QUIETO
Olhei, quieto nos teus olhos
grávidos de aroma e candura
um ventre em flor a abrir na primavera.
Entontecido
porque embriagado
no campo limado e morno do entardecer
falei-te e disse quase nada
por não saber dizer mais do teu olhar.
E volta de ti um poema
um poema maior
declamado em sussurro
que me trespassa pelo peito
como flecha acesa de licor e lume
tombando-me ao crepúsculo dos teus olhos
no salpicar imenso das palavras.
E fico internado na metáfora enorme
que teceste lá dentro!
João Luís Dias
OLHOS DE VERSOS
Plantaria os teus olhos
entre os lábios dum poema
e o haveria de saber
em doce declamação.
Por serem olhos de versos
tamanhos de beleza
temo faltar-me engenho
para os saber acomodar
no meu jardim de palavras.
Sou de estradas curtas
de rimas desalinhadas
de poemas menores;
e os teus olhos
enormes de sede e de fontes
só podem admitir pousar
num poema maior!
João Luís Dias
Nota:
Em rodapé, aproveito para um aceno de simpatia aos mais de 50000 "curiosos" que visitaram o meu perfil neste espaço onde me atrevi, desde algum tempo, a deixar umas palavras.
JL
BONITA
Primeiro foram as mãos que me disseram
que ali havia gente de verdade
depois fugi-te pelo corpo acima
medi-te na boca a intensidade.
Senti que ali dentro havia um tigre
naquele repouso havia movimento.
Olhei-te e no sol havia pedras;
parámos ambos como se parasse o tempo.
É tão difícil encontrar pessoas assim bonitas!
Atrevi-me a mergulhar nos teus cabelos
respirando o espanto que me deras.
Ali havia força, havia fogo
havia a memória que aprenderas.
Senti no corpo todo um arrepio
senti nas veias um fogo esquecido
percebemos num minuto a vida toda
sem nada te dizer ficaste ali comigo.
Falavas de projectos e futuro
de coisas banais, frivolidades
mas quando me sorriste parou tudo
problemas do mundo, enormidades.
Senti que um rio parava e o nevoeiro
vestia nos teus dedos capa e espada.
Queria tanto que um olhar bastasse
e não fosse no fundo preciso…
queria tanto que um olhar bastasse
e não fosse preciso dizer nada.
É tão difícil encontrar pessoas assim bonitas!
Pedro Barroso
INTENSAMENTE
Quero-te devagar
com mãos de seda
toque de embalar
boca de amêndoa
lábios de sede
e beber-te e saborear-te
sem tempo e sem reservas…
Depois, em sofreguidão
no acender dos olhos
no transpirar das mãos
no desespero do corpo
ao desnorte do desejo
quero amar-te
intensamente
até ao verter das fontes
João Luís Dias
VERSOS NO OLHAR
Há versos e prosas no teu olhar
e no peito e na boca um poema saciado.
Que procuras mais nas palavras?
que mais te podem elas mostrar?
se soltas poesia ao respirar
quando ris, ou, mesmo triste, sorris;
quando te sabem e te lêem
quando te inventam e se perdem
em encantamento maior.
E outras palavras, outros poemas
outros manifestos de emoção ou delírio…
nunca serão de versos grandes
como os do poema maior
que sabes e partilhas!
João Luís Dias
ROSA BRAVA
Sem se elevar nos beirais
exuberante nas cores
foi achada entre as demais
como a mais linda da flores
João Luís Dias
OLHOS
Sinto com os olhos e falo pelas mãos.
E se assim o sei e digo
e os olhos meus, só os que vêem...
outros olhos
bem maiores do que os meus olhos
me ditam às mãos os versos que escrevo.
João Luís Dias
CHUVA
Cai aos pingos no caminho
Como flocos de algodão
E vai formando um charquinho
Parecido a um coração
Quis-se o orvalho juntar
Ao manto d´água a crescer
E do charco fez-se um mar
Onde embarquei, p´ra te ver…
João Luís Dias
SILÊNCIO
A noite desventrada ao luar
está calada.
O rio que passa ao fundo, devagar
está calado.
O vento sopra do outro lado da montada
ao arrepio do frio de leste.
Eu estou quieto
e calado
ao morno do braseiro brando
no entontecer do sono.
O silêncio tomou conta da noite e de mim
com muita noite ainda por silenciar…
As crianças despertam cedo
mas demoram ainda no sono
e o silêncio embala-as
no sonho aconchegado e morno
sem pressa da manhã.
João Luís Dias
UMA ALDEIA SÓ
Era domingo de sol. Parei a meio da tarde numa aldeia que outrora conheci.
Lembro-me que, então, no terreiro central dessa aldeia muitas crianças corriam e brincavam. Era de ensurdecer os gritos da sua animação. As moças, já espigadotas, namoriscavam sentadas no muro da escola, com o olhar atento das mães e a curiosidades das outras mulheres. Os rapazes jogavam à bola no recreio da mesma escola, que confinava com o terreiro. Os homens, com o olhar atento dos mais idosos, jogavam às cartas num espaço improvisado da mercearia e refrescavam a tensão com umas tigelinhas de vinho verde da região.
Comportamentos simples na pacatez daquela aldeia.
Foi assim que eu a tinha visto e conhecido. Era esta imagem que eu guardava e que me levou a voltar lá.
Não foi assim que agora a encontrei. Doeu-me o silêncio!
Não vi crianças a brincar, moças entretidas nos muros, bolas lançadas contra as paredes pelos rapazes, mulheres a fervilharem de desdém. Vi apenas velhos, cada vez mais velhos, na mesma mercearia, mas agora a beberem refrigerantes, por conselho da fragilidade da idade e da saúde. Chocou-me ver aquela aldeia tão só!
A ausência de alternativas bateu teu forte demais nos filhos daquela terra. Os prados já não os prendiam. Os pinhais começaram a sombrear demais os seus anseios. A paisagem circundante, imensa de beleza, já dava muito pouco a quem mais queria e precisava. As razões eram demais para partirem...
Fiquei sozinho com aquele silêncio.
Fui olhando as pedras que permaneciam quietas na decoração sublime daquele pedaço de mundo só.
Quis convencer que, pelos menos, as pedras e paredes irão resistir...
João Luís Dias