Poemas, frases e mensagens de JoseRoque

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de JoseRoque

Vaidade

 
será que me olham agora?
vou esperar até estar certo
que não me vêem atento
àquilo que me ignora.

não me olhes sem estar pronto!
enquanto aguardas preparo
sem que notes que reparo
o que mostro no que conto.

pareço bem deste lado?
esquece que o outro existe
p'ra que eu seja no que viste
apenas imaculado.

gosto de me ver assim.
que tudo de mal que eu tenha
e aquilo que me desdenha
fique escondido de mim.
 
Vaidade

demora

 
falar de mim, falar de ti, falar do que há em nós do mundo.
tão pouco em tanta coisa.
ler-te, leres-me, ouvir-te em mim, ouvires-te no que digo.
tanto a atravessar-nos,
a viajar entre os destinos que ambos somos.
sentires cruzados por sombras memórias,
lembrares cortados por seres sensações,
sonos cansados de ouvires acordados.
zumbe das palavras qualquer coisa que se agita,
que devolve ao espaço do silêncio haver sentidos,
e o que escapa nunca vai embora,
e o que leio, e o que digo, e o que é sempre comigo.
é sempre imcompleto, por ser demais ou demenos
por demorar entre o chegar e o esquecer.
só o vazio é completo em si,
em ser por nada lhe faltar para existir.
 
demora

Visto daqui

 
(Por trás de olhar estou noutro lado, a caminhar de olhos fechados.)


Não sinto, não escrevo, não me encontro.

Mas os fios negros que saem da caneta vão ocupando espaços brancos com ideias, atravessados entre a memória e o papel, entre a rua em que estou e a minha presença. A temperatura treme-me o traço, por ser inverno até aos ossos de tudo o que é vivo, das pessoas estranhas até às entranhas que se escondem por baixo do frio que me envolve os movimentos.

Não penso, não espero, não me iludo.

Mas desenha-se esta rua nos meus olhos. Passam nela pés frenéticos, amontoam-se montras estéticas lado a lado; passeios paralelos como os passos desta gente, que não se cruzam a não ser no alinhamento de onde as vejo, transeuntes pelas chuvosas horas passageiras.
Entram luzes pela abertura da visão. Na atenção paira entre prédios as traseiras, doutra rua que com esta abraça o quarteirão. O som do trânsito entupido nos ouvidos, esse sim, cruza o da outra rua da qual vejo as traseiras, na melodia citadina da hora de ponta à ponta da cidade.

Não ajo, não escolho, não me escuto.

Mas está a chegar a altura em que as palavras me ouvirão chamar por elas, numa intensidade sonora inaudível ao sentido desta rua, que sobe independentemente da minha vontade em estar parado. E rua acima estas palavras se aproximam, nas pedras calcadas das calçadas, nas pegadas que me afastam das pessoas.
Ainda que caladas, são boas as palavras que nos ouvem, é bom tudo o que grita o que não temos para dizer.

E entanto não me entendo, em tanto não digo, não consigo.
 
Visto daqui

dois lados da tona

 
podia dizer-te que no rumo rasante que as velas absorvem do ar em movimento, todas as minhas rotas te pertencem desde que sigam para lá do horizonte. que estou sempre do mesmo lado, deste lado da vida que nos percorre os dias em busca do que vale a pena procurar. o outro lado seria o encontrar, aquele onde submersa me estendes a mão. só que isto não seria ser sincero, porque não me entenderias. então digo, com um pouco mais de esperança, que só à tona da água o vento levanta as ondas que dão à praia do meu sonho em ter-te perto. que se mergulho deixo de saber que há céu, tal como à superfície desconheço a profundidade. mas agarro a tua mão saída da água, vendo o teu rosto através da ondulação, e assim navegamos descobrindo aos poucos que a forma das ondas de água é a mesma que a forma do ar por cima delas.
 
dois lados da tona

Dual

 
A ideia que (n)o mundo é(s) maravilha
Esquece a fantasia do que penso.
Aceitei que é de mim que o mundo brilha
E desce a luz do dia ao Sol intenso.

Há reflexos que encontro em te(u) olhar
Duma montanha na calma de um lago.
Ouço ecos que devolvem o lugar
Que me acompanha na alma que trago.

Ainda a noite é toda de regresso
E Sabe ao que me solta o que me prende.
À vinda dum lugar que desconheço
Não cabe à minha volta o que me entende.

Se está(s) presente a hora avança acesa
E noto no que vejo como sou.
Ausente da sombra alcanço a certeza
Que há outra luz além da que chegou.
 
Dual

morrer a dois. dueto com margarete.

 
será sempre assim, enquanto o passado se mantiver igual a este momento. chegamos aos sítios, abrimos os olhos e aprendemos qualquer coisa antes de irmos para outro sítio. a morte é só o ir para outro sítio. quando penso em todos os sítios que já percorri relembro como lhes vi morrer dentro um pouco de mim, como se eu fosse também desses sítios, uns onde estive, outros onde nunca estive, consciente, no entanto, de que sempre lhes pertenci. porque uma vez de olhos abertos, uma vez abertos os lugares dentro de nós, todos os passos interiores são em direcção à morte, desde que nos transformem. chegamos cientes, saímos diferentes. falo de lugares e de sítios porque são unos, como os olhos abertos à morte, ao passado ou ao momento. falo de mim quando tento transformar-me em morte ou dar passos de encontro a ela para que me transforme. uno com o momento, este, eu falo da morte que me vai percorrendo o interior dos sítios, mudando a paisagem de tanto me mudar. é esta transfiguração, esta aparição de mim a mim próprio na luz fosca do horizonte, a assimilação do que sou e dos sítios que habito, que me morrem entre os dedos, que se perdem também por eles; é este não saber de outra coisa que não o estar vivo, independentemente de todos os sítios que me morrem, ou dos que me matam; é este ser todas estas coisas que me desperta para a manifestação do que realmente sou. porque eu não sou o que entra pelos meus sentidos, nem os meus pensamentos, nem as minhas emoções. se eu os fosse eram eles que me teriam, que me possuiriam, ao invés de ser eu a tê-los aqui dentro, neste lugar onde tudo o que é exterior se transforma, morre, levando-me para mais perto de onde estou. a morte é a transformação, a transmutação dos sítios, dos olhos, do passado, do momento. a morte é isto, este aparecer-me, este descobrir-me nú no meio de pensamentos e emoções. comovo-me ao ver-me assim, aqui, só, à espera que me encontrem como eu me encontro, no interior de mim, a crescer-me; no interior da consciência, a ser-me. ela não é o que penso nem o que sinto; é fora dela que se inicia um gesto, uma vontade, um ser. ela só nos faz saber que aconteceu.
 
morrer a dois. dueto com margarete.

to live

 
standing in the horizon of life
there’s a pendulum steeling our days.

waiting in the aisles of time
we'll find the truth that inside says:

we were born to live
not to believe

and lying in the paths of destiny
the light of the sun will blind our eyes

leading us through the mountains of dreams
till the iluson of real becomes the lie:

we were born to live
not to believe.

We were born to live
not to believe.
 
to live

Pensatempo

 
Nada aparece do nada
E há preguiça no que o tenta.
Mesmo após anos guardada
Uma semente rebenta.
Nasce na terra molhada
A raíz que a sustenta
E a planta cresce lenta
P'ra ficar iluminada.

Vem a noite em cada dia
Adormecer cada hora.
As estrelas de vigia
Mostram que algo no céu mora.
Sobe o mesmo Sol que havia
Antes da luz ir embora
E o dia aceso demora
P'ra fazer-nos companhia.

Sopra frio um forte vento
Logo antes da bonança.
Em ciclos avança o tempo
Abrindo espaço à mudança.
Da nuvem do pensamento
Chove em gotas semelhança
Com as voltas desta dança
De passar mais um momento.
 
Pensatempo

Dos olhos que me olham

 
Montanha abaixo correm mim acima
As águas que me salgam junto à foz,
Tamanho o mar salgado que aproxima
As mágoas que te escorrem pela voz.
Ouvido algum entende o som que exprima
Haver no leito em mim cascata algoz
E à tona um sentimento que me anima
Envolvido numa casca de noz.
Dos olhos nascem rios que se entornam.
Frias galgam margens dores que molham
As paisagens nos olhos que me olham.
Das nuvens cais em gotas que se tornam
Riachos que derramam numa escolha
O haver um oceano que te acolha.
 
Dos olhos que me olham

DEUS, logicamente

 
Deus é o que fica de fora quando tudo está dentro
mas a lógica não deixa que isto assim seja.
pois se houver um tudo maior em pensamento
chamar-se-á Deus ao que fora ainda seja.

por esta lógica acabaria num raciocínio infinito
de deuses fora de deuses com deuses por fora.
assim, existe infinito cuja ideia em Deus limito
e muda-se a lógica e não há dentro nem fora.

neste caso Deus é essa ausência de nexo.
é esse vazio que é o todo maior que o tudo.
é um salto até Ele próprio que se faz desconexo,
fora da lógica divina, para esse nada ser tudo.

Deus é o que há agora do que havia antes
pois na lógica, tudo é causa, tudo é causado.
e antes? e antes disso? e nos antes restantes?
haveria esse Deus que não foi resultado?

essa lógica seria a divina, não nos serviria.
mas não serviu já se em mim ela vive?
não o é, pois podendo servir, divina não seria.
mas pode sê-lo, se a eternidade no agora se vive.

neste caso Deus é todo o tempo dentro dos agoras
é essa eternidade que eternamente se torna em nada
é esse nada que a tudo engloba quando não há foras
é essa lógica onde não há antes, agora, fora ou nada
 
DEUS, logicamente

ilegível

 
estou de uma forma ilegível, como a marca na folha debaixo de onde se escreve, que só um lápis pode desvendar.
saberei eu distinguir um gesto das minhas mãos dum movimento da minha vontade? será a pele o limite extremo dum toque ou o meio contínuo que liga as vibrações moleculares das sensações? saberão elas que me esquecem o porquê de querer tocar-te extinguindo-me o conteúdo, acendendo-te a forma na noite desta terra de emoções?
eram afirmações interrogativas, escavadoras de interiores desordenados, que na volta me descobrem a fonte de bem estar, também interior, a querer escorrer em rio até ao mar, que sem uma destas fontes nenhum rio poderá afogar o mal que nele está, apenas cobrir enquanto corre.
 
ilegível

NADA É O QUE PARECE

 
(HIPER SONETO)

Respiro os vapores duma ilusão
Como quem pertence à humanidade.
Mostro os sabores da iluminação
A quem está preso à realidade.

Ouço vozes de silêncios antigos
Como memórias de vidas passadas
Ecoando no fundo dos abrigos
Onde guardo as lembranças mais amadas.

Cheiro odores das flores da ambição
Que nascem em caminhos de humildade.
Vejo as cores com que se escreve razão
No coração de quem sente a verdade.

Sinto o toque de tormentos amigos
Como brisas de terras assombradas
Onde armadilhas evitam perigos
E pistas aparecem desvendadas.

Saboreio venenos de inimigos
Como ofertas de curas adiadas.
Com gritos que me ferem consigo os
Antídotos das doenças caladas.

Conheço os horrores da imaginação
Nos devaneios da sobriedade.
Sei quais os valores do bom cristão
Afastando a religiosidade.

Aceito quando esmolas de mendigos
Me escolhem como moedas faladas.
Não esqueço assim nenhum dos umbigos
Quando aquelas palavras são lembradas.

Embalo as dores da minha prisão
Onde as correntes são de liberdade.
Conquisto amores ao querer paixão
Quando o amor deu lugar à saudade.

Antevendo o passado que irei ter
Revejo o futuro nessas lembranças
Que se formarão enquanto viver.

Lanço os dados do meu próprio destino.
E no seu livro de páginas brancas
Não encontro as letras de algo divino.

A não ser que divino seja eu
E o que em mim pode criar as mudanças
Que o destino ainda não escreveu.

Além de todo o mundo me escrever,
Também sou de mim próprio o escritor;
O comandante do rumo a escolher.

Há muito no caminho que imagino
Os passos a dar p’ra tornar maior
A vaga chama com que o ilumino.

Embrulhado em tudo o que é e foi meu
Descubro que não sou esse exterior
Pois nada foi o que me pareceu.
 
NADA É O QUE PARECE

PLANOS DA ESCRITA

 
começa como uma indecisão entre linguagens. se faço ou não um parágrafo entre cada frase, se a poesia poderia expor melhor a ideia que surgir, do que o texto corrido.
aliás, começou antes disso. Na vontade ou no destino.
já me disseram que tudo começa na vontade.
mas a ser verdade o destino, é nele que a vontade ocorre.
é dele que ela adviria.
então, tudo começaria no que causa o destino, se não estiver nele próprio o seu início, assim como o seu fim...
depois, e pelo meio, vai aparecendo o querer que fique bonito, que seja agradável e quase musical esta leitura.
vai caindo em cima das palavras o seu sentido
sem que se ponha tudo a descoberto.
as palavras são elas mesmas uma cobertura,
uma vibração que agita entendimento.
a sensação de perceber é independente da real percepção,
tal é a distancia que nos separa do que somos feitos.

pegando numa das pontas, há a vontade.
dela vem a acção, que é o ser em movimento.
então, a vontade manifesta-se através do ser.
as acções são formas de ser.
existir é a acção da vontade.

o texto apareceu quando o que sou, mergulhado na vontade, se pôs em movimento.
a minha existência não apareceu da vontade dentro de mim, porque ainda não havia o que sou mergulhado nela. ainda não existia para me mover.

daqui há dois caminhos.
um em que tenho a minha vontade, diferente da que me originou.
outro em que há a vontade, e apenas anima de forma diferente diferentes seres.

escolho o segundo.
assim, já chegamos à vontade e à existência, dois planos interligados através da acção, do movimento e do espaço.
falta a consciência, que, vejo agora, se interliga aos dois anteriores também pela acção, movimento ou tempo.

para haver consciência é preciso haver mudança. ela é iniciada por uma percepção da mudança no tempo, do movimento e da acção. essa percepção é impressa no ser, que o transforma e de onde vão derivar diferentes acções, movimentos ou expressões da vontade.

o texto apareceu quando o que sou, mergulhado na vontade, o materializou através da acção.
a consciência está agora neles todos. ou eles todos na consciência.

talvez a vontade se manifeste em estruturas conscientes.
talvez apenas estruturas conscientes possuam vontade.
talvez a consciência seja o plano onde tudo ocorre. a existência e a vontade apenas percepções. a existência a textura, a vontade o movimento.
 
PLANOS DA ESCRITA

Suposição

 
A deslocação oblíqua das ideias
Transforma-as em si mesmas.
Da decantação delas
Fervem palavras
Que a elas sempre foram e serão alheias.

Tudo é suposição.
E suponho que todas sejam erradas.
 
Suposição

Quando eu for à merda

 
Quando eu for à merda,
Vai cair um pedaço do mundo
Em cima de mim;
Vai cair um pedaço de mim
Em cima do mundo.
Quem me mandar à merda,
Vai cair em mim como no mundo
Cai a merda de quem manda;
Vai cair do mundo em mim
Como toda a merda que tresanda.
Quando eu for à merda,
O mau cheiro da manhã seguinte
Vai-me entupir os sentidos
Até que impeçam de ver quem sou;
As duas narinas serão vinte
Até me virem os gemidos
Que me esqueçam quem me mandou.
Mas quando eu for à merda,
O Sol há-de nascer a oriente
De onde quer que eu vá;
Hei-de ir sentir o Sol quente
Para lá de onde a merda está.
 
Quando eu for à merda

Passageiro

 
Que vida vazia eu trago comigo.
Que percurso apagado me viveu.
Nunca fui nem um pouco do que digo
E o que por mim passou nunca foi meu.

Que possuo eu deste mundo em mudança
Se só a minha idade o faz mudar?
A posse é uma ilusão desde criança
que retira ao vazio o seu lugar.

Sou mero passageiro e a carruagem
Que passa por mim comigo lá dentro.
O fim e o princípio desta viagem
Estão no mundo que me tem ao centro.

Não encontro o lugar nem o caminho
Que me traga ou me leve ao meu encontro.
Sigo acompanhado por mim sozinho
No espaço onde comigo me confronto.
 
Passageiro

complemento à gnose

 
Não é mais que aparente esta verdade
De que o mundo é matéria a viajar.
No fundo deste etéreo lugar
Tudo o que há se sente pela metade.

Esqueço parte da realidade
A acreditar que há céu sem que haja mar.
Não conheço o Sol no disco solar
Mas na sua em nós interioridade.

Há muito mais no tempo que a idade
Dos corpos que não param de mudar
Em toda a sabedoria sentida.

Há na vontade de saber amar
A forma inteligível da entidade
Que é lei e energia dentro da vida.
 
complemento à gnose

Discrepância

 
O que cala por se fazer ouvir
Ensurdece quem ‘stá a ouvir calado.
Se o que fala não ouve o outro lado
É que nele houve algo a interferir.

Até no silêncio existe mudança.
Há vozes que nos ensurdecem só
De querermos ouvi-las. Há um pó
Que vai caindo, que pesa e que cansa.

A memória é diferente na distância
E há muita distância na memória.
Entre mim e a lembrança a divisória
Que me iguala e que cria a discrepância.

Há um desequilíbrio neste lugar
Onde nada fala e tudo tem voz.
E essa diferença, onde ela é nossa e nós,
Nem o silêncio a consegue calar.
 
Discrepância

Menos só

 
Menos só
 
O que interessa não é ter pressa, mas ter calma.
Não é a forma, mas o conteúdo.
Não é o corpo, mas a alma
Pois é nela que está tudo.

O que importa não é a porta, mas atravessá-la.
Não é a vida, mas vivê-la.
Não é o amor, mas amá-la
Pois é isso conhecê-la.

O que não vemos é o que está na sombra.
E essa sombra somos nós.
Quanto mais virmos por dentro
Menos vamos estar sós.
 
Menos só

CHEGA (DE) LONGE

 
Chegam de longe aragens levantadas
Por imagens de ti em movimento
E brando é o vento do sentimento
P’las planícies das palavras pensadas.

Caem fugazes relâmpagos dentro
Da vontade de comunicação
De forma à criação da ligação
De todo o nosso ser co’o outro centro.

Erguem-se torres de areia caída
Duma terra longínqua em que amargas
Dunas de palavras se elevam largas
Demais p’ra caberem dentro da vida.

O condensar de água do mar profundo
Da minha ideia de ti cria assim
Uma chuva cujas gotas enfim
Me unem a mim, a ti e a todo o mundo.
 
CHEGA (DE) LONGE

José Roque