Poemas : 

POEMA QUASE ABSURDO

 
na cidade morta e esquecida
desisto de esperar o trem
devo me esconder no cemitério
entre os mortos
e esperar que o dia acorde melhor
mas caso venha o coveiro louco
o que faço?
meto-me entre os mortos?!
digo a eles que morri também?
na verdade já morri um pouco
meia morte não vale
deixa que eu morra de uma vez isabel
ninguém dará falta de mim
mas não gastes nossos últimos dinheiros
com flores para o meu funeral
se acaso precisares chorar - se for muito necessário que chores -
gasta também poucas lágrimas
e não te declares viúva ao povo
não vale a pena viuvez na tua idade bel
diz a quem te perguntar sobre as lágrimas
que acolheste um louco por piedade
o resto deixa comigo
o remorso deixa comigo
o silêncio deixa comigo
procura depois do enterro um baile
de carnaval e vai dançar
que por aqui eu me viro

(o enterro a previdência paga
não te apoquentes, bel)

___________

júlio


Júlio Saraiva

 
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Julio Saraiva
 
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Enviado por Tópico
Nanda
Publicado: 28/10/2010 06:49  Atualizado: 28/10/2010 06:49
Membro de honra
Usuário desde: 14/08/2007
Localidade: Setúbal
Mensagens: 11076
 Re: POEMA QUASE ABSURDO
Júlio,
Não fosse ele tão sentido e dorido, até teria piada. Mas não, sei como vem de dentro.
Meu amigo, quem assim escreve tem todas as razões para se apegar à vida.
Por aqui sabes como és estimado.
Bj
Nanda


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/10/2010 10:06  Atualizado: 28/10/2010 10:06
 Re: POEMA QUASE ABSURDO
Pela vida feroz dentro dele, eu gosto deste poema.
O Júlio é aquele poeta que nos puxa para a poesia e às vezes, queremos deixar-nos disso, mas os poemas (são isso) puxam-nos à reflexão e quiçá a esconder-nos no cemitério até que a procissão de vivos assustadores passe...

E parabéns à Nanda pelo livro. O maior sucesso.

Voltando a si, Júlio, grande abraço.


Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 28/10/2010 17:41  Atualizado: 28/10/2010 17:43
 Re: POEMA QUASE ABSURDO
Júlio,

Tenho um poema que fiz quando andava na tropa e estava a tirar a especialidade de atirador de infantaria - e tendo como pano de fundo a guerra colonial que então decorria -, cujo primeiro título foi de "Epitáfio", e posteriormente passou a ser de "Post-Scriptum"; o tema de fundo era muito semelhante a este do seu Poema Quase Absurdo. (Publiquei-o em tempos noutro sítio, donde ambos saimos).
Li-o então perante muitos soldados, sargentos e oficiais, numa sessão do fim da especialidade, numa festa de despedida realizada na parada quartel da Escola Prática de Infantaria, no Convento de Mafra.
Um dia destes talvez o publique aqui também.

DM


Enviado por Tópico
Henricabilio
Publicado: 29/10/2010 08:37  Atualizado: 29/10/2010 08:37
Colaborador
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Localidade: Caldas da Rainha - Portugal
Mensagens: 6963
 Re: POEMA QUASE ABSURDO
Acho que não existem poemas absurdos...
Absurda é, sim, a Vida!

Saudações!

Abílio**