Apenas humanos
Quando o cérebro
manobra as palavras
num zénite obsceno,
solta-se o hálito
desse amor vernáculo.
Ele funciona
como dopamina
no sistema
nervoso do olhar.
Ou como tónico
suavizante da pele.
O elixir que alquebra
o açúcar desejado
ardilosamente
pelo pensamento.
Diz-me a que soa o beijo
quando a vontade
de me ter
se manifesta ao teu ouvido!
Conta-me em quantas gotas
se decompõe
a fragilidade
da paixão quando me olhas!
Seleciona cada vocábulo
e pronuncia-me as sílabas
que a serotonina alberga
para abalroar as tuas intenções!
Depois desata suavemente
o laço que me cobre o ombro
e descuida-me o rosto
com a cor rubra
do véu que tens nas mãos.
Abraça-me o tempo nu,
pois não bastam os minutos
que o relógio despreza.
Restam-nos os momentos
que a verdade amarfanha
e sairmos de nós,
como num conto de fadas.
O castelo impõe-se
no cimo dos montes
e o coração sobe as escadas
em caracol,
tão lentamente
que ainda não sabe gerir
a saturação da privação.
Transgride a pena e cria as asas
que Ícaro abandonou.
Serei o Dragão que queima
os portões da razão…
se secares o rio que transbordou
as raízes aos meus pés.
Quero a palavra mágica
que a gramática
não pode mais corrigir.
Desafiemos o poema,
como se a magia existisse
e não fossemos apenas humanos.
Só
Só
podia ser
um laivo
do que nasce
só
a palavra
como o sol
nascente
só
a memória
iluminasse
o presente
podia ser
um laivo
de saudade.
A palavra AMOR
A PALAVRA AMOR
Como se tudo em mim estivesse certo
Parte de mim já enlutou de vez
A Vida não me sabe, me esqueceu decerto!?
Poesia amanhã quem sabe, talvez?!
Paradas estão minhas palavras, me surgem tardias
Distraídas, ocupadas, ausentes até.
Esboroam-se no rasto dos meus dias
Estão remando contra maré.
Leva-as a raiva duma lágrima em liberdade
Deixam meu chão castanho de saudade
Fico ferida, espero por elas nos poentes
Sei-me perdida, não há modo de as entender
Depuro-as com doçura, lanço-as como sementes
Embalo-as no regaço, onde as deixo adormecer.
Desfazadas no tempo, cobre-as um nevoeiro
Fizeram meus sonhos hoje vagabundos
Sigo-as com amor, sigo-lhes o cheiro
Tremem na memória, nas mãos em gestos profundos
Caio na noite que se avizinha
Adormeço no útero de onde hei-de renascer
Ficou uma palavra como eu sózinha
A palavra AMOR
Disponho-me agora às lágrimas, neste Outono a acontecer
Como ao orvalho, se dispõe uma flor.
rosafogo
VALA
VALA
Palavras
Cavam valas
Profundas
Avisadas
Escritas,
Profetizam
Em redondas
Letras:
- Caia
Fala-me de Amor, sim, Fala-me de Amor!
“ Não acreditas? Vamos,
Velho urso! Pois também eu – sou profeta!”
F. Nietzsche
Fala-me de amor, sim, fala-me de amor!
Quando o meu fardo de tão pesado,
Trouxer à memória recordações vagas,
Apagadas pelo tempo que nos embalou
Da meninice aos cabelos alvos como a neve.
Tempo
Para rir, chorar, amar e ser amado.
Dar e receber...descobrir.
Palavras que ficaram por dizer,
Por cobardia ou ossos do ofício.
Nem eu sei! Como se a vida não fosse,
Um cordão umbilical
Que nos liga à Terra Mãe.
Houve lugar para a angústia e para a dor,
Entes queridos que ficaram
Nesta longa maratona, das Termópilas a Esparta.
Julguem-me os que calcorrearam
Os caminhos do desespero e da glória!
Nem todos navegaram em águas turbulentas,
Nem apanharam o mesmo vapor.
Aprendíamos à medida que íamos navegando.
Soubemos perder, para nos encontrar, de seguida.
E, quando isso não aconteceu,
Chorámos lágrimas de sangue.
Vendemos a alma, quando o álcool
Se apoderou dos nossos sentimentos,
Verdade!?
A mentira engana o mentiroso.
Pelo Nome, pela Palavra dada,
Não existe dinheiro que a pague.
Valores? Sim, intemporais e sagrados.
O mundo ao contrário: o Ser pelo Ter.
Fala-me de amor, sim, fala-me de amor!
Quando o nosso fardo
De tão pesado, trouxer à memória
Recordações vagas,
Do tempo em que éramos crianças.
Neno
Fazer das palavras nossas aliadas
Não sabemos mesmo até que ponto as palavras se servem de nós, nem até que ponto nos servimos delas.
Mas é uma relação poderosa, na qual muitos se abismam, como eu.
Não tenho esperança de as dominar, de as colocar ao meu serviço.
Contento-me com defender-me, até onde for possível, das suas inconcebíveis armadilhas.
Aposto todo o meu esforço e inteligência e boa vontade em domar as palavras, resistir à corrente do seu livre curso, usá-las e não ser usado, mas elas conseguem sempre fingir que estão a ser usadas como eu quero.
Tempo acabado de um Poeta
O tempo come-te a carne
e vomita flores perfumadas,
selvaticamente.
Ardem os livros
no inferno da Palavra
e o gosto a mel
percorre-te a língua, ávida.
Queixumes e lágrimas
acordam o Poema sagrado,
que desfaz a iliteracia
e aplaude o Poeta
compassivo do tempo
que come carne
e vomita flores.
prostitui-se a palavra (reed.)
Como impiedosos chulos,
sedentos de proveito,
desprovidos de respeito,
prostituem a palavra!
Tudo por um poema,
como se a poesia fosse vã,
vale tudo mesmo a martelo,
qual corpo são em mente sã!
Caso a dita palavra
não apresente serviço
é espremida até ao tutano
ou espancada com o açoite!
POR DETRÁS DO VÉU
Se a morte é,verdadeiramente, o findar de tudo
E viver é, tão somente, angariar acúmulo
Fecha-me os olhos; da palavra faça-me mudo,
Posto que tudo não passa de hermético túmulo.
Lança fora os devaneios, tod’esperança.
Transforma já o meu peito em inóspito deserto.
Corta-me os braços da fé, que como uma criança,
Os estendem invisíveis ao tido como certo.
Deixa-me vagar errante por esse mundo louco,
Faça-me entender nada do que já entendo pouco,
Lança-me em coisa nenhuma por detrás do véu.
Faça-me apagar a luz sentindo que inexisto.
Não! Eu prefiro me apegar ao que disse o Cristo:
Tudo o que ligares na terra, ligarás no céu.
(Mt18.18-19)
Frederico Salvo.
Vem, meu desejo!
Com uma pitada de malícia e outra de encanto
Misturaste estrelas, brilhos e flores dentro de mim
E os olhos do menino que eram saudade e pranto
Agora vertem mel ansiando beijar, teus lábios carmim
Ah, minha doce feiticeira e insensata pequena
Que vieste do verde e das águas cristalinas
Como dizer-te que teu verbo hoje me fez poema
E renascido o sonho, agora sou teu. Será sina?
Depois de ler e sonhar-te tanto, delicado jamais
Caneta, tinteiro, teclas frias, nunca mais
As penas e asas de anjo mando às favas
Paixão é vermelho, não branco de fadas!
Paz é para quem já morreu, falta não faz...
Vou começar pela boca o arrepio que vai rasgar
tua blusa em vê e descer pelas entranhas sem pejo...
O céu hoje é meu e teu. Vem, meu desejo!
Rudá