modo de lembrar
amanhece na saudade
segura um tempo que passou
esquece a realidade
onde a fatalidade dá conta
do mundo
relembra os campos em ondas de lírios
recorda a face na plenitude de rapariga
suas asas esquivas de gaivota
e dos livros que lia,
- a palavra amiga.
trazia na pele o odor a tomilho,
o corpo anelado de ternura
e no olhar um certo brilho
que mistério traria a vida futura?
moinho de vento no seu esplendor
e no pensamento a nostalgia das noites
d'amor.
girando nas lembranças o coração
descobre no seu pulsar
o quanto foi bom amar,
nas lentas palavras que sua mão
desenha, não deixa de sonhar.
rosafogo
a um passo do silêncio
somos vultos decrescendo
em horizontes sem braços.
distância que o tempo se esgueira
pra ver quem será o primeiro
a sumir sem lembranças...
somos ecos
do primeiro grito de guerra,
que nos deixou vestidos
de palavras tenazes,
sendo engolidos pelo vácuo
do esquecimento
receio chegar o dia
que virá o vento
ripando silêncio
sem que haja inversos
de nós para expulsar o frio
da nudez.
Versatilidade
És palavra
seminua em lua cheia
deitada no mar do pensamento
cavalgando ondas, abrindo vagas
como quilha
de barco
emproado de sentimentos
És palavra
enconchada em praia quente
plena de areias amareladas
pelo sol poente
traçando formas aladas
numa profusão de versos
emparelhados, fulgentes
És palavra
escrava vergada à dor
prisioneira do regime cru e cruel
a que te votaram nessa
folha simples de papel
mas que se ergueu bandeira
da República de Mel
És palavra
livre e ligeira pela madrugada
acordando cândida mas
despindo os seus véus como
serpente despudorada
tocando com a língua
a maçã
encantada…
Num dia és tudo
nas mãos do poeta
noutro dia
és nada!
as palavras como herança
a palavra salta-me da boca
com a certeza de que nada a aguarda
sai como o vento
e arrepende-se não tarda,
não me reconhece
nada sabe das minhas vitórias
nem dos meus fracassos,
nem das memórias
tão pouco dos meus passos,
nem sonha que a recebi
como herança
quando era bem criança,
quando o pião rodava na mão
e às escondidas brincava
lia livros para todas as idades
e já me olhava,
a folha branca do papel,
e inquieto, batia meu coração.
que saudades de então!
natalia nuno
rosafogo
VALA
VALA
Palavras
Cavam valas
Profundas
Avisadas
Escritas,
Profetizam
Em redondas
Letras:
- Caia
hoje espero a lua...soltas
minha face é geografia
uma aprendida lição
a vida a mão me estendia
e à vida estendi a mão...
palavra é como fruto
quer-se bem amadurecida
é com ela que eu luto
trago-a da maldade despida
ser menina... se pudesse
uma vez, inda outra vez
meu coração envelhece
fecha-se na sua mudez
profundo é meu olhar
que perscruta os sinais
e de tudo o que restar
as lágrimas serão fatais
trago o tempo no rosto
coração cheio de esperança
anda a vida a contragosto
e eu levada nesta dança
meu dia fica cinzento
aguardo uma oportunidade
se a vida não traz alento
deixo-me a viver de saudade
se invento ou me invento
ou pinto de escuro a vida
há um dia que sempre tento
pintá-la... de côr colorida.
hoje espero a lua nova
para fazer versos outra vez
cego a noite c' minha trova
e depois amor... talvez!
talvez que a noite seja nossa
como nunca antes tenha sido
talvez que a vida ainda possa
voltar amor... a fazer sentido
natalia nuno
rosafogo
Estas quadras são de 2015, encontrei-me hoje com elas no Facebook, então resolvi partilhá-las. Nem todas são do mesmo dia, são sim uma compilação, de quadras soltas, a que procuro dar sentido.
Fala-me de Amor, sim, Fala-me de Amor!
“ Não acreditas? Vamos,
Velho urso! Pois também eu – sou profeta!”
F. Nietzsche
Fala-me de amor, sim, fala-me de amor!
Quando o meu fardo de tão pesado,
Trouxer à memória recordações vagas,
Apagadas pelo tempo que nos embalou
Da meninice aos cabelos alvos como a neve.
Tempo
Para rir, chorar, amar e ser amado.
Dar e receber...descobrir.
Palavras que ficaram por dizer,
Por cobardia ou ossos do ofício.
Nem eu sei! Como se a vida não fosse,
Um cordão umbilical
Que nos liga à Terra Mãe.
Houve lugar para a angústia e para a dor,
Entes queridos que ficaram
Nesta longa maratona, das Termópilas a Esparta.
Julguem-me os que calcorrearam
Os caminhos do desespero e da glória!
Nem todos navegaram em águas turbulentas,
Nem apanharam o mesmo vapor.
Aprendíamos à medida que íamos navegando.
Soubemos perder, para nos encontrar, de seguida.
E, quando isso não aconteceu,
Chorámos lágrimas de sangue.
Vendemos a alma, quando o álcool
Se apoderou dos nossos sentimentos,
Verdade!?
A mentira engana o mentiroso.
Pelo Nome, pela Palavra dada,
Não existe dinheiro que a pague.
Valores? Sim, intemporais e sagrados.
O mundo ao contrário: o Ser pelo Ter.
Fala-me de amor, sim, fala-me de amor!
Quando o nosso fardo
De tão pesado, trouxer à memória
Recordações vagas,
Do tempo em que éramos crianças.
Neno
Fazer das palavras nossas aliadas
Não sabemos mesmo até que ponto as palavras se servem de nós, nem até que ponto nos servimos delas.
Mas é uma relação poderosa, na qual muitos se abismam, como eu.
Não tenho esperança de as dominar, de as colocar ao meu serviço.
Contento-me com defender-me, até onde for possível, das suas inconcebíveis armadilhas.
Aposto todo o meu esforço e inteligência e boa vontade em domar as palavras, resistir à corrente do seu livre curso, usá-las e não ser usado, mas elas conseguem sempre fingir que estão a ser usadas como eu quero.
Tempo acabado de um Poeta
O tempo come-te a carne
e vomita flores perfumadas,
selvaticamente.
Ardem os livros
no inferno da Palavra
e o gosto a mel
percorre-te a língua, ávida.
Queixumes e lágrimas
acordam o Poema sagrado,
que desfaz a iliteracia
e aplaude o Poeta
compassivo do tempo
que come carne
e vomita flores.
prostitui-se a palavra (reed.)
Como impiedosos chulos,
sedentos de proveito,
desprovidos de respeito,
prostituem a palavra!
Tudo por um poema,
como se a poesia fosse vã,
vale tudo mesmo a martelo,
qual corpo são em mente sã!
Caso a dita palavra
não apresente serviço
é espremida até ao tutano
ou espancada com o açoite!