OS POBRES
Na inquietação da sombreada vida
onde cada qual do outro se afasta,
paira sobre nós a miséria esquecida
que magoa os corações que agasta.
Passamos ausentes sempre apressados
alheios do mundo que a mão estende,
olhamos apáticos os olhos encovados
e lamentamos a miséria que a vida fende.
Acossados pela fome e pelo desamor
suportam os pobres um viver de frieza,
gastos no silêncio são arautos da dor
que curtem angustiados na sua pobreza.
Abandonados na lastimosa solidão
derivam pelas ruelas escuras e frias,
onde só as estrelas possuem o condão
de as aclarar e tornar menos sombrias.
Por caminhos de incerteza e amargura
os pobres no anonimato mergulhados
vibram carentes de carinhos e ternura
e expiam agonizantes os sonhos falhados.
A MORTE DA ANDORINHA
Já não voa a andorinha pequenina
Que os ares alegrava com graça
Quebraram-lhe a asa franzina,
Jaz ferida de morte na praça.
Seu encantador trinado e chilreio
Morreu estrangulado pela dor
E as belas tardes de enleio
Desventuradas perderam brilho e cor.
No voo cheio de grácil melodia,
Cortando o primaveril aguaceiro
Cantava enamorada de alegria
Na construção do seu lar primeiro.
Já não geme a guitarra afã
Seu trinado também se perdeu,
Calou-se uma voz amiga e irmã
E com saudade da andorinha morreu.
Mais pobre ficou a primavera
Por ter perdido algum encanto
Morreu a andorinha que era
O arauto que alegrava com canto
Os campos cheios de quimera
Que no silêncio calaram o pranto.
A PAIXÃO
A paixão é divino dom de encantar
Um coração faminto de amor
Que se expressa com simples olhar
No deslizar amargurado da dor...
A paixão é cristal num sonho embriagado
De poemas fundidos na alegria e ternura,
Arde sem lamentos no coração enamorado
Desejoso de alcançar os laços da ventura.
A paixão é fulgor de magia querida,
Gaivota alucinada ao sabor do vento,
Corre sonâmbula na sombra perdida
No solitário silêncio do pensamento.
A paixão é um bem querer que ecoa
Na amarga desilusão que a vida magoa!...
A CAMINHO DO GÓLGOTA
Arrasta-se Cristo com pesada carga,
Soltando suspiros e gemidos de dor,
Mil preces se elevam em voz amarga
Para aliviar do sofrimento o Senhor.
Aos ombros transporta robusta cruz
E na cabeça tosca coroa de espinhos,
Verga-se ao peso a figura de Jesus
Pelos pedregosos e rudes caminhos.
Rosto cuspido e esquartejado o corpo
Por soldados romanos com chibatadas,
Três vezes cai sem forças e quase morto,
Três vezes se ergue e caminha de novo
P'ra cumprir as Escrituras Sagradas
E salvar os homens, filhos do seu povo.
O PASTOR
Nasce na plenitude de encantos o dia
e lá longe o sol começa a despertar,
brilhos multicolores o orvalho irradia
nos montes silenciosos e seu acordar.
Cumprindo o destino da própria vida
num ardoroso labutar a toda a hora,
entrega-se o pastor à dureza da lida
de partir pela madrugada campos fora.
Ensinado pelas aves a sorrir e a cantar
nos cerros e montes onde mora o encanto,
quantas vezes com vontade de chorar
alivia as dores com o próprio canto.
Como companhia tem o carinho do gado,
almas irmanadas numa mesma solidão,
que seduzidas pelos encantos do prado
apagam a tristeza com a mesma canção.
Fustigados pelo frio ou estival calor
percorrem os carreiros da mesma sorte,
lutam em desigualdade com afinco e ardor
que vai esmorecendo até findar na morte.
LEITO DE AMOR
Nas noites invernosas e frias
ao ver-me sozinho na cama,
lembro as juras que fazias
incendiadas de calor e chama.
Nossos corações ofegantes,
juntos em amor e orgias,
eram cravo e rosa amantes
nas noites invernosas e frias.
A mais linda rosa em flor
é mulher que chora e ama,
também eu choro de dor
ao ver-me sozinho na cama.
Naquele leito de amor
eterno amor prometias
e da paixão e do ardor
lembro as juras que fazias.
Vivemos horas de encanto
deitados na mesma cama
choravam as almas em pranto
incendiadas de calor e chama.
MUNDO CÃO
Mundo cão,
Mundo ingrato,
Despedaçado,
Amaldiçoado,
Tratado como trapo...
Domínio do rancor e da maldade,
Morte do sentido do belo,
Omissão da pura verdade
Num constante desmazelo...
Prostituição,
Droga,
Ambição,
Pedofilia,
Homossexualismo,
Incesto e mania,
Lesbianismo,
Sida,
Proxenetismo...
Tudo tratado com desdém
Numa perdição total
Sem um olhar de alguém
Que evite um triste final.
Estupro,
Traição,
Furto,
Morte,
E maldição
Grassa por todo o planeta
Num crescendo constante,
Até que um messias profano
Com super força de gigante
Domine o ser humano,
Tornando-o menos arrogante.
Nesta luta sem igual
Amaldiçoa-se pai e mãe
E renega-se o próprio irmão
Que nas malhas do mal
E apanhado na traição
Luta para dobrar a sorte
Que o conduzirá à morte,
Libertando-se do mundo cão
O VINHO DO LAGAR
Dançam leves bailados
onde o suor é o vinho
cachos negros e dourados
num espremer de mansinho.
Levado o engaço p’ra o lagar
e colocado em finas camadas
entre as esteiras a chorar
lembra lágrimas derramadas.
Enorme tronco de madeira
o bagaço aperta lentamente
que em camadas na esteira
se aconchega suavemente.
Colcha rubra e brilhante
reveste o lagar inteiro,
escorrendo gotejante
como sangue verdadeiro.
Corre o vinho para a dorna
num melodioso gorjear,
sobe o odor que o torna
divina bebida d’encantar.
AMOR PRISIONEIRO
Escravo é o meu amor
cativo do teu olhar,
reza e chora de dor
com desejos de amar.
Afagar tua face morena
num impulso de ternura,
é melodia serena
com laivos de doçura.
No beijo que te dei
com prazer e desvelo,
meu amor nele deixei
com receio de perdê-lo.
O drama de quem ama
num viver apaixonado
é consumir-se na chama
a que vive acorrentado.
POBRE NASCER
POBRE NASCER
Noite gélida na soturna choupana
Onde humano é apenas o ténue calor
Do bafo que alastra na fedorenta cabana
E afoga em pranto a desumana dor.
O abrigo cercam apodrecidos taipais
Onde nem vela lacrimosa derrama luz,
Criança simples nasce como as demais
Na pureza singela da Natividade de Jesus.
Pelas frinchas do telhado coberto de lama
Em dança suave entra neve branca e fria,
Acumula nas rochas que servem de cama
E nos imundos recantos da cabana vazia.
Gritos chorosos de voz débil e rouca
Ecoam nos penedos do monte perdido
Como magia que enche de coisa pouca
A "casa" do menino na pobreza nascido!...