prece de perfume
entorte minha alma com gestos geométricos
multiplique o fel, os sentidos, as facas.
oferte-me o beijo de Judas até a face perder a inocência
escreva temporariamente coisas de falar...
depois queime metade grego, metade egípcio.
à meia voz, minta como toda boca faz.
com suavidade estudada
desorganize meus nervos, povoe o sangue.
mude o verbo de lugar, separe-o do sujeito.
com uma vírgula alva para não viciar a palavra
apreenda o afago das linhas
que em noites sem cor atravessam o papel
empunhe uma fé, pelo fogo, pelo ar, pelo mar.
enquanto lapido abismos
com o quê os canivetes suíços ensinam
prepare o prato para tua poesia que pede roubo,
garganta inundada de lembranças.
declama a fina ameaça de fazer vento aos jardins
como se fosse prece, desenho de perfume.
Vania Lopez
palavra de poeta
as horas vão se afastando da margem
O vento muda o percurso das ondas
passa por uma jarra, fica tudo tão parecido
nas áreas claras do mapa
como cabelo, igualando os dois lados.
um fogareiro, um cobertor
pinto as unhas, com as mãos sobre a bíblia.
as coisas que eu não posso
sorrio com alma de mulher
e, com a mesma boca, desculpo te
... por ser tão bonito
quando acabas no meio da frase
não faço idéia do tempo
deixo tua falta, indicando tua presença
a palavra que me falta.
perco o lápis que ganhei... só de fazer versos pra ti
vou junto com o lápis.
as palavras me dissipam, não morro de verdade.
tomo o lugar delas (...)
Vânia Lopez
Haverá dias assim
chegue com seus defeitos
mais bonitos
pra gente espalhar
pela casa feito serpentina
corrigir o equilíbrio
do tempo despido
que nossas gargalhadas
sejam a maior desforra na rotina!
vamos acrescentar reparos
à indefinição
traga o que ainda não é verdade
perca a semelhança
dos dias ainda sendo escritos
sem que se proponha nada
regados de tranquilos silêncios
que não cabe em nenhuma descrição
de sei lá quantas coisas mais
o que me agrada em ti
são as orações desses seus cabelos
prontos pra impressionar Deus
e o paraíso
Vania Lopez
rasgue as vestes num pano de guardar silencio
velhos muros, teu sangue e a cor dos olhos
apagai-vos como uma foice rápida
traga qualquer chuva, uma garra delicada
menor que uma palavra
rouba-me a alma como quem rabisca o sagrado
deixe (só) meu vulto ao redor
converte-me em veneno
quiçá uma assassina ardente
que mata de modo suave
lento... súbito
rogai-me em tua boca
como sinos imóveis
peito em suspensas fugas
... num mundo tão morno
brinque com o verbo e o tempo
traga-me o infinito em golpes precisos
como uma oração cantada
desenhando o pecado
longe do tempo e das horas
como quem sopra o ar e nada vê
porque está olhando com olhos sem firmamento
guarda-me em um par de asas
no mero abandono de um silencio
Vania Lopez
sílabas em seu fino véu e gesto acabam de cair...
dar-te-ia um exílio
uma casa com nuvens e sol
um lar para tua alma
pernoite com café da manhã
comprando o jornal
e o hoje em letras minúsculas
e tu voas amor de todo tempo
um evangelho resguarda tua pele
tua unha veste os caminhos
(como um quadro de Frida)
dar-te-ia uma rede
para caçar moinhos de vento
esses, que escapam de seus olhos
o mais obstinado perfume
urrando o inferno de tua boca
com uma faca entredentes
suspirando um céu de intensidades
dar-te-ia o tempo
mas é um mero gracejo em movimento
mal se dá conta que cabe em uma bolsa
como um poema bupreste
mas tu... tu eras homem eterno
e te queimei sem luto
e teu rosto sereno de tempo algum
recolhe desatinos
despertando em mais uma manhã do meu peito
como quem espera o chamado de um voo
Vania Lopez
rosa sacra
tua unha vestida ergue ruínas
pede o silencio e a faca
um altar e o pecado de desejar
qualquer paixão que houver
entre o rubi da boca
e o momento exato da tua nuca, fora de qualquer mapa
dá-me um murmúrio escrito
para que eu siga como um barco em La Paz
sem qualquer nome, mulher de sempre
leve abismo
teu ventre uma oração cantada
o sol contornando o ombro
no final, o verbo
dá-me um lugar, um duelo de cor
entre a penumbra e a luz
para a alma estar de joelhos
tira-me a carne, os ossos
finda a cobiça da noite por tua pele
no abandono de uma prece
Vania Lopez
pode virar poesia...
essa carta nasceu na montanha
onde voce desenhava pássaros
ela é como a água que congela nas rochas
e depois as faz rachar
(tem tanta culpa quanto à água)
não era voce quem tinha razão...
essa carta é que foi ingênua
ainda fecha os olhos e pensa em ti
(envia o desespero)
a luz do dia clareia ainda mais suas lembranças
passam perante seus olhos
com toda força da realidade
por favor, fique esperando na varanda
não sei para onde enviar esta carta
e não sei se vai querer recebê-la
(escrevo para mim mesma)
se acaso voltarem, as esconderei
junto às noites que não são contigo
junto à voz dentro dela silenciada
juntamente as coisas que não dissemos
matei todas elas
nessa carta brotam lágrimas
começam bem de leve
depois escorrem a maldição de relembrar
(são lágrimas de mulher, pertencem à mulher,
são sagradas)
naquela noite encontrei a carta
caída no chão, paralisada...
o amor opaco no papel envelhecido
(às vezes ainda sonho que sou a alma dessa carta)
por favor, deixem-me à sós com ela
nessa noite enterrei a carta
e afundei a alma no rio
(a carta dorme, sempre sua,
revirada na inquietude do querer)
Estado imperfeito
a saudade vai à frente
quebra os vasos bordados de girassóis
toca o azul abandonado no ar
enquanto a noite não dorme em casa
me deixa mais perto do nada
pisar os pés onde não há mais para onde ir
hoje, o céu virou poesia.
é só essa tristeza
e uma centena de espinhos pregados na alma
e ainda assim, eu não tenho nenhum castelo,
e o tempo se foi
Para o poeta maior Aquazulis.
Vania Lopez
Amém
é pra você esse poema
como girassóis pelo caminho
água contra a natureza
a primeira tragada da manhã
é pra você
toda palavra que voa
o pulso que treme
minha colheita de milho
tua alma canto baixinho
como pássaros na borda da veste
um punhado de beleza
que ronda o céu do seu peito
passo a vida com teu cheiro
para molhar meu bordado
de lembrar-te
num sentimento fino
do que quer ficar
enquanto você vai em tantos planos
na pausa da oração
... depois do amém
Vania Lopez
cor de conhaque
olhe pela janela, o ensaio das azaleias
prestes a cair
na doce inconsciência dos vasos
(...) balbuciando orações
o vermelho desconcertado, sem boca
e tudo ao redor ecoando
o redemoinho escoando
os nós os dedos
o choro da cor que vem das almofadas macias
permita que a realidade se intrometa
vestindo apenas uma lembrança minha
queimando alto
fazendo companhia aos navios que passam de noite
no mar que começa e termina em mim
Tal uma saudade
quando estamos longe da saudade.
Vania Lopez