Entre nós e as palavras...
Entre nós e as palavras
há o Silêncio
e a certeza da eternidade
entre nós e as palavras
há a coincidência
o mágico e consentido
esquecimento
da Verdade
entre nós e as palavras
há o Vazio
o indizível
o que não tem forma
nem verbo
nem vontade
entre nós e as palavras
o Divino
Sagrado
Inevitável
Predestinado
E é nesse Silêncio
nesse Vazio
nessa Ausência
que me reconheço
e cresço
e me invento
e nos reinvento
e revejo a minha Casa.
Só depois vêm as palavras.
(Teresa Cuco “lugares de mim”-Corpos Editora-2006)
o relógio...
O relógio da cozinha
há muito que gastou a hora de chegares
e a comida arrefeceu
e a gata cansou-se de esperar
e adormeceu na cadeira
(e tu que não vens!)
Já são horas meu amor
olhei para a mesa dez vezes
para ver o que faltava
e já gastei a rua à força de a olhar
(e ia jurar que eras tu que vinhas lá…)
mas tu não vens
é hoje que tu não vens…
e a noite já escorreu e tapou as casas
e eu sei amor eu sei
que não são teus estes passos que ouço
porque a esses eu conheço de cor
(são pausados e leves)
mas mesmo assim não resisto
e atento nesse andar
mas não …tu já não vens…
é hoje que já não vens…
e um frio gélido cai como uma nódoa
no vestido que eu ia usar…
e a pele envelhece cem anos
e todos os pensamentos me cegam
e todas as veias se secam
e todos os rios me morrem na garganta
quando os passos param
e alguém me bate à porta
e me diz que nunca mais vais voltar!
Ergo esta espada...
Ergo esta espada que Deus me deu
Ergo-a do sangue das madrugadas
e dos olhos de água das terras distantes
dos outros peitos
É da fragrância da lonjura que eu falo
e dos mitos e historias que ninguém contou
é dos campos em fogo
é dos vulcões
é dos medos transmutados
da mentira
dos ódios sem palavras
da vida a prazo
do jogo e das vaidades
é de mil joelhos em terra que eu falo
é de orações
e de longos braços abertos
ainda assim teimosamente abertos
na certeza da redenção.
(Teresa Cuco)
tenho saudades desse que me morreu...
Tenho saudades desse que me morreu.
que adivinhava as minhas mágoas
que me falava sempre a verdade
e me ensinava a espalhar estrelas
e a desbravar alvoradas.
na almofada do seu peito
eu descobria o nome de todos os vendavais
que nasciam no meu peito
e se deitavam nos trigais.
e eu aprendia a confiar.
e eu confiava.
por ele, correria o mundo inteiro.
com ele, eu vencia os maiores temores
e eu era a força e a palavra.
era livre como o vento.
e voava…
voava.
tenho saudades do meu amigo.
sim, esse que me morreu.
e me levou a liberdade.
e me deixou vazia.
sozinha.
sem nada.
(Teresa Cuco)
Ainda guardo...
Ainda guardo
As fragrâncias da terra e os olhos dos distantes mares
Tão distantes como os olhos da minha infância
Ainda tenho em mim
A luz
-secreta luz-
que as mortes não podem apagar
Ainda sou
A folha branca-imaculada-
Onde se escreverá o nome das madrugas
(Teresa Cuco)