Poemas, frases e mensagens de anonimuzz

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de anonimuzz

Preto no Branco

 
De que cor são as palavras que nos meus lábios se ressecam,
Que nem a água de nascente que se perdeu entre rochedos?
De que cor são as ânsias que no meu íntimo se atropelam,
Como os grãos de areia com que a brisa cobriu penedos?

De que cor são as raízes quadradas, as vidas quebradas,
as cartas rasgadas, e as noites passadas ao relento,
Imaginando que um dia virias para me buscar?
Da mesma cor que ficou a outra face da Lua quando me confessou
que partiste, e nunca mais irias voltar.

De que cor são as verdades que no teu coração calas,
Ou as mentiras infrutíferas em que te consomes?
De que cor são as mágoas que bem no fundo guardas?

De que cor é a terra para onde foste,
Em que o dia é mais longo do que triste,
E a noite não é escura o suficiente
Para esconder as sombras da tua humanidade,
Se é que para as sombras já não é muito tarde!?

De que cor é o furor que em mim resiste,
Por não poder dizer que desististe,
E que por entre laivos de amor,
Percebeste que não há cor que o defina,
Se é que ainda ele te invade!?

Negra. Negra é a minha dor!
Negra como a pele que me veste de pudor.
Não negra o suficiente para esconder a tua culpa pálida,
a tua justiça inválida, ou o sentimento que me negaste
a cada declaração, a cada rejeição.

Porque eu estou certo e tu não.
Porque tu és miserável e eu não.
Diz-me agora qual é a cor da razão.

Velhinho, velhinho. Publicado.

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Preto no Branco

Sem Pé

 
Voo por ti.
As minhas asas nos teus olhos;
O teu nome gravado no solo que possuí.

Bebo-te em mim.
As minhas palavras mudas no beijo;
As tuas cores no reflexo dos silêncios.

Voa por mim.
De uma borboleta se pode sonhar;
Do teu amar se podem formular compêndios.

Bebe-me de ti.
Entre páginas do livro, da tua essência;
No vazio da mata onde nos unimos assim...

Tão sós.
Tão nós.
Juntos voaremos, pois.

(30-10-09)

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Sem Pé

Buraco Negro

 
É com o chorar da flauta maior
Que as imagens dançam em meu redor,
Trazendo os crimes da guerra até mim,
A fome severa que jamais senti
No buraco negro a que chamam paz.

A misericórdia transtornada, feroz,
Os cânticos militares a uma voz,
Emudecendo o chilrear da pomba,
Para só se escutar o explodir da bomba
No buraco negro a que chamam paz.

O sangue jorra de corpos inocentes,
Fugindo do leito aviltado por doentes,
Sangrando desde o pouso da consciência
De tudo ter perdido sem nada ter na essência
Excepto no buraco negro a que chamam paz.

As mortalhas repousam na armadura,
Onde o ódio representa, mas o medo figura,
Aguardando o despertar da fúria do soldado,
O rolar de uma cabeça no sentido errado
Para lá do buraco negro com que ofendem a paz.

Por isso a noite é negra, a noite é nua e a verdade nula!
Por isso as crianças gritam sem que se saiba o porquê!
Por isso o Sol cai no horizonte e se esconde da escuridão!
Por isso o buraco negro se aprofunda e segrega corrupção!

As lágrimas secam nas profundezas da visão,
Onde se descodificam as impurezas do mundo,
Se pintam de sofrimento as armas de hoje,
Se vestem de luto as revelações vindas de longe,
No buraco negro a que erroneamente chamam paz.

Apenas a mentira se ramifica no negrume,
Apenas a desgraça se anuncia e atinge o cume
Dos montes construídos pela hipocrisia
Que grassa violentamente de dia para dia
Nos que habitam o buraco negro a que chamam paz.

Por isso é uma bênção a ignorância e o desconhecimento!
Por isso o céu azul inevitavelmente se veste de cinzento!
Por isso a razão se confunde com a rebelião viciosa!
Por isso o real é um berçário para a mágoa raivosa!

E no fundo… Nada mais é senão um buraco.

(03-10-09)

Publicado na Antologia WorldArtFriends 2009.

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Buraco Negro

Ode Musical

 
A mim chega o tamborilar dos martelos,
Ecos em paredes que cantam para mim,
O rufar de um chão avassalado por multidões,
Por multidões que vibram cordas do meu sentir.

Anseio o frenético tocar das campainhas;
Visitem-me e rebentem-me, flautas e sinos!
Rebentem os meus tímpanos com o troar das pandeiretas,
E ruffestumpumpampim, façam-me ouvir, façam-me sentir!

Ó sinfonias, Beethoven e Mozart! Ó divinas orquestras pagãs!
Violinos que estremecem o silêncio que eu não quero ouvir,
Não quero, não quero ouvir!
Os meus dedos sentem clarinetes na pena que desenha claves,
Claves de Sol e Dó e dor nas sílabas dum verso estridente.
Quero barulho, agitação, ruído, AH! contrabaixos e violões,
Afastem de mim os meus pensares, sons-barreira da razão
Que me dói, da realidade que só tem música na tragédia,
Nos beberrões que cantam dores,
Nos ecos de armas disparadas em vão,
No ressoar de bombas caídas e cânticos de vingança
E melódicos choros!

Silêncio, que se vai cantar o fado? Mas que me importa o fado?
Que me interessam destinos que não posso controlar
E saudades de vidas que não são minhas?
Para que quero as minhas reflexões
Se tenho a música para me preencher?

Venham a mim, sons estrangeiros!
Façam toc-toc na minha porta,
Imitem o plim-plim dos triângulos!
Inspirem o fôlego da gaita de foles;
Dispam-se das vossas vergonhas e venham-me alegrar!

Faremos a marcha nupcial e o funeral da quietude!
Adeus ao adagio, à languidez; que venha fogo, fúria e julgamento!
Que se libertem de mim as vozes cantantes do sofrimento
E que se calem os murmúrios do ventre sem alimento!
Acordeões e harpas – serão meus os dedos que vos dominam,
É minha a alma que vos quer audíveis e andantes!
É minha a dor que o silêncio salienta,
São os meus pensamentos num eterno derramar...
Porque para a paz, oh, a paz,
Eu sei que não há mais lugar.

10-01-2011.

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Ode Musical

A Fórmula do Mundo

 
 
Com luvas na mão se escreve a fórmula do mundo.
Bata branca, assepsia, num laboratório de números e frascos,
Números vazios e frascos; números vazios e frascos vazios.

Com luvas na mão se escreve que a vida cabe numa equação.
Fazer reagir o A com o B, meter muito A para que se não limite o B,
Para que surja muito C nos frascos, frascos vazios,
Frascos vazios numerados; frascos vazios e números vazios.

Com luvas na mão se condensa a química do Universo numa linha.
Hidrogénio, hélio, reagente, inerte, quente, frio, humano, esquisito.
Óculos de protecção contra a radiação dos frascos,
Frascos vazios com números; números vazios em frascos vazios.

Nós somos o vazio nos frascos, o vazio em frascos vazios
E o vazio é sempre igual.

Nós somos o vazio.
Somos o vazio.
O vazio.
Vazio.
.

Sem dúvida, este texto ganha toda a sua vida (para mim), no vídeo dedicado a ele, aí no topo.
http://www.youtube.com/watch?v=OwhJSp3AaH0
 
A Fórmula do Mundo

"Fones"

 
E enquanto a música faz-se pouso para palavras que não sei pronunciar,
O silêncio cede espaço para as sensações que nele se traduzem
- Este frio ligeiro que sussurra Inverno no pescoço,
A dormência que me lembra que há muito que estou sentado,
Olhando para um algo que não existe e, ainda assim, me faz existir.

E enquanto estas notas erráticas se escapam da melodia do meu passo parado,
As minhas mãos descompassadas pontuam as pausas da mente.
Fazem-me acreditar que pensamentos têm ordem e obra,
Que podem mais do que este soluçar fragmentado;
Mas também a esperança de uma certeza não passa de um brilho intermitente.

E enquanto esta voz se acumula nos meus ombros e me abraça em segredo,
Encontro nas nuvens de perto a cor desta dor vinda de longe;
Essas fontes que choram as mesmas lágrimas para saciar a mesma sede,
E entre a humidade do seu corpo-espectro escondem o suor dos meus olhos...

E, entretanto, a música parou, as nuvens lá vão e eu nada sou.

(08-01-13)

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"Fones"

O Preço da Mentira

 
Vejo os sorrisos vagos,
O gesto próprio dos fracos,
Enquanto murmuram que a guerra acabou.

Ouço a tremura na voz,
Enquanto conversam a sós,
E desfrutam do pão que o Diabo amassou.

Enumero mentira por mentira,
Nas falas mansas do dia a dia
E nos olhares vestidos de cobardia
Daqueles que pensam tudo menos o que dizem.

Conto pecado a pecado,
Enquanto se esvaziam os pratos
E se quebram os votos de honestidade
Como sendo a verdade heresia.

A guerra não acabou!
Não é finita, como se anuncia!
Grassa nas mentalidades,
Alimenta-se das falsidades
Que desde o almoço à liturgia,
Celebram a pequenez da humanidade!

A verdade, a verdade!
Coisa maldita que tantos invocam!
Poucos saberão o que ela implica,
Na sua rotineira insabedoria
E na ignorância que os abençoa
A cada gargalhada estridente!

"Ha! Ha! Ha!" - Detritos de gente!
Que se reclude em casas sem tecto,
Pensamentos sem nexo,
E escondem a carapaça
Com a cabeça a descoberto!

Mas quem está certo?
Quem é juiz?
Os honestos trabalhadores,
A vizinha Maria das dores,
Ou a mera meretriz?
Quem protege a veracidade
De cada palavra que diz?

Num mundo em que as sombras são a luz,
A noite é maior que o dia,
E a existência é uma freguesia
Sem moradores de permanente estadia,
Qual a ponte entre o real e a utopia?
Qual o elo entre a verdade e a vida?

Oh, que me tirem daqui!
Protejam-me de mim!
Pois tudo isto digo em vão,
Num esforço para alcançar o vento
E calar esta inquietação.

Velhinho, velhinho. Publicado.

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O Preço da Mentira