Abraçando a Noite
A noite que se avizinha promete ser crua.
O seu leito está repleto de escuridão.
Ela abraça-me, como a morte faz a quem consigo leva.
Não condeno a noite, fixo-me nela e juro-lhe fidelidade.
Só ela sabe.
Só ela compreende.
Dou-me, a mim e a todas as minhas forças.
A ela, à noite fria.
Agarro-a eu também.
Ela leva-me no seu abraço nocturno.
Segura-me e diz para não a temer, é fria mas só assim conseguirei.
Sussurra-me com a sua voz gelada que crescerei no seu leito.
Acredito nela.
A sua frieza é contagiante.
Preso a ela eu fico e jamais voltarei atrás.
Ouço-a dizer baixinho: "Vem comigo, guiar-te-ei pela felicidade.".
Náusea
A dor corrói todos os pontos do meu corpo.
De uma forma terrivelmente sarcástica ela entra, devagar, por cada pedaço de carne constituinte do meu ser.
Atravessa toda a sua superfície e dilacera tudo por onde passa.
A dor. Esta dor que, depois de queimada a carne, se entranha nos ossos e devagar os vai consumindo até deles não restar nada.
A dor. Esta dor que, mesmo sendo apenas um sentimento abstracto, dá cabo de todo o meu corpo e me deixa nesta terrível e constante Náusea.
Para Onde Me Levas?
Ela corre, o seu ar espanta-me, deixa-me imóvel, sem reacção.
Ela...
Aquela que consegue terminar com tudo e fazer com que volte novamente.
Apenas o seu ar... Suspiro.
Não sei, ela consegue.
Traz consigo toda a vida, todos os átomos da felicidade.
Ela sabe como me levar, como me transportar para o outro lado.
Apenas com um simples olhar, leva-me.
Sem forças para lutar, eu vou.
Deixo-me levar por ela.
Olho-a, vejo-a em todo o seu esplendor. É bela, é única e inigualável.
Não resisto e vou, a seu lado, apertando a sua mão.
Peço-lhe para não parar.
Ela reage de forma afirmativa e aperta ainda mais a minha mão.
Deixo-me levar.
Pergunto-lhe para onde me leva mas ela continua a caminhar sem nada dizer. Não a questiono mais.
Vamos, de mão dada, ela sabe para onde, eu apenas imagino.
Obrigo-me a acreditar que ela me leva para onde sempre desejei estar.
Eu e ela, a caminho da felicidade.
O portão
O portão é grotesco. Do outro lado está ela. Bela como sempre.
Deste lado, destruído e sem forças, estou eu.
Os cabelos dela brilham como cristais, os seus olhos hipnotizantes deixam-me devastado. É impossível tocá-la, é impossível derrubar o portão.
Ela em todo o seu esplendor, eu inexistente. Olho-a infinitamente. Não me tiraram os olhos, posso vê-la e amá-la para sempre.
Não posso sentir o seu abraço nem o toque da sua pele. O portão separa-nos. Ela não me ouve nem me vê. Desconhece a minha existência.
Eu amo-a como todas as forças que me restam. Vou amá-la sem que ela saiba, até ao fim dos dias.
O portão é impossível de atravessar mas não me impede de a amar. O portão separa-nos da mesma forma que nos une.
Ela nunca saberá que existo mas vou olhar seus olhos eternamente.
O portão grande que nos separa e une estará sempre entre nós. Nunca o vou atravessar.
Ela estará sempre do outro lado com a sua beleza infindável. Eu estarei sempre aqui, apodrecendo sozinho deste lado, amando-a sempre e oferencendo-me todo a ela.
Sem saber que existo estará sempre unida a mim, pelo portão, o portão da separação.
Apenas eu
Tudo o que não foi dito,
Tudo o que não foi feito,
Tudo...
Todas estas acções nunca tomadas,
Todas estas horas nunca relembradas,
Tudo isto sou eu, no presente
Passado que já fui e futuro que serei.
Esta vida, este silêncio,
Toda esta insignificância eu sou.
Nada mais, nada menos,
Sou isto.
Este ser inanimado que respira,
Esta marioneta tão facilmente dominada.
Sou eu...
Apenas eu...
Vivo
Vivo todos os dias. Vivo o dia-a-dia. Vivo
Vivo centrado em palavras que não foram ditas e acções nunca concretizadas.
Vivo na angústia, neste medo de nunca poder realizar os meus desejos, estas acções nunca tomadas e estas palavras nunca reveladas.
Suspiro, olho à volta e tento acreditar, tento não olhar para trás.
Sei que o maior erro de todos é esse mesmo mas vivo constantemente cometendo-o.
Vivo no altar do desespero apenas guiado por uma réstia de esperança que ameaça a qualquer hora partir.
Existência
Ela, uma porta sem puxador, a escuridão, a solidão.
Tudo isto eu vejo, a impossibilidade de lhe tocar, o frio que me invade os ossos e me arrasta os olhos para a realidade.
Não vejo, apenas sinto esta impureza, este não existir, a falta de um interior.
Sei que vou morrer com isto e mesmo assim imagino... "Como seria se cá dentro existisse algo?" "Como seria se tudo fosse diferente e não assim?"
Eu existo, ela existe, a dor existe, a escuridão que se abate sobre a minha alma existe...
Poderá também existir a felicidade?