Está tudo errado!
Não, não. Está tudo errado.
Tudo se perdendo nas areias.
Os canais fechando-se céu,
revelando-se estão as teias.
Está tudo mais que perdido,
e tudo mais-que-perfeito…
É tudo, então, resto parte
esquecido no mal desfeito.
Está tudo, tudo, tudo falido!
A ermida caida na solidão
do povo que vive de amor
imprestável e de adoração.
Está presente a chama viril,
o fogo-fátuo da impavidez;
A garra dos maus pecadores,
o silêncio do que nada fez.
Está criada a nova ordem,
a vida em sua nova imagem,
o laurear da vicissitudes,
o regozijar da vassalagem.
Está! Sim, está tudo perdido;
Já não existe instituição,
é tudo carência, desordem…
é tudo pendência, degradação.
O Canto
Quando de vosso vôo contente,
Admirava do céu a tristeza,
vislumbrei um balé de beleza,
Onde dançavas solitariamente.
Quietei-me, ausentando-me de mim!
Ouvi calado o vosso canto!
Cá me perdia em casto pranto,
ao ver tão majestoso querubim.
Deixar-me-ia morrer no enxergar,
pois de beleza o mundo há suprido,
(já que nenhum protesto fora ouvido)
só por estar no céu a bailar.
Dançaste por dias, e encantei-me!
Bebi das pávidas noites serenas!
Comi da terra as luas pequenas;
Dormir solitário, e mirrei-me.
Ao bramir do sol, deleitei-me,
Com a alvura do céu a brilhar;
Do pássaro o canto fiz copiar,
e, sem medo ao céu, entreguei-me.
Estando lá o pássaro fiz encontrar;
apaixonado por teu canto de prece,
raptei-lho para que comigo fizesse
da terra o mais sublimável par.
Afastei-lho de seu ninho alado;
Aprisionado, já não mais cantava;
enquanto minha pobre dor aumentava,
Chorava aos cantos desafinado.
Libertar-nos-ia no libertar;
Qual canto de glória ao céu,
que corre o horizonte infiel,
e sente, mas não pode escutar.
Fi-lo da terra o ser mais infeliz;
Já que nem de tristeza cantava;
não sorria, não comia, não piava!
tampouco haveria de ser joliz.
O lindo querubim as asas pendeu,
e com elas se foram o doce canto!
Das pétalas celestes ficou pranto
de uma sina de silêncio sandeu.
Quando o perecimento já abatia,
um sopro do céu veio a libertar,
e às almas muito enfermas curar,
do mal que há muito lhes curtia.
Da prisão o querubim se libertou;
Verteu-se no céu e pôs-se a cantar,
reanimou-se-lhe e dançou no luar
enquanto piava, como jamais piou!
Eu cá em terra pus-me a chorar,
duma alegria e tristeza do canto,
e calado vislumbrei, com espanto,
que só ali ele teria seu lar.
E ele, nas noites frias de solidão,
quando colhe o céu a tristeza,
canta alegremente à nobre realeza,
sua terna e lisonjeira realização.
Enquanto fico eu perdido em terra,
ouvindo calado a linda serenata
do pássaro à noite ingrata,
que solitária e muda se encerra.
Solstício
Novo solstício,
De lume escarlate.
Beijo de vício.
Brilho em combate,
Glória de início,
Trevas se abate.
Engano
Tenras flores do casto engano,
Que assolaram o bem que mo continha!
A vós não sabida é a ventura minha:
Se viver ditoso, se viver ufano.
Nos eflúvios que se me estranho,
verte um delírio de inconstância,
adonde me aproxima a distância,
do afastado bem-viver que acompanho.
Bem do meu viver é tolerância!
Que mal algum, que se me atente,
alcança o céu meu de inconstância!
E viver-se neste jardim latente,
é buscar no engano a pura ânsia
De no mal comum viver contente.
Parte I
Parte-se numa fração de parte,
Absorto num abismo incontrolável!
Voa para o infinito, é inevitável!
Reparte-se de tudo, tudo reparte.
Como o dia carece a noite escura
Para seu súbito preenchimento!
E os pássaros carecem o vento,
E risos vagos do dia, brandura.
A parte carece todo conjunto
Para que se dê como acabada.
É parte o esquife do defundo,
Que procura sua nova estada!
E tudo o mais nesse assunto...
É conjunto, parte ou é nada.
SINA DE UM PECADOR
Sinto as penas da minha sorte
Instalarem-se no pensamento!
Não cuidam o meu tormento,
Auscultam a minha morte.
Desço do céu dos errantes.
E ocilo entre a terra e o sol,
Uma ilha aos inconstantes.
Me Contenho! Sou arrebol!
Penetro os pântanos da dor,
Enquanto o castigo vou sofrendo!
Cansei-me das lutas - Senhor -
Agora vou apenas vivendo
De água, pão, medo e pudor!
Oprimindo meus erros e pretendendo
Redenção no vosso Amor.
Nu-cósmico
Eu que passo toda a vida
entre pesares e temores,
reais-falsos, fiéis ardores,
nada sinto da fé perdida.
E é no tempo a mais dorida
das fortunas e temperanças.
Vagos dias, ocas lembranças,
nada além de mente sofrida.
Quando sucumbir ao passado,
aos dias tórridos que se foram,
hei lembrar do tempo-alado
em que os sóis não nasceram,
e o tempo era som desgastado
que os nus-cósmicos comeram.