Viagem que sou
Sou a viagem que sou
sei-o!
Mergulho as mãos
no absurdo.
…Rumo ao irreal,
Como barcos sem leme
Sulcando os mares de azul.
Sei que sou a viagem…
Degrau a degrau
subo as muralhas débeis
da palavra,
e do cume voarei
de braços abertos sobre
as praias de um lençol,
surdamente inspirado
em vezes de estranheza
e tímidos medos…
Sou uma viagem
sem retorno…
-regressos não há.
O fim não sei,
Mas o amor é o meu tempo!
Dedicatória íntima
Porque dei ao meu dia
o teu perfil,
e cheiras a sorrisos
nos meus olhos áridos...
Porque és um mar súbito
no ventre de um desejo, submisso
em que o teu corpo
é um porto marinho
onde calo as águas loucas
de uma solidão altiva...
Porque és fêmea
e dissolves em amor
os momentos mais prementes,
ou porque a tua alma
tem odor a ternura,
dou-te o silêncio carnal
das minhas noites...
... e o meu vazio
também é teu,
o meu sonho é a tua viagem
onde te pertenço.
Porque os lábios
se unem em abraços
num gesto meigo e quente,
húmido até, suspenso na vertical...
Porque és
um segredo meu,
que os dedos acolhem sublimes,
na intimidade
duma brisa que chora
quando as horas passam
em contornos dalguma mágoa existencial...
Porque te confesso
a minha verdade
ou porque o sangue arde
no arfar de cada carícia
e as palavras éteras
ricochetam no peito,
em forma de uma poesia...
Porque adormeces
nas minhas mãos,
e a tua voz
é a distância dum sussurro,
solto em uníssono
no bordo de um sono
que já é apenas nosso...
Porque és a vida
que ejaculo da mente,
a lembrança contínua que fumo,
na mesma ânsia
em que te chamo...
... na mesma névoa óssea
em que o teu nome
é o grito melífluo
dum enorme nodal, suicidado
na textura singela duma dor,
um rumor que cresce
nos acasos que albergo longe de ti...
Porque és a ravina
do meu precípicio,
a chuva colhida
num charco de mágoa triste,
ou a erupção dum vento
que morre em cada despedida...
Porque és o que resta
do meu naufrágio animal...
Porque te amo...
Próximo da mágoa
Próximo da mágoa
há um pântano de nenûfares
onde as ninfas do destino
se banham e amam,
entre um bando de vozes
e o pipilar das ausências
num choupal de chilreios.
No interior do seu leito,
dormiam a finitude redentora
inocentes na seiva,
os dedos vegetalmente carnais
de uma amargura
que sonhava crescer
no mar dos seus penhascos.
Na vanguarda dos ângulos rectos
havia um bosque sinuoso
de tremuras e emoções,
escarpadas redundâncias
em dimensões que só os anjos sabem
e aladas pelos ventos,
as noites ensinam as flores
a cavarem com silêncios cúmplices
a fossa das suas derrotas.
Quando lembrares um poeta
Se um dia
vires um homem chorar.
E se o seu rosto
for um poema esculpido,
deita-te a seu lado,
repousa teu corpo sobre o seu
e chora com ele,
porque a dor naufraga
também será a tua lágrima.
Se olhares em volta
e vires um poeta sorrir,
então, ama-o
no ímpeto dos seus lábios,
em migrações de um afago
num poema
que é aquilo que dele fizeres!...
Se não vires poeta algum,
nem crianças brincando sós,
senta-te na sua ausência
e aguarda
pois a noite é cúmplice do desejo,
e os poetas calam
mas não morrem,
enquanto os teus braços quentes
forem a tentação dos corpos nus,
pelo suor em que sou poeta
…onde sou por ti possuído,
E tu, mulher amada…
Mas se jamais
foste tocada pelo poeta.
acautela-te
porque os seus seios de macho,
se sugam sublimes poesias,
que no leito do teu sono
contigo fará amor
sempre que o sentires dormir em ti.
- na ânsia do beijo,
Sonha-se…
…no entanto
os poemas serão grilhetas…
e o poeta teu prisioneiro!
Memórias
Nos degraus das horas
brincam memórias minhas
que só o silêncio também sabe.
À distância de um gesto
a alma é o pastor dos sentimentos
sempre à coca, vigília acesa
que ilumina os gestos mais viris
e os pensamentos mil de uma angústia
sem nome nem sonho, vazio.
No entulho dos momentos maus
as saudades jantam o ouro da memória
em valsas de utopias lilazes
que o coração chora e funga
quando as horas brincam também
pelos chãos das lembranças doces
da vida que nunca é só nossa.
Pássaro de mimos
Lembras-me uma ave bela,
um colibri de luz
bebendo sons de paixão
nos recantos da tua boca,
incandescentes como beijos,
loucos, suados e verves
ardendo estilhaçados
na palma das mãos
em uníssonas formas de desejo,
adormecendo no corpo teu,
que também é meu,
entre rumores do coração
e os cumes enlaçados do sangue,
por lampejos de ternura, amor
caídos do olhar que me lanças
aquecido de ardores,
agasalhado de gestos
e memórias que bem lembro...
deslumbramento,
prenhe dessa paixão
que nunca esqueço!
Lembras-me um pássaro em fogo
na languidez do instante,
correndo pelo alento dos dias
em busca desse carinho,
ramagens de uma emoção
que se aprende com mimos.
Venho da alma
Venho dos refúgios da carne,
imóvel no longínquo dos dias
onde os mares cavam rios,
que se abrem em sulcos
até ao acordar dos céus,
nos ninhos inconfessos
de eximias gaivotas,
em cardumes sem garganta…
Venho da vertente dum poema
escrito por meninos de sede,
na distância do meu corpo!
Corri os mares
E os vastos oceanos,
…corri os eflúvios do corpo,
descem à memória
e se debruçam calados
em sombras que se afogam
…deslizei do olhar
por brumas obliquas
onde os homens choram
os crimes dos homens…
Venho d além longe,
da margem…
um ponto fixo
na distância dos séculos
e perto da alma!
Não te esqueço
Eu não sei porque não te esqueço
mais do que algumas horas do dia,
um meio-dia apenas no ciciar da distância
que seca o desejo enamorado na boca
e com o tempo cura a saudade
como quem lava das mãos um vício doce
com os odores carinhosos de um perfume
alegre e irrequieto, reactivo
que faz baba nos olhos loucos por ti.
De mãos estendidas
não sei se te mendigo ou regateio
nem se te enrolo nua no meu refúgio
e unidos por penachos de amor,
dar aos destinos a verdade, insubmissa
na firme certeza de acordarmos ilesos
pejados de beijos e dias velozes.
Eu não sei porque não te tiro do sono
quando me esqueço e durmo
de sobrolho na vigília das cores,
mas sei que as plantas e as aves na rua
farfalham entre si as tropelias do desejo
com o olhar ornado de vida.
Não me ergo, levanto-me
Eu não me ergo, levanto-me
quem se ergue sempre caiu
e eu puxo por mim,
agarrado ao desejo férreo
de me ver elevado
por cima das vicissitudes
e à margem da agonia,
caçando alívios e suspiros
de uma estirpe sem raça.
Eu não me ergo, renasço
resgatado de um passado verve
não me estranho, nem entranho
bebo a sede de viver, indígena
não quero desperdiço nem fúteis cores,
amorfas audácias, mordaças
quando me despertar para o amanhã
que me adorna o olhar…
… no capim do dia seguinte.
Eu não me ergo, levanto-me
quem se ergue não caiu, ruiu
e eu levanto-me, persigo-me e expio-me
até encontrar o sossego que me adensa e foge…
A lágrima morreu
Num caixão sem soalho,
a lágrima ia nua e singela
ia só nos despojos da vida,
ia sem voz nem beleza,
talvez morta pela míngua
talvez farta pela destreza,
mas no fim, a lágrima morreu…
foi uma septicemia fatal
uma dor ansiando ser tristeza,
ou uma tristeza ansiando esquecer,
mas a lágrima morreu,
morreu boçal e livre
num incesto de emoções,
morreu breve e solteira
como deve uma boa lágrima,
morreu apenas
sem sequelas para o coração,
morreu só, morreu chorando
a vida recauchutada
que lhe deu uma peritonite amiga!
A lágrima morreu,
Ficou o sal…