causar."
 
Amor vs Amizade

Será Amor o bater incerto

 
Será Amor o bater incerto
Do meu coração? Ou será dor,
Pura dor? Será ambas certo
Pois magoa como a dor o amor!

Será de ‘star de ti tão perto,
ou de, nas cartas, ser um perdedor?
Seu que não sou o príncipe certo
Que há tanto ‘speras com tanto ardor.

Mas se olhares bem dentro de mim
Verás que tenho um imenso jardim
Onde florescem todas as flores;

Entre elas estão os lírios,
Que enchem os vales e os rios
Com seus maravilhosos odores.
 
Será Amor o bater incerto

Cálice Sagrado

 
Guarda em ti as minhas lágrimas
Guarda as lágrimas de sangue e mel.
Torre antiga, nunca de Babel,
Guardiã da palavra de Dimas;

Cálice Sagrado, Xis eterno,
De ti saem raios d’ eterna luz;
Via secreta que a tudo conduz,
um “não me toques” em tom sereno.

Princesa oculta aos olhos de ver,
Noiva perdida, razão de viver!
Sinal de Vénus, torre vigia.

Nome secreto, oculto em si.
Sem saber, suspiro sempre por ti,
Dama terna, de nome…

21.09.2004
 
Cálice Sagrado

Quantas palavras reservo em mim

 
Quantas palavras reservo em mim?
Quantos sentimentos abafados?
Quantas visões de tempos passados?
Quantas vezes não soube dizer sim?

Quantas vezes recusei no jardim
Entrar, ficando co’s recusados,
Os injustamente acusados
De cometerem vis actos sem fim?

Quantas vezes calei o coração
Afirmando ser tudo mentira,
Não passar este mundo de ilusão?

Apontei aos alvos sem ter mira,
Não vendo que o destino da paixão
Me levava p’ra funesta pira!

24.11.2000
 
Quantas palavras reservo em mim

A Cegonha

 
Era uma vez uma cegonha
Que não sabia como voar.
Num passado de pleno azar
Tentou faze-lo, mas com vergonha

Caiu nas pedras duras do chão
E quebrou a asa que, partida
A prende àquela terra perdida
Sem poder voar na vastidão

Do ‘spaço como as irmãs
Que todos os anos vê voando,
No céu por cima dela passando.
Vê passar todas as cegonhas sãs,

Nas ela, presa na superfície,
Desta terra nas não as acompanha
São co’os olhos. É ‘stranha
Dentro da sua própria ‘specie!

Apesar de tudo teve sorte
E pelo povo foi adoptada.
E por todos é sempre tratada,
Tendo ‘scapado assim da morte.

Baptizaram-ma como Joana,
A cegonha que não voava.
E Joana entre eles andava
Por todos os dias da semana.

Peixe num balde ela comia;
Andava majestosa na rua;
Orgulhosa a penugem sua
Limpava, sempre, todo o dia.

Tinha mesmo gostos pessoais!
Era dócil para quem gostava,
Quem não gostava ameaçava,
Afastando-os co’os seus sinais.

Tornou-se um ex-libris da cidade;
Um vivo quadro daquela gente;
Um grande orgulho sempre presente,
Que a distância deixa saudade.

Quando morrer haverá luto,
Por toda a cidade se chorará.
Um sentido suspiro se ouvirá
Do mais idoso e do mais puto,

De todos aqueles habitantes
Que se lembrarão dos instantes
Em que Joana a cegonha viveu,
Entre um povo que sempre a recebeu.

Barroselas 30.04.1995

Origem da história: http://aldeiashistoricasdeportugal.bl ... ria-da-cegonha-joana.html
 
A Cegonha