o protesto
amordaçaram
a verdade
calando
minha voz,
o rio
como protesto
já não desagua
na foz.
João Videira Santos
é por ti (poesia)
é por ti que minhas mãos voam e os dedos doem...
...que na enganadora sensatez
sonho e escrevo
vivendo a alegria,
a tristeza.
é por ti que cruzo horizontes e chego além
onde o olhar curva
e a palavra se distancia...
é por ti que tiro mordaças,
que rasgo a carne,
que bebo o sofrimento,
que venço a mágoa,
que cruzo o mar
que no perfume da maresia
ultrapasso cinzentos
e escrevo...poesia.
João Videira Santos
com registo na SPA
uivam os medos
uivam os medos no insonoro medo que teatraliza o receio…
dante sorri por detrás das máscaras…
flácido, velho, o infinito aproxima-se na delinquência da distância…
quantos bálsamos de apelo curam a dor,
a ausência que glorifica os espaços…
é neles que as trevas alimentam o desespero,
os vazios indefinidos da forma,
os traços longuílíneos que distorcem a sombra…
uivam os medos no insonoro medo,
cai o pano na comédia divina do espanto…
bebo...
bebo...
no verbo a luxuria,
a primeira pessoa.
o singular,
a nostalgia...
bebo...
mato a sede indecifrável,
a secura que cicatriza,
o encanto do silêncio...
a sombra que atravessa,
o plural que espiraliza...
bebo...
inundo o fictício, a realidade,
o descusturado, o inverso que escrevo...
bebo, afogo-me...
João Videira Santos
com registo na SPA
na língua do silêncio...
na língua do silêncio,
duas palavras...
amor, desespero...
moribundas, sofridas,
ambas transmutam
a dor do poema,
a magia que torna real
o colapso do tempo,
a espera súbita,
a loucura desejada,
a solidão suicida,
a morte cadenciada...
João Videira Santos
és
és por inteira,
na alma desbravada,
verso de amor primeiro,
prosa lida por dentro,
vida do meu dedilhar...
João Videira Santos
com registo na SPA
entretanto...
a língua mordia o desejo,
a boca engolia a loucura,
o amor fantasiava.
o fim, pelo fim esperava.
João Videira Santos
deusa e deus
rasgarás o ciúme na pálpebra do olhar amassando a raiva na desconfiança;
comerás os fígados do fel e no desespero do azedume gritarás pelos luares extáticos;
serás deusa dos sombrios e nos medos serás estátua na luz movediça...
eu, qual solarengo deus, serei a trégua,
o recuo da guerra,
o amedrontado lacaio,
o assírio da regra,
a errância da semente,
o vento despedaçado na frágua...
João Videira Santos
registado na SPA
no café de fernando pessoa
o vazio imenso...
...e ele ali, especado em memórias dum tempo que foi seu.
a floresta de mesas esperando que a artilharia de pratos, copos e talheres seja usada...
...o embaraço da escolha gulosa do menu diverso e convidativo...
...as lembranças penduradas esperando que os olhos as desvendem...
...o teu olhar absorvendo esse tempo, venturas e desventuras do poeta, interrompido pelo consecutivo "olha p'ra mim" que capto em cada flash...
... dir-se-ía que os relampejares instantaneos de cada foto perpetuam o momento que, fotografado, já pertence ao passado...
...a conversa diluída no tinto alentejano que fantasia e acaricia o baco de todos os paladares...
...o almoço deglutido em mais um guloso bacalhau, olhado de frente pelas lulas que para mim escolhi...
...a conversa amassada na mais completa satisfação pela permuta de ideias e de pensares dispersos na harmonia
de quem canta a mesma canção...
...e ele, o poeta, ali, afixado na parede, depois de tantas tardes trovadas no silêncio da inspiração...
...quantos aparos não desenharam as mais belas palavras e quanta tinta não as tingiu de dor e sofrimento...
...o poeta morreu, mas as palavras, essas renascem em cada livro em que se liberta...
...o almoço no fim, o tempo urge, o sol rompe a vidraça, o adeus apressa-se...
...o martinho da arcada, ali no terreiro do paço, em lisboa, despede-se de nós. o poeta, esse ficou. ele imortaliza os lugares por onde se sentou e os muitos cafés que ali bebericou, enquanto a sua escrita, dolorosamente, sofria...
...e nós, tu e eu, com tantas coisas ditas e tantas outras por dizer, deixamos que o baú do tempo as guarde para novas
memórias...
...o futuro é incerto, mas se estiver por aqui e o reencontro for possível, voltaremos ao passado trilhando caminhos, fazendo sementeira para novas colheitas...
...lembrarei as horas de nós como momentos eternos na rectrospectiva da amizade...
...então, sózinho, olharei a saudade e direi para mim:
-Helena, valeu!
...pelos risos escancarados,
pelos momentos descontraídos!
(...e aqui deixo a promessa de que vou escrever a "tal" peça para os teus amigos de Curitiba!)
João Videira Santos
para Helena
irmã de desditas,
companheira de ideias,
mulher e mãe de afectos.
engrenagem...
somos máquina no gélido cobertor da sociedade,
engrenagem,
rotina duma azáfama desmedida...
somos tudo,
menos sombra da nossa identidade...
com registo na SPA