Pó
Na lentidão dos dias
Começo a sentir o pó
Que vai assentando em mim
Tudo está a ficar gasto
Ao meu redor
Até as sombras
Que recordam alegrias
Olho para mim
E gosto das rugas
Que vão aparecendo
Sinto a chama intensa
Dos sonhos
Que não deixo apagar
E sinto o amor
A paixão
A vida!
Sinto-te a ti…
Como sinto
O cheiro da terra
E do mar
Perto
Longe
Aqui
O vestido
Já viste os cavalos a correr nas planícies alentejanas ao anoitecer?
O sol a bater na pele deles dá uma tonalidade igual ao teu vestido…
Recuou… como era possível aquela pergunta/resposta?
Retrocedeu no tempo. Aos momentos que ele não conhecia…
Era Verão. Um Verão daqueles que só acontecem nas planícies. Só ali existe a magia própria do dourado ondulante contra o azul insinuante do céu. E quando o sol se põe tudo fica rasgado de vários tons de laranja. Fabuloso. Não… é muito mais do que isso! É tanto que não se sabe dizer…
Ao longe ainda corriam cavalos felizes e brincalhões. Não eram todos iguais. Haviam uns maiores que outros e de cores distintas. A luz do fim da tarde, povoava de raios e sombras a paisagem, qual quadro célebre exposto no melhor dos museus. E os cavalos tinham cores misteriosas e brilhantes que iam escurecendo ao passar de cada minuto.
O silêncio da tarde calma, cantava hinos à paz que sentia na alma. Sentia-se tão frágil e tão forte ao mesmo tempo. Perante a grandeza do espaço aberto e livre, era tão pequena; mas era a sua grande força que lhe dava a paz naquele momento, tão eterno (em quantas tardes de quantos Verões vira o mesmo quadro? Em quantas delas se ouviram as suas gargalhadas? Em quantas delas as lágrimas escorreram indomadas pelas saudades dos que partiram?).
Voltou ao presente.
Que cor é essa? Os cavalos têm diferentes cores que, ainda se transformam noutras, consoante o sol que bate neles.
Que lhe interessava a cor do vestido?! Sabia que para ele, a cor desse vestido era mágica. Tão mágica como os quadros reais que, para ela, eram os mais belos. Isso sim!
Respiras-me
Respiras-me
Saboreando momentos
Feitos de sorrisos
Metamorfoseados em ar
Na intuição do sentir…
Com os sentidos a divagar
Vens até mim
Sem saberes
Se me vais encontrar
E, mesmo assim,
Partes sem rumo certo.
Só para me ver sorrir…
Abençoado respirar
Que me faz não saber
Para onde ir…
Alinhando as estrelas
Saiu da sala de jantar. Ninguém reparou.
Desceu alguns degraus e baixou-se para tirar os sapatos de salto alto. Então, desceu o último degrau e sentiu a areia seca tomando-lhe os pés.
Deu alguns passos seguindo o chamamento das ondas.
Sentou-se, pousou os sapatos e abraçou os joelhos.
A noite estava quente e húmida. O vestido branco agarrava-se à pele, do mesmo modo que, a espuma branca das pequenas ondas, se vinha agarrar à areia.
Ainda conseguia ouvir a música tropical vinda da sala e as vozes sem palavras definidas. Tinha sido um jantar muito agradável. Tudo era bom e bonito. Perfeito, se não fosse a sua fome de silêncio e de solidão.
Sentia-se bonita naquela noite, Sentia-se em paz. Mais ainda, ali sentada sozinha. Num ímpeto deixou-se cair para trás e ficou deitada. Olhou o céu azul escuro e viu milhões de estrelas. Definiu algumas constelações.
Tentou definir caminhos de estelas. Complexos caminhos que lhe fizeram lembrar as estradas da vida. Viu as estrelas desalinhadas e iniciou um árduo trabalho de tentar alinhá-las. Pareceu-lhe possível. Mas, nessa noite sentia-se cheia de força. Uma força interior que nem sempre conseguia ter. Com a ajuda do mar, conseguiu mesmo alinhar alguns caminhos. Caminhos seus. Caminhos irreais.
Talvez tenha adormecido. Decerto que sonhou e, só acordou, quando sentiu a presença de alguém perguntando o que fazia ali, tão só.
Não era uma voz conhecida. Não era alguém que a procurava mas sim, alguém que a encontrou. Simplesmente respondeu que estava a alinhar estrelas. Ele sorriu e sentou-se ao seu lado. E só perguntou se podia ajudar…
Por vezes, também gosto de escrever em prosa.
Esperas...
Estou cansada da porta fechada.
Perdida no tempo de outras eras
Em que Primaveras eram lufada
De ar fresco, após longas esperas.
E o sol que brilhava era quente
Pintando as frutas verdes, de cor
As flores abriam e lentamente
Cobriam os campos sem qualquer pudor.
Eram os amores nascidos ali
Regados no orvalho da madrugada
Manhã plena, repleta só para ti.
Depois abriam-se caminhos em nós.
Rolava o calor por essa estrada.
Os hinos… cantavam-se a uma só voz…
Mar e guitarras
Se o fado me mente na tristeza
Consola-me a alma, o garanto,
Pois sinto no seu canto a beleza,
Da alegria, ao secar meu pranto.
Podes mar sussurrar um chamamento
Nas águas serenas de Verão
Acompanhamento terás, lamento,
Das guitarras que não se calarão.
Mar e fado de mãos dadas, cantem
Memórias do meu belo recanto
Chamem a coragem e agitem
Os ventos de outrora, num só manto.
Cubram esta terra nossa que tem
Nobreza de espírito, encanto…
Porque vieram as madrugadas...
Porque vieram as madrugadas
Desassossegar
Em sorrisos espontâneos,
As noites frias desesperadas
De feridas secas
Mas não saradas?
Estranhas ruelas
Talhadas na mente
Calcetadas dos enganos
De quem sente…
Mas o sol brilha
Por trás das nuvens escuras.
É desse que sou filha
Apesar das amarguras…
Uma pausa na estrada...
Quero que a minha voz
Seja por ti ouvida
Como o silêncio do mar
Ou simplesmente
Como o abanar
Dos ramos ao vento
Nos campos onde
Vais caminhar
Quero que os meus dedos
Nos teus cabelos desalinhados
Te façam sentir
De olhos fechados
A paz tão protegida
Do teu leito
De menino
Dos tempos passados
Quero que o meu beijo
Suave na tua testa
Não desperte
Qualquer desejo
E da fonte do amor
Puro
Seja apenas
Um gotejo
No meu colo
A tua cabeça repousada
Sem qualquer carícia ousada
Descansando em azul
Uma pausa na estrada…
Desafias-me...
Desafias-me
Como a lua desafia
As marés
Rasas e calmas
Molham os meus pés
Que descalços e nus
São como duas almas
Que se refrescam em fés
De paixões que não pus
Entre nós…
Vivas e revoltas
Fustigam a minha pele
Que despida e nua
Nas ternuras que soltas
Nada mais é que papel
Amolecida e tão tua
Sem nós…
Eu queria amar um poeta
Eu queria amar um poeta
Que conhecesse a dor
De perder um amor
E a transformasse na magia
Da sua poesia.
Que nascesse em cada dia
Sedento do sabor
De uma nova paixão
Que a tornasse eterna
Dentro do seu coração.
Que tocasse o meu corpo
Como sabe tocar uma flor
Com toda a doçura e fulgor.
Que lidasse com a rotina
Como se fosse noite de luar
Com toda a vontade de imaginar.
Que vivesse cada momento
Como um verso a escrever
Para nunca esquecer.
Que me amasse a mim
Como se fosse um ser
Que não tem de sofrer.
Que me fizesse sentir
Como acabada de nascer
Sem de ti saber.
Saído mesmo do fundo da gaveta