CANÇÃO DO AMANHECER
ah, se fosses tu o olhar d’aurora
ah, se fosses tu o perfume d’ agora.
terias meu corpo inteiro jardim
terias terrenos viçosos de mim
ah, se fosses tu
ah, se fosses tu
o chão bolinado de orvalho
ah, se fosses tu este sol
me pedindo agasalho
quem dera fosses tu
mandando a sombra se esconder
quem dera fosses tu
quem dera fosses tu
este amanhecer
serias um raiar infinito
saudando meu amor
ainda mais bonito
qu’ este dia
amanhecido
Arquivo morto
quando o sol
não for mais sol
nem estrela
nem bola de fogo
quando o vento
não for nome de ar
em movimento
quando o ar não for
mais ar e nem o chão
flor e mata não
puderem ser mais chão
flor e mata
quando a água
não puder mais
ser água e os animais
não tiverem mais identidades
e seus grunhidos e
burburinhos não forem
mais som e nem tampouco
silencio e mesmo o silencio
ocorrer sem poder chamar-se
silencio
e tudo o mais
que se cerca de animados
ou inanimados não passarem
de acontecimentos
sem nomes
foi porque ocorreu
a extinção
do homem.
se um dia eu disser será pra te lembrar
como dizer
que te amo
se o mover
do meu amor
não dá tempo
pra
anunciar?
despropriedades
dos teus devaneios
há um ser que foge mal consumido
desequilibrando a bandeja
de cobre mal fundido
da heróica fome
que te lança a garimpar pequenos
mundos
nada fica inteiro
no ser de ti que foge
nem mesmo a estatueta
em ouro inspirada
pra sempre brilhará
somente em tuas mãos.
ardilosa mente
em vagas horas onde
se quebra o silencio,
mar estendido no
o pensamento,
ardilosa
mente
faz-te fazer navegar
até minha ilha de aventuras.
ondular-te neste mar
descontrolado em clausura
expande-se o poder
e a bravura
de guiar-te em rodopios de vento
no azul de um tempo inteiro
em ondas de tormentas...
na pressa de aportar-te,
nuamente
na praia órfã
de castidade, ao meu dispor,
somente
queria apenas
queria apenas morrer
com um raio de sol nos lábios
e uma brisa de lua na face
não caminhando sobre
pedras em chamas
não cavalgando em ondas
fervilhando
só queria morrer
estampada de luz
não com o jogo
mareante
do teu fogo
desapego
livre das coleiras
do presente
de braços abertos
e peito ao céu
alargo-me
em silencio
mesmo que
ondículas
surjam provocadas
pelas pedras
atiradas pelo destino
ser-me-ei um lago
cálido e
cristalino
medo
aquele quieto lago
que sempre passo ao lado
tudo dentro parado
e de repente
uma folha
uma pedra
e a dança
fantasmagórica
do reflexo
mais alma do que massa
Era uma rua comum, talvez nem tão bela,
mas nela havia o ritual sagrado das manhãs.
O tempo passava devagar ali,
como se os ponteiros tivessem preguiça de cortar o silêncio.
Cada janela aberta era um convite
para que o mundo se lembrasse de sentir.
O cheiro não pedia permissão.
Era pão, era infância, era a certeza
de que tudo o que importa começa simples:
trigo, água, calor e espera.
Mãos pequenas talvez nem soubessem,
mas carregavam o universo inteiro
ao agarrar o primeiro pedaço, ainda quente,
ainda mais alma do que massa.
Hoje, a rua mudou.
As buzinas espanam os cheiros d'outrora.
As padarias de janelas azuis viraram fotos.
Mas há algo que ninguém levou:
essa saudade que visita com cheiro e forma de pão.
Ela é minha... E talvez, tua.
((malandragem))
teus olhos...
meandram
por trás de montes
cruzam pontes
assaltam cores
de horizontes
perfuram o mar
o chão
as mãos
investem em mundos
enfrentam poços
tão profundos
teus fugitivos olhos
nunca enfrentam
os meus
quando finges
amar me
(...) e te amando
os meus fingem tão bem
acreditar nos teus;
os meus...
tão malandros
também
Mary