Da janela
As alvas nuvens vadiavam altaneiras
Indiferentes ao matiz empalidecido da tarde
que se ia aconchegando no quase breu
trazido nos braços da noite…
Da janela escancarada aos sonhos,
ela, nostálgica e fascinada,
contemplava a mutação temporal,
enquanto seus pensamentos
tal como as nuvens,
erravam por longínquas paragens
sem rumo…
num navegar sem vela,
deixando-se levar à deriva…
por vezes veloz, por vontade dos ventos
outras, pela acalmia das brisas…
Talvez inconsciente, ela buscasse
um porto de abrigo
onde deixasse de sentir as amarras
a que a solidão a tinha confinado…
A noite finalmente envolveu a urbe
numa escuridão quase tenebrosa,
assim se sentia sua alma
acorrentada a uma tristeza
que, talvez, só a alvorada libertasse.
José Carlos Moutinho
Chove, chove
Chove de maneira incessante
chuva miudinha tão irritante,
a água corre pelas calçadas
ficam as pessoas encharcadas
Estamos no seu tempo, dirão,
é certo, mas prefiro o verão
embora o calor me apoquente,
e afinal nem sei ser coerente
Decidi, escolho a Primavera
com sol e muita passarada,
perfumes das flores à espera
Que o inverno se vá de abalada,
carregue a chuva pra outro lado
e fique eu aqui, bem sossegado
José Carlos Moutinho
Escrevo
Escrevo,
só porque me apetece
e escrevo para todos
e para ninguém,
que me importa que não gostem
do que o momento me ditou
e transformei em estrofes
se há em mim um desejo ardente
de incendiar as palavras com versos
de sentimentos por vezes controversos?
Assim, escrevo eu
sem pensar em quem me vai ler,
escrevo porque quero que saibam
que as minhas palavras brotam
da fonte dos meus instantes
e que a cristalinidade dos meus sentidos
é a corrente que me leva a navegar
até ao mar da minha imaginação...
Por isso, que culpa tenho eu
se não me acompanham
neste meu solitário navegar
onde a minha fome de palavras
invade-me a alma
gritando ansiosas por se soltarem
da âncora do meu peito
que por segundos as aprisionou…
É por tudo isto que eu…
teimosa e febrilmente escrevo
José Carlos Moutinho
Plágio é crime punido pelo
Decreto-Lei, nº 63/85
dos direitos do autor
Para ti, que me lês
Sou servo das palavras
que se aconchegam no alvo papel
inerte sobre a mesa!
São letras após letras
embaladas por enredo coreográfico
de emoções e desejos,
que dançam docemente em estrofes
vestidas de pétalas de versos,
em ritmo de metáforas
abraçadas a afectuosas rimas,
ou no livre rodopiar
pela pista do poema inventado!
…E as palavras que se escusavam
tornam-se atrevidas,
sorrindo em ousada volúpia
e acariciadas pelas minhas mãos,
deixam-se inebriar por perfume de êxtase!
Já não são minhas estas palavras
que de mim se soltaram rebeldes
e se entregaram a ti…
Sim….
Tu que agora me lês,
escuta aquelas letras
emaranhadas em poesia
pois elas são tuas…
Faz delas o teu sentir
serão tudo que tu quiseres…
podem ser o desabafo da tua alma
ou a ânsia de um amor desejado,
mas jamais serão minhas…
Perdia-as exactamente no instante
em que fizeste delas o teu querer
e pensaste teu, este poema
criado especialmente para ti.
José Carlos Moutinho
Delirios de paixão
Sorriem,
olhos nos olhos,
tocam-se,
anseiam-se,
entrelaçam-se,
corações galopantes
em corrupio de emoções,
mãos ansiosas que acariciam
a textura escaldante das coxas,
lábios que se roçam incandescentes!
Acoplam-se os corpos exaltados
em movimentos de vaivém
ao ritmo suave do sentir,
o sangue efervesce nas veias
em exacerbada arritmia,
soltam-se sussurros guturais em doce resfolegar!
Elevam-se pela encosta da montanha,
em delirante excitação,
agora em ritmo desatinado,
bocas coladas num sôfrego beijo
de sufocante delírio,
agitam-se num estremecer incontido,
ultrapassam as escarpas do êxtase,
atingem o cume da montanha,
em relaxante e suado clímax,
Serenam!
José Carlos Moutinho
Para lá da janela
Fechei-me nos meus silêncios,
guardei dentro do meu peito
as palavras vazias
sopradas por ventos em desvario...
Aquieto-me na solidão que me contempla
e penso serenamente, sentado na nostalgia...
Olho a paisagem que me espreita pela janela
e, inesperadamente, invade-me uma melancolia
da cor do tempo passado!
Olho fixamente de olhos semi-cerrados
o nada para lá da janela,
e, imagino-me cavaleiro de fantasias,
cavalgando pelas alegrias esquecidas…
agarro-as, trago-as novamente a mim
e desperto os meus silêncios
na solidão que me sorri.
José Carlos Moutinho
Inquietudes
As tardes esmorecem-se nas minhas saudades
Encostam-se ao meu peito e omitem os cheiros
Inquietam-se nos instantes da minha nostalgia
Sopram brisas que passam silenciosas sem destino…
Pensamentos soltam-se em turbilhão
Aglutinam-se em sonhos perenes sem futuro
Voam vadios pelos céus da imaginação
Em busca do que não sabem, nem entendem…
Desatinam-se inconsoláveis com o fracasso
Suspiram dores sofridas nas noites eternas
Gritam palavras que se emudecem no ar
E caem no chão, inertes de asas quebradas…
Folhas matizadas e sulcadas pelo tempo
Esvoaçam rindo do inverno das ilusões
Escusam-se às mãos ávidas de sensações
Que as tenta agarrar no seu aleatório voo…
Anoitecem emoções, iluminam-se esperanças
Cantam os grilos e as cigarras, despertam os sons
Acendem-se as madrugadas com a luz do alvor
O sol eclipsa os sonhos, e acende a realidade da vida…
José Carlos Moutinho
Só porque gosto
Gosto de escrever palavras vadias
que alguns chamam de poemas,
talvez o façam por gentis simpatias
ou por gostarem dos meus temas
E…escrevo, escrevo sem parar
alguns dirão que é obsessão,
é o meu jeito de a vida cantar
o que pensam não me faz confusão
E as palavras pintam-se no monitor
do computador, meu velho aliado,
cada palavra parece-me uma flor
que brota de um jardim encantado
Por vezes, invento-me escritor,
navego pela prosa como no mar,
sei lá, talvez me julgue um criador
de histórias de paixão e de amar.
José Carlos Moutinho
11/7/19
Decreto-Lei, nº 63/85
dos direitos do autor
Sol de esperança
Perco-me nas brumas do meu desalento,
sou levado como folha seca, pelo vento,
tento agarrar-me às nuvens da felicidade,
mas minhas mãos escorregam na ansiedade!
Neste meu tempo de encantos esmorecidos,
cavalgados em ondas agitadas
de um mar impetuoso de água bravia,
navego-me no silêncio dos meus pensamentos,
em busca da serenidade arredia
que se ausenta de mim
nos dias de melancolia!
Aspiro aromas feitos de maresia,
que me penetram os sentidos
e me embalam pelas tardes cansadas,
do meu respirar enfraquecido!
E com este sol que audaz me bafeja
revigoro-me no anseio
de um sentir rejuvenescido,
acolhido pelas areias
da praia da minha esperança.
José Carlos Moutinho
Oníricos devaneios
Abraço os meus pensamentos com enlevo,
Todavia, alguns frios e tristes,
Escusam-se ao meu abraço,
Ausentam-se dos meus anseios,
Sorrio-lhes na tentativa vã de se modificarem,
Porém, eles simplesmente me ignoram!
Não desisto da minha coragem
Em enfrentar a contrariedade,
Aperto mais ao meu peito
Os pensamentos que me sorriem,
E sinto o meu coração murmurar-me
Palavras de estimulo,
Numa delicada compensação
pelos que se calavam
indiferentes ao meu desejo de paz,
Com ternura, os pensamentos alegres
Aconchegam-se na minha alma!
Liberto-me desta espécie de letargia
Que invadiu a minha essência…
Pela janela aberta,
Penetram os raios de um sol esplendoroso
Despertando-me para a realidade da vida
Que está para além dos devaneios oníricos!
José Carlos Moutinho