prece de perfume
entorte minha alma com gestos geométricos
multiplique o fel, os sentidos, as facas.
oferte-me o beijo de Judas até a face perder a inocência
escreva temporariamente coisas de falar...
depois queime metade grego, metade egípcio.
à meia voz, minta como toda boca faz.
com suavidade estudada
desorganize meus nervos, povoe o sangue.
mude o verbo de lugar, separe-o do sujeito.
com uma vírgula alva para não viciar a palavra
apreenda o afago das linhas
que em noites sem cor atravessam o papel
empunhe uma fé, pelo fogo, pelo ar, pelo mar.
enquanto lapido abismos
com o quê os canivetes suíços ensinam
prepare o prato para tua poesia que pede roubo,
garganta inundada de lembranças.
declama a fina ameaça de fazer vento aos jardins
como se fosse prece, desenho de perfume.
Vania Lopez
the noite
as unhas brilhavam mais que singularidades nuas.
sandália de franjas,
a pausa e o espaço entre as batidas do salto macio,
e as moedas no juke box.
é perto de voar...
cabelo rompido, mãos despidas.
conversa de seda, renda, pele
uma combinação de capítulos e versículos.
mata igual batom vermelho.
às vezes toma forma, outras não.
sorri em toda extensão da lei,
sentada e em paz com o mundo, causa distração.
abisma tua imaginação.
tequila, cigarro, ar.
... caiu como folha
para dentro do teu silencio
capturada por sua interrogação em pedaços, esvaziou-se.
preenchendo seus olhos de estática
clama que feche o zíper da palavra.
Vania Lopez
POEMA EM ABERTO (dedicado a todos os poetas do luso)
Entrei
Na porta estava escrito:
"Recital Luso Poetas"
A sala estava quase cheia
Muitos ainda iriam chegar
Reconheci alguns nomes:
adelaidemonteiroalentajanaângelalugoangélicamattos
antoniormartinsanacoelhoamandublueberrycamelodasquintas
ceisacccleocoletivocheryedilsonjoséfhatimafredericosalvo
glpgildeoliveglóriasalleshaeremaihelenderosehisalena
henriquepedrojosésilveirajosémanuelbrandãoledalge
luisalpsimõeskryssfourkarlabardanzananda
norbertolopesmariaverdemarciaoliveiramiriade
onovopoetapaulogalvãorosymarianaroquesilveira
sofiaduartetâniamaracamargoulyssesveríssimovónyferreira
Silencio!
O recital vai começar!
"Poesia em aberto"
Os dias não são mais brancos
São pintados pelos que aqui estão
Se tornaram de uma beleza esmagadora
E ao cair da tarde
Subitamente
As noites se tornam eternas
Os dias com suas noites
Acariciam as idéias
Como uma flecha
Esse chão onde cresço
É um chão nunca vivido
Onde os dias não se rendem
As palavras brotam
De todas as mãos
Se juntam, fluem, mudam
É um chão entre aberto
Onde o amor esta sempre pronto
Um poema escrito a várias mãos
Pois nesse solo sempre
Vai vingar mais um
É puro movimento
Almas que amam
Se alguém tentar traduzir
Não se entenderá mais nada
Uma singela homenagem a todos do Luso nessa lista não constam os nomes dos que ainda virão...
Mas é de todos.
Seus sapatos são meus
vou cobrir os degraus de pedra
com folhas verdes
tirar o pó do vestido
profundamente marcado pela saudade
depositarei meus pecados
no castelo de um rei
vou abandonar a verdade
queimar a índole
fazer promessa pro milharal crescer
vem meu amor
um dia mais cedo...
vou dormir embaixo das estrelas
vestindo uma alma faminta
venha antes que a última palavra
saia do papel...
(eu peço à noite que espere)
Vania Lopez
sílabas em seu fino véu e gesto acabam de cair...
dar-te-ia um exílio
uma casa com nuvens e sol
um lar para tua alma
pernoite com café da manhã
comprando o jornal
e o hoje em letras minúsculas
e tu voas amor de todo tempo
um evangelho resguarda tua pele
tua unha veste os caminhos
(como um quadro de Frida)
dar-te-ia uma rede
para caçar moinhos de vento
esses, que escapam de seus olhos
o mais obstinado perfume
urrando o inferno de tua boca
com uma faca entredentes
suspirando um céu de intensidades
dar-te-ia o tempo
mas é um mero gracejo em movimento
mal se dá conta que cabe em uma bolsa
como um poema bupreste
mas tu... tu eras homem eterno
e te queimei sem luto
e teu rosto sereno de tempo algum
recolhe desatinos
despertando em mais uma manhã do meu peito
como quem espera o chamado de um voo
Vania Lopez
pode virar poesia...
essa carta nasceu na montanha
onde voce desenhava pássaros
ela é como a água que congela nas rochas
e depois as faz rachar
(tem tanta culpa quanto à água)
não era voce quem tinha razão...
essa carta é que foi ingênua
ainda fecha os olhos e pensa em ti
(envia o desespero)
a luz do dia clareia ainda mais suas lembranças
passam perante seus olhos
com toda força da realidade
por favor, fique esperando na varanda
não sei para onde enviar esta carta
e não sei se vai querer recebê-la
(escrevo para mim mesma)
se acaso voltarem, as esconderei
junto às noites que não são contigo
junto à voz dentro dela silenciada
juntamente as coisas que não dissemos
matei todas elas
nessa carta brotam lágrimas
começam bem de leve
depois escorrem a maldição de relembrar
(são lágrimas de mulher, pertencem à mulher,
são sagradas)
naquela noite encontrei a carta
caída no chão, paralisada...
o amor opaco no papel envelhecido
(às vezes ainda sonho que sou a alma dessa carta)
por favor, deixem-me à sós com ela
nessa noite enterrei a carta
e afundei a alma no rio
(a carta dorme, sempre sua,
revirada na inquietude do querer)
elegia ao nada
sou Maria com ascendente em Eva
difusa, estável e permanente
desobedeço abismos
e suas quarenta e cinco ramificações
meu céu tem porta giratória
sou sorrateira, sem amarrotar as asas
minha caneta tem pressa,
como consciência de dama.
planto verbos,
um truque para clarear os dias.
adoro papel em branco
agendo-me para uma saudade
não ajoelho, sou santa descuidada.
entre vestido e conjugação
faço um aceno tático para o príncipe encantado.
minha lista de preocupações
descansa incontrolavelmente em paz...
gasto dias, cheia de precipícios
esvaziando todos os lados de dentro.
elejo Améns
vivo próspera e perto , sangro um blues.
minha significância é não ser nada além do vento.
você é que costuma durar
do melhor que o tempo dura...
em feitio de destino.
Vania Lopez
Amém
é pra você esse poema
como girassóis pelo caminho
água contra a natureza
a primeira tragada da manhã
é pra você
toda palavra que voa
o pulso que treme
minha colheita de milho
tua alma canto baixinho
como pássaros na borda da veste
um punhado de beleza
que ronda o céu do seu peito
passo a vida com teu cheiro
para molhar meu bordado
de lembrar-te
num sentimento fino
do que quer ficar
enquanto você vai em tantos planos
na pausa da oração
... depois do amém
Vania Lopez
universo de todos os dedos
descreva-me em sua memória
por entre um canteiro de abóboras
e um desenho em ti
despreze a agitação dos olhos,a falar
não se importe em tentar fazer
tudo ficar em ordem
por um tempo que pareça enorme
ostente a réplica daquele quarto
onde havia tanto amor
fale então,tudo de nós
e,como se estivesse acontecendo só com voce
faz-me sentir que estou perdendo algo
circunda-me a alma
até que esteja ancorado por todos os lados
depois, só mais tarde...
aquieta-me
como universo entre os dedos
por não saber onde guardou meu poema
que preciso para não morrer-me
Vania Lopez
cor de conhaque
olhe pela janela, o ensaio das azaleias
prestes a cair
na doce inconsciência dos vasos
(...) balbuciando orações
o vermelho desconcertado, sem boca
e tudo ao redor ecoando
o redemoinho escoando
os nós os dedos
o choro da cor que vem das almofadas macias
permita que a realidade se intrometa
vestindo apenas uma lembrança minha
queimando alto
fazendo companhia aos navios que passam de noite
no mar que começa e termina em mim
Tal uma saudade
quando estamos longe da saudade.
Vania Lopez