Poemas, frases e mensagens de AntónioPrates

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de AntónioPrates

Carimbo Negro

 
"Carimbo negro"

Criança que és bela,
Sem nome nem raça...
És um ser que passa
Nesta vida singela...

I
Beldade inocente,
O sofrimento a consome...
Sem rumo, com fome
Na sociedade doente...
Dizem que és gente
Sem norte nem estrela...
Esta criança é aquela
Que não tem futuro...
Mergulhada no escuro,
Criança que és bela...

II
Tão terna, tão pura,
Tão cheia de vida...
De cabeça erguida
Derrama frescura...
Segue esta aventura,
Cresce na morraça...
Na rua e na praça,
À chuva e ao frio...
É só um vadio
Sem nome nem raça...

III
Não sabe brincar,
Tem outro juízo...
Falta-lhe o sorriso
Para se alegrar...
Já farta do azar
Que sempre a abraça...
É gente sem graça
Que é ignorada...
Consciência pesada,
É um ser que passa...

IV
Passa pelo mundo
Que é tão desigual...
Ou é marginal,
Ou é vagabundo...
É sempre segundo,
Eterna mazela...
Chora na viela
Pelo que não tem...
É sempre ninguém
Nesta vida singela...

António Prates
(In Sesta Grande)
 
Carimbo Negro

Ilusão...

 
Ilusão

Desfraldam-se as bandeiras; ansiedade
Nessa crença profetisa, ventureira….
Soltam-se brados com fervor dessa vontade
Que se aninha em cada sigla da bandeira…

Cantam-se sonhos; procriadas melopeias,
Pedindo o prémio das cantigas ensaiadas…
Fazem-se ajustes, inventados nas ideias,
Para dar corpo às ilusões solicitadas…

Foi-se o desemprego, os combustíveis,
Ante a caligem de uma bola malfadada…
Ouvem-se as odes repetidas e audíveis,
Como quem canta quase tudo e quase nada…

António Prates
 
Ilusão...

A minha História VI

 
Naquele longínquo dia de Abril de 1383, quando a tarde sentia a pulsação dos minutos e o sol recebia a existência de todas as horas com a mesma dignidade: o delicado momento transformou a claridade do dia nas nuvens mais escuras que até então os meus olhos puderam ver e contemplar… A tez do sumptuoso colorido, vindo da singular beleza das flores e do manto verdejante que emanava de todas as ervas existentes, sucumbiu perante a gravidade da melindrosa situação, que nos desafiava aos olhos de dois insolentes cavaleiros desprovidos da nobreza praticada e recomendada por Dom Quixote de La Mancha ou por Dom Geraldo Sem Pavor … Além do assombroso silêncio, apenas a suave brisa, parecia ser a única testemunha de todas as angústias da desavença… E a vida de quatro homens, que o acaso e o destino quis confrontar em duelo, entristeceu para sempre as abastadas lembranças dos anais da Carrascoza.
Os olhos azulados dos bretões fitavam-nos como dois lobos famintos, vindos dos corgos da Serra D`Ossa… Olhei de soslaio a apoquentação do Professor, e vi na sua face a expressão de um homem que enfrenta montanhas, enlevado pela aura de ter a razão nas duas mãos e a seu lado… Um dos dois agigantados cavaleiros apeou dos dois metros do seu corpulento equídeo, empunhando uma excalibur de pelo menos um metro e setenta, e em cada um dos seus movimentos rangia assombrosamente todas as latas que lhe aperreavam o corpo…. Seguindo os conselhos da minha grande experiência em campos de batalha, fixei o inglês contíguo às proximidades da minha guarda, e ripei prontamente o naco de aço que naquele preciso momento defendia a honra da minha dignidade e a continuidade da minha própria vida… Recordo que o tempo parou…
 
A minha História VI

Calmaria

 
No âmago da calmaria,
Depois de noites ao luar...
Nasce o sol em cada dia,
Porque gosta de cá estar...

I
Alentejo, belo e quente...
Doce, seco e veraniço...
É um poema castiço;
Mãe e pai desta semente...
Passa a vida calmamente,
Crosta terna e tão vazia...
O reflorir da pradaria,
Que por si se manifesta...
O silêncio em cada sesta
No âmago da calmaria...

II
Acalmada na lenteza,
No piar de um trigueirão...
Chafariz de inspiração
Que nos vem da natureza...
O retumbar da incerteza,
Pelos campos a dançar...
O ribeiro a germinar,
Leva rumo a tal descanso...
O esvoaço do picanço,
Depois de noites ao luar...

III
Cheiro a ermo de ventura,
E de orgulho sempre vivo...
Como o grande adjectivo,
Que te rega a formosura...
O que mostras na figura,
É o espelho da maresia...
Um aprazer de simpatia,
Que se esvai na escuridão...
E depois da mansidão,
Nasce o sol em cada dia...

IV
Bem vestido à sua imagem;
Caprichoso e asseado...
Como mundo ajardinado,
Enfeitando esta mensagem...
Manda gritos de coragem,
Para o céu e para o ar...
Como um puto a saltitar,
Tem o sol por seu vizinho...
Que se vai bem de mansinho,
Porque gosta de cá estar...

António Prates
 
Calmaria

A flor

 
Recebe a linda flor, que eu ofereço
Nas tuas mãos suadas e tremidas...
E planta a mesma flor às escondidas,
Na alma de um jardim que desconheço…

Após estar no sítio e já plantada,
Cultiva a terra estendida em seu redor;
Com as mãos que acolheram esta flor,
Que pede para ser volvida e cultivada...

Quando a bela flor brotar sementes,
Guarda-las bem guardadas, para depois
Dispersares essas origens (por nós dois)
Nos prados donairosos e eminentes…

António Prates
 
A flor

Brados de um ser...

 
Sou filho de um berço...
Que é feito de palha, e cheira a verdura...

Sou fruto de um Maio...
Coberto de flores, chorando a censura...

Sou eterno gaiato...
Que brinca nos campos, a brincar com nada...

Sou força de um tempo...
Que um dia sorriu, e se fez alvorada...

Sou sonho que emerge...
Por entre o restolho, e se esvai no pousio...

Sou conto sem fadas...
Que avança no tempo, que não se contou...

Sou grito da alma...
Que brada no céu, e cai no vazio...

Sou poeta que avança...
Por entre o destino, sem saber quem Sou!...

(António Prates)
 
Brados de um ser...

Temporal

 
Se esta chuva não parar
Durante esta madrugada,
Amanhã não faço nada
E tenho o feno p`ra ceifar.

Se esta chuva não parar
O terreno fica alagado,
Fica o gado sem pastar
Na pastagem do meu gado.

Se estou apoquentado
Durante esta madrugada,
Canto uma letra dum fado
Ou um cante à namorada.

Toda a chuva vem molhada
Prometendo a boa vida,
Amanhã não faço nada
Nem cuido da minha lida.

Talvez tome uma bebida
Enquanto a chuva durar,
Cai a chuva bem caída
E tenho o feno p´ra ceifar.

António Prates
 
Temporal

Galapito

 
"Mote"

Num ponto do infinito
Há um planeta azulado…
Enquanto gira de lado,
Visto de longe é bonito…
Diz-se aqui no Galapito
Que há lá um certo animal
Que se faz um maioral
E pensa que sabe tudo…
Como um grande cabeçudo
De renome Universal.

I
Diz o povo aqui da Corte,
Do lugar aonde estou,
Que o ponto p`ra onde vou
É sítio de gente forte…
Vou entrar no Pólo Norte
Para ver se ali medito…
Um prazer que necessito
P`ra gelar o meu sentido,
E passar despercebido
Num ponto do infinito…

II
É ali no pedregulho
Que aqui comparto e vejo…
Onde está um Alentejo
Que descansa sem barulho…
Há quem diga que é orgulho
E quem diga que é um fado,
Que se leva descansado
Nas guerrilhas desse mundo…
E vejo que lá ao fundo
Há um planeta azulado…

III
Confesso, estou curioso
P`ra chegar ali depressa,
Onde dizem que a cabeça
Tem um dom meticuloso…
Viajando o céu viçoso
Avanço no céu estrelado,
Onde tudo é encantado
E onde tudo bate certo…
No azul que fica perto,
Enquanto gira de lado…

IV
Quero ver a cor das serras
Nessas grandes altitudes,
E passar desertos rudes
Que apagam outras terras…
Também quero ver as guerras,
Para ver se eu acredito
No que a Corte me tem dito
E não quero acreditar…
Mas olhando esse lugar,
Visto de longe é bonito…

V
Com a nave desengatada
Vejo algumas claridades…
Talvez sejam as cidades
Da parte mais abastada…
Noto a porção anilada
Durante o soar de um grito…
Que soa como um apito
E zune como um consolo
- Vamos ver esse bajolo…!
Diz-se aqui no Galapito…

VI
A nave sorri em festa
Pelo azul dos oceanos…
Que exibem aos humanos
A frescura que lhes resta…
Dizem que à hora da sesta
Esse anil é divinal,
No austro de Portugal
Onde está uma cicatriz…
Toda a nave aponta e diz,
Que há lá um certo animal…

VII
O Galapito avança mais
Para ver mais à vontade…
E reparo outra verdade
Destapada por sinais…
São fumaças colossais
Vindas lá do corpo astral…
Penso que algo está mal
Nesses tons que não se somem,
E que ficam mal ao Homem
Que se faz um maioral…

VIII
Vejo a Lua olhar p´ra mim,
Como uma Deusa do céu…
Que sorri de corpo ao léu
E a benesse não tem fim…
É ditosa em ser assim
Com um ar sempre amorudo…
Enquanto me quedo mudo
Penso nessa criatura
Que é pomposa na figura
E pensa que sabe tudo…

IX
Lá em baixo oiço trovões
Ou estouros das disputas…
Que são o maná das lutas
E o pesar dos corações…
Entre as muitas criações
De cariz grave e agudo,
Avisto o animal taludo
Entretido nessa esgrima…
Que diviso aqui de cima
Como um grande cabeçudo…

X
Esvaiu-se o meu ensejo
E a querença que trazia…
Esse Homem dá-me azia
Alojada no meu pejo…
Já nem vou ao sul do Tejo
Ver o ente especial…
Desejando-lhe, por sinal,
Sorte para todo o ano…
Por ser um alentejano
De renome universal…

António Prates
 
Galapito

A minha História III

 
Vou falar-vos agora do dia em que el Rei Dom Dinis concedeu A Carta de Foral à briosa e altaneira vila de Borba.
Numa das amiúdes passagens pela minha região, El Rei Dom Dinis (o Lavrador), chegou com a aurora, numa manhã celeste e faustosa, acompanhado de quatrocentos guardas da sua Real cavalaria, de duzentos bravos infantes e archeiros, de seu filho, Infante Dom Afonso (o príncipe herdeiro), e de sua esposa, a rainha e santa, Dona Isabel de Aragão.
O povo deu as boas-vindas a Sua Majestade: exultava o momento com churrascos de javali e uns outros alimentos hortícolas, deixados pelos mouros, nas hortas espalhadas pelas viçosas margens da ribeira de Borva e da Alcraviça.
Fazendo uso da minha condição de independente e de personalidade discreta, situei-me numa mesa perpendicular à de El Rei Dom Dinis, e escutei com a atenção que o momento pedia as palavras que Sua Majestade arrazoou e pronunciou, em honra de todos os presentes. Seguiu-se a entrega do prometido manuscrito, entregue ao novo Alcaide, com a promessa de, futuramente, ser construída uma muralha de defesa, para prevenir os frequentes ataques dos Castelhanos e dos Sarracenos.
Enquanto El Rei distribuiu palavras, sorrisos e ordens, a bondosa rainha observou-nos, atentamente, com a sua natural candura e com aquela expressão divina, digna dos seres superiores e exposta na face de quase todos os santos... Murmurando, de quando em quando, palavras imperceptíveis com a mulher do nosso Alcaide. Foi nessa mesma ocasião, que vi pela primeira vez a famosa loiça de porcelana, que saciava a sede e o apetite a todos os convidados da mesa de Sua Alteza Real. Entre as distintas figuras, recordo a presença do Professor José Hermano Saraiva, que passou toda a noite a conversar efusivamente com um comerciante italiano.
Lembro, como se fosse hoje, que passei a tarde e a noite a comer, a beber, a dançar, e a declamar os meus primeiros versos, inspirado pela histórica ocasião e pela respeitável presença de El Rei Dom Dinis, que me escutou atentamente, e a quem tive o prazer de saudar, aquando da minha retirada do grandioso e histórico acontecimento.
Após a grande farra, assisti ao crescimento e à prosperidade da região, até ao ano de 1381 (MCCCLXXXI, quando fui testemunha de alguns acontecimentos importantes no reinado de Dom Fernando (o formoso).
Mas esta é outra história, que um prometo contar mais em pormenor...
 
A minha História III

A minha História IV

 
Passada a euforia desse grandioso e histórico acontecimento, que culminou com a entrega da Carta de Foro aos habitantes da vila e ao seu reverenciado Alcaide; que era auxiliado frequentemente pelo alcaide-menor (aquando das suas repetidas ausências), e por mais dois alvasis que, por ventura, eram eleitos anualmente pelos homens mais considerados do povo, aos quais todos nós, respeitosamente, chamávamos de “Homens-Bons”.
Essa Carta de Foro, produzida pelos escribas da Corte, em Santarém, tinha como finalidade criar um “Concelho Perfeito”, administrado pelo enunciado Alcaide, que, com a preciosa ajuda dos dois alvasis lá ia gerindo a governação do concelho no aspecto civil, judicial e militar… Essa nova Constituição, aflorou as ideias luminosas dos Homens-Bons, que inventaram e decretaram algumas Leis curiosas… Recordo uma que dizia que, para penalizar os mais indignos e os mais indecentes homens aqui da terra, o preço a pagar por essas diabruras e por essas atrocidades podia variar, se o crime fosse cometido dentro ou fora do Couto… Apenas para concluir este pesado trecho e para não me alongar demasiado nos pormenores da conversa, exemplifico somente uma das Leis mais importantes e curiosas da época - “Por cometer um homicídio, os vilões pagavam, na altura, qualquer coisa como quinhentos soldos de peite, se a desumanidade fosse cometida dentro do Couto, e duzentos soldos de peite se o delito fosse efectuado fora dos limites do Couto.
Discorrida a parte maçuda da História e revividas as Leis dos Homens-Bons, nos anos seguintes, assisti impávido e sereno à heróica governação de Dom Afonso IV (o bravo), que andou por aí a pelejar contra milhares e milhares de cavaleiros, enfrentando paladinos, nobres e ginetes, para as bandas de Albuquerque e de Badajoz…. Por falar em tal, foi nesse mesmo reinado de Dom Afonso IV, que deparei novamente o Professor José Hermano Saraiva, e se a memória não me falha foi exactamente no dia vinte e sete de Maio de mil trezentos e cinquenta e cinco, junto à fonte dos Monchões. Poderei mesmo dizer que foi o início de uma grande cumplicidade, de uma enorme empatia e de uma eviterna amizade…
Chegámos quase ao mesmo tempo às proximidades da fonte, cumprimentámo-nos, recordámos a festa do Foral, e encetámos imediatamente uma conversação sobre o crescimento e a prosperidade da província; debatemos os frequentes conflitos do Rei Dom Afonso IV com o seu irmão bastardo, Afonso Sanches; murmurámos o propósito do filho do ilegítimo, João Afonso, que pretendia invadir a província. Mas, segundo as palavras do Professor, após algumas escaramuças junto à ribeira de Ouguela e uma quantas tantas desordens em Albuquerque, tudo se recompôs… Ainda bem! Parece que estou a ouvir as eloquentes palavras do meu grande amigo, quando disse a província de Entre-o-Tejo-e-Odiana ganhou assaz, com o Tratado de dez de Julho de mil trezentos e quarenta, assinado em Sevilha. Esse acordo, além de nos conceder a ronceira paz com Castela, permitiu a união dos dois Reinos na guerra contra os Mouros… onde é que eu já vi isto? Prosseguindo… Momentos depois, tentei apaziguar o fervor da conversa e o calor que o próprio dia nos concedia, dirigindo-me até às imediações da água da fonte dos Monchões. Convidei seguidamente o Professor a refrescar a garganta num cocho feito da casca de um sobreiro que nos olhava nos olhos, e, enquanto o cocho gotejava a fresquidão da vida para cima de umas margaridas quase secas e murchas, o ilustre Professor voltou à interlocução, e, solenemente, falou-me ainda do terrorífico e trágico acontecimento, ocorrido uns meses antes, que culminou com a morte de Dona Inês de Castro, a quem os coevos e os nobres apelidaram de “Colo de Garça”, encontrando o seu trágico destino nos braços de um amor proibido e indesejado… Passados uns momentos em honra do silêncio e do amor, a pressa do Professor falou mais alto, e depois de atestarmos cordialmente os barris com água fresca, despedimo-nos, e, pela passagem do tempo e pelo pó da estrada, vi partir aquele sábio homem, pensando que talvez lhe calhasse em sorte uma qualquer frente de batalha…
Apesar de todas as situações romanescas, recordo muito bem os dez anos em que Dom Pedro I tomou conta do Reino… De como ele próprio aplicava a justiça; das famosas Cortes de Elvas, onde Dom Pedro prometeu respeito pelos direitos municipais e eclesiásticos.
Seguidamente, com a subida Dom Fernando ao poder e ao trono, tive a sorte de encontrar inúmeras vezes nesse período o Professor, na Adega da Foupana, aquando das suas frequentes passagens pela província. E foi na Foupana que conheci também outro grande amigo na altura, o senhor Fernão Lopes, que desde logo me informou da criação da Companhia das Naus, da famosa Lei das Sesmarias, e ainda teve tempo para me falar sobre as pretensões de El Rei ao trono de Castela, deixando toda a região em pé de guerra… Mas essas são outras histórias que recordarei brevemente!!
 
A minha História IV

Anúncio

 
Anúncio

Sou um homem educado,
Fato limpo e aprumado,
Nestas minhas pretensões…
Procuro aqui uma mulher
Que tenha pouco saber
E que traga alguns tostões…

Tem de ser gente encartada,
Trabalhosa e asseada,
Nas coisas d`agricultura…
Se tiver um bom tractor,
Digo que ainda é melhor
Para os dias de fartura…

Convém que seja uma feia,
Com buracos na ideia
E vontade p`rá cozinha…
Que me faça bons petiscos,
E suture outros rabiscos
Com agulha e boa linha…

Essas suas mãos de fada,
Prometem casa arrumada
E destreza no asseio…
Já vejo tudo a luzir,
Quando ela quiser ouvir
Os versos do meu paleio…

Também quero ser adorado
No enxuto, no molhado,
Na luzerna e no fogão…
E, assim, a venturosa,
Será aquela que goza
Este anúncio de paixão…

António Prates
 
Anúncio

Dador de Sangue

 
Décimas dedicadas a todos os "Dadores de Sangue", que doam um pouco da sua vida em prol de outras vidas mais necessitadas...


Sangue é vida que se doa,
Numa terna e grata prova;
Do amor de uma pessoa
Que pratica a Boa-Nova...

I
Sangue, viçoso e vermelho,
Fonte de vida que aquece...
Brota do corpo, aparece
Nos vasos do nosso aparelho...
Nome, que a lenda fez velho,
Na falta que alto se entoa...
Bate no peito, apregoa
Dádivas deste alimento...
Vida, é sangue em movimento,
Sangue é vida que se doa...

II
Brinda Bíblias etéreas,
Como nobre sacrifício...
Faz-se sinal do ofício
Correndo pelas artérias...
Soletra as letras mais sérias
No coração, que renova
O plasma, que se comprova,
Como um contrato de amor...
Quando o seu nome é "Dador",
Numa terna e grata prova...

III
Dá-se um sinal de união,
Nos capilares de quem sente
O corpo sofrido e carente
Dos gestos de compaixão...
Actos, que são o que são,
Na compaixão que ressoa...
Sangue; esperança que voa,
No laço que é transmitido...
Tal como brinde oferecido
Do amor de uma pessoa...

IV
Aurícula de paz e de fé...
Primor de quem dá o que tem...
Pratica os caminhos do bem,
Na dádiva de ser o que é...
Sangue de vida e que até,
Serve argumento que trova...
O gesto que alto se louva;
Saber repartir com os seus...
Como um agente de Deus,
Que pratica a Boa-Nova...

António Prates
 
Dador de Sangue

A minha história VIII

 
Penetrámos descontraidamente pelas entranhas da soberba estalagem: prosseguindo entre as seis mesas de xisto vi na primeira mesa, situada no nosso lado direito, um homem envelhecido que tragava tranquilamente uma côdea de pão e sorvia aos poucos o vinho tinto que ainda restava dentro de uma malga rústica e enegrecida, olhou-nos cordialmente e cumprimentou-nos com sapiência; olhei o lado oposto, e reparei que nessa mesa estava uma mulher de meia-idade absorta e um homem meio adormecido, que parecia rezar em honra de um cesto atestado de pardelhas; as mesas que compunham o centro do salão da estalagem aguardavam pelos clientes em silêncio e vazias; dirigimo-nos ao encontro dos dois homens, que há algum tempo nos esperavam sorridentemente e em pé, na mesa mais recatada e do canto… Recebidos e doados os cordiais cumprimentos, o Professor apressou-se a relatar a delicada escaramuça com os cavaleiros bretões, nas fatídicas terras da Carrascoza… Mas, entretanto, a entrada do dono da estalagem avivou o local onde se encontrava o pescador das pardelhas, e assim se confirmou o nosso apetite e a vontade de molhar o momento com a primeira malga de vinho da casa… Enquanto os meus olhos luminosos tentavam descobrir a presença da enunciada Natividade, o Professor narrava as intrigas da Corte para o amigo Fernão Lopes, aflorando as obras do Castelo de Lisboa, e as intrigas amorosas da rainha Dona Leonor Teles com um tal de João Fernandes Andeiro, que era um fidalgo da Corunha, que estava hospedado em Estremoz. Do outro lado da mesa, o borbense Álvaro Gonçalves confessava-se aliviado pela ausência do Comendador D`Aviz, Vasco Porcalho, que tinha partido uns dias antes para casa do Alcaide-mor de Olivença, de quem era fiel amigo e partidário,conquanto, notei alguma preocupação nos olhos do fronteiro que, satisfatoriamente, anunciou a entrada de mais um convidado, o alcaide de Alandroal, Pêro Rodrigues.
Entre a copiosa algazarra de meia dúzia de árabes, que filosofavam e discutiam os segredos de uma azenha, e a abundante conversa de outros tantos frades, que vinham dispostos a devorar todo o feijão com labaças da estalagem, o alcaide de Alandroal juntou-se a nós e às apetecíveis pardelhas, que nos fitavam com o cheiro mais apetecível dos últimos tempos…
Entrementes, uma voz bradou da entrada – Pão quentinho!!!
O Professor aliviou – É a Natividade!
Respondeu Álvaro Gonçalves, com um largo sorriso – Sim, a Brites!...
Repreendeu o meu Mestre – Cala-te!…
 
A minha história VIII

Amigos

 
Mote

Os amigos que são leais
Dão a mão e dão guarida...
Mas poucos são esses tais
Que duram p´ra toda a vida...

Glosas
I
Há amigos em todo o lado,
Quando o nome é trivial...
Como as letras de um jornal,
Quando estão do nosso lado...
Se o jornal é dispensado
As letras não prestam mais...
São a prazo os ideais
Na amizade mais banal...
O que deixa ficar mal
Os amigos que são leais...

II
Esses têm outro valor,
Que se chama seriedade...
Há uma outra amizade
E um (A) que é bem maior...
São amigos sem favor,
Ou sem coisa pretendida...
Com a mão sempre estendida,
Ajudando os tais mendigos...
E por serem mais amigos,
Dão a mão e dão guarida...

III
Há outro que é um perigo,
Com a capa muito sonsa...
Veste a pele que é da onça,
E se diz ser nosso amigo...
P´ra esses eu já nem ligo,
Os que tive foram demais...
São azares ocasionais
Deste tempo sem critério...
Que confunde o Homem sério,
Mas poucos são esses tais...

IV
Como os grandes aliados,
São cultura que se lavra...
E não usa essa palavra
P´ra favores aconchegados...
Amigos não são forçados,
Nem alma que foi vendida...
Como amparo numa descida
E sinceros conselheiros...
São amigos verdadeiros
Que duram p´ra toda a vida...

António Prates
 
Amigos

Borba

 
"Borba"

Neste altar descontraído,
Oiço Borba a respirar...
Como um tal sexto sentido
Na ternura do meu lar...

I
Alentejo és caprichoso
De fato longo e matizado...
És primor do teu passado,
Com isso sou orgulhoso...
Teu encanto é vigoroso,
É cantado e é vivido...
Um prazer que é consentido
No pulsar do pensamento...
Como cor do meu alento
Neste altar descontraído

II
Terras... montes e vinhedos,
E velhinhos olivais...
Está plantada em brandos vais,
Entre os bravos arvoredos...
Estendida entre penedos
Que se vendem por bem estar...
No calor do seu pulsar
Levo a luz do meu consolo...
E no leito do seu colo
Oiço Borba a respirar...

III
Os seus braços são bondade,
E seus olhos de menina...
Diz a História a sua sina
E a fonte identidade...
Seu pensar, meiga saudade
No seu peito enaltecido...
Tem no dorso descaído
A razão do seu império...
Que se enfeita de mistério
Como um tal sexto sentido...

IV
Veste as hortas da ribeira
Num colar alvo e castiço...
Demonstrado no seu viço
E na face mais trigueira...
A viver desta maneira,
Mostra o dom do seu pensar...
Com o vinho a germinar
Pelas veias desta gente...
É como um lindo presente
Na ternura do meu lar...

António Prates
 
Borba

Confissão

 
Mote

Por capricho ou por mania,
Quando cedo me levanto...
Rimo a luz do novo dia,
Por padecer e rimar tanto...

Glosas

I
Nasce o sol com a aurora,
Consolando a minha mente...
A cada dia, um tom diferente,
No meu sol que vai embora...
Enquanto brilha, dia afora,
Sou imagos de poesia...
Que me chama e me desvia,
Para as sombras do cansaço...
Nestas rimas que eu faço,
Por capricho ou por mania...

II
Meço as horas por segundos,
Absorto no meu intento...
Elaborando cada momento,
Pelos minutos mais imundos...
Abraço sonhos moribundos,
Sem esperança, sem encanto...
E na voz deste meu pranto,
Sou prisão do meu degredo...
Que principia sempre cedo,
Quando cedo me levanto...

III
Confesso a dor e o desalento,
Nas palavras do meu estado...
Como eterno aprisionado,
Do meu estado pestilento...
Nada em mim me dá alento,
No torpor que me enfastia...
Sou sombra desta apatia,
Acabrunhado, impotente...
E por força do consciente,
Rimo a luz do novo dia...

IV
Invento tardes infinitas,
No meu ego complacente...
Como o sonho incandescente,
Que se esvai ante desditas...
Ignoro as coisas bonitas,
Retirado neste recanto...
E com língua de esperanto,
Vou seguindo a minha noite...
Que se faz eterno açoite,
Por padecer e rimar tanto...

António Prates
 
Confissão

Amizade

 
Amizade é um valor que se descreve,
Com a bondade que afaga o coração…
Dá-nos calor com a cor da fria neve,
Nesses momentos de retiro e solidão…

Dá-nos apoio, um delicado sentimento,
Compartilhado na ternura, no carinho…
Adoça o tempo, a faguice do momento,
Onde as palavras soam ternas e baixinho…

Sentimos luz, em cada pingo de desvelo,
Admirando o resplendor, a claridade…
E cabe sempre mais um amigo no Castelo,
Dentro da alma, onde vive esta Amizade…

António Prates
 
Amizade

A minha história...

 
Tudo começa no esplendor da minha infância: quando os povos Celtas vagueavam como nómadas pelo local onde vivo, e meu pai, fundou, conjuntamente com outros membros da tribo, uns casebres junto a uma viçosa ribeira, no ano 974 antes do nascimento de Cristo.
Recordo perfeitamente as histórias que o meu pai me contava, sobre alguns dos nossos heróicos antepassados, que ainda hoje jazem numas sepulturas Neolíticas, cavadas na dura pedra, junto aos campos da Lozera, para lá de Cabeço de Machos.
Passados uns bons anos, tivemos como visitantes e como invasores os famosos e célebres Romanos: apareceram com uns trajes esquisitos, em tons luzidios e avermelhados, e apelidaram toda a região de Lusitânia. Lembro que os guerreiros do latim faziam grandes e pomposas festas, por toda a nossa região, e onde a idade já me permitia acompanhar o meu pai até à capital da nossa província, a majestosa e imponente cidade de Mérida Augusta.
Pouco tempo depois chegaram os Visigodos, que eram pessoas mais ligadas ao campo. E, foram esses saudosos visitantes que me ensinaram os primeiros segredos agrícolas.
Devido à influência das guerras e da sede de conquistar terreno, vi chegar um dia um outro povo de tez trigueira mais escura. Povo esse que, uns alcunhavam de Árabes, outros chamavam de Mouros e, havia ainda quem os denominasse por Serracenos. Esses sábios e inteligentes Homens, ensinaram-nos imensos saberes; sobre o aproveitamento das águas, com os seus moinhos e azenhas; o ordenamento agrícola e os seus sistemas de rega; e o aproveitamento do vento, para moer os cereais e transformá-los em farinha, que depois, essa mesma farinha servia para fazer o pão nosso de cada dia.... Por falar em tal, recordo perfeitamente o dia em que vi a sua numeração pela primeira vez e onde reparei prontamente num algarismo esquisito em forma de um círculo, que esse mesmo povo me disse depois tratar-se do número zero.
Após essa época de grandes conversas e de copiosas aventuras, vieram os conquistadores da Portucália que, entre lutas, pestes, amores, e resistência, têm vindo ao longo dos séculos a tornar a minha experiência de vida, nas palavras que terei todo o gosto em partilhar convosco na próxima "Prosa"...


António Prates
 
A minha história...

Aminha História II

 
Depois de chegados os Homens do Condado Portucalense, seguiu-se uma época de consecutivas lutas, contra Castelhanos e Sarracenos, onde tive sempre o cuidado de preservar uma atitude de total transparência. Recordo-me do dia em que as tropas de Dom Afonso II chegaram a estas bandas, e fizeram o acampamento junto à parede da Cerca. Estava um dia solarengo, e a falta de alimentos fez deslocar alguns archeiros para o mato, em busca de caça para saciar a necessidade de alimento que reinava entre as tropas de Sua Majestade.
Esses bravos soldados, tiveram a amabilidade e a gentileza em me convidar a acompanhá-los nessa campanha (devido à longevidade da minha experiência no terreno), e lá partimos com fisgas, afundas, e meia dúzia de arcos municiados com algumas resistentes e bem afiadas flechas de azinho. Seis horas mais tarde, regressámos com caça suficiente para fartar todo o exército e se os temíveis lobos da serra e um astuto e desavergonhado lince (que nos acompanhou sorrateiramente toda a caçada) não nos dificultassem um pouco a missão, vos digo que a caçada era mais avultada em pelo menos mais vinte abetardas e outros quantos leporídeos.
Passadas essas grandes batalhas, a minha fiel memória lembrou o dia em que o Lavrador, Dom Dinis, nos entregou o Foral no já remoto ano de 1302 (MCCCII)... Mas sobre este Histórico acontecimento falarei na minha próxima intercessão...
 
Aminha História II

A minha História V

 
Como o prometido é devido a as promessas são para cumprir, a minha memória transportou-me até esses singulares momentos, em que deste preciso lugar testemunhei um pouco da heróica e acidentada governação de El Rei Dom Fernando, o formoso. Este monarca teve a coragem de proclamar e fazer cumprir a “Lei das Sesmarias” em mil trezentos e setenta e cinco. Lei essa que se tornou importantíssima para o desenvolvimento do Além-Tejo-e-Odiana.
Recordo um belo dia do mês de Abril, do já distante ano de mil trezentos e oitenta e três, quando me desloquei às hortas viçosas de Rio de Moinhos, de encontrar junto à igreja de São Tiago o inevitável Professor José Hermano Saraiva, que andava por ali a dignificar a sepultura do seu amigo Dom Gonçalo, outrora um bom eremita naquele ermo e recôndito local.
Prestei as devidas reverências ao meu Mestre, almoçámos uma sopa de beldroegas condimentada com queijo velho e ovos escalfados, e pouco tempo depois, desandei pela estrada da Lozera na companhia da sapiência e das palavras sensatas que o Professor me ia proferindo com emoção e em alta voz… O Professor disseram-me durante o repasto que precisava de apressar um pouco o passo, para nos encontrarmos ao fim da tarde na Foupana, com os nossos amigos Álvaro Gonçalves e Fernão Lopes, que nos esperavam, para mais uma grande e vigorosa batalha de conversa… Enquanto o colorido do campo nos fazia ver as maravilhas do terreno e o aroma da Primavera nos facultava de bandeja as mais belas fragrâncias da vida, o meu companheiro e amigo elucidou-me das inúmeras intrigas na Corte: referiu a morte de Henrique II de Castela, quatro anos antes; explicou-mo ao pormenor o enorme fracasso da frota portuguesa, nas águas quentes do Algarve, em mil trezentos e oitenta e um; e, quando o meu prelector estava precisamente a relatar a obsessão do nosso “formoso” Rei pela coroa de Castela, olhou em frente, e com os olhos absortos no horizonte, que se estendia aos até aos pés do Universo, revelou-me que no dia seguinte partia rumo a Badajoz, para assistir ao casamento de Dona Beatriz (de apenas doze anos), com Dom João I, de Castela - fruto de um acordo efectuado e assinado em Salvaterra de Magos. Confessando-me por fim o bom homem, que Dom Fernando estava doente, e que o nosso Rei tencionava pernoitar em Borba, aquando do seu regresso a Lisboa… Percorridas umas quatro ou cinco mil jardas, o Mestre parecia ter conquistado a simpatia da fauna e maravilhado o sorriso explanado em todos os rostos da flor com suas caudalosas palavras, repletas de frescas novidades e de grandes acontecimentos… O chão da Carrascoza já se estendia em nosso redor, quando num abrir e fechar de olhos, fomos surpreendidos e interpelados por dois enormes cavaleiros ingleses (enviados pelo Duque de Lancaster, para nos protegerem dos Castelhanos), que nos tentaram prontamente saquear e amedrontar…
 
A minha História V

As palavras são os olhos da alma...