Poemas, frases e mensagens de cromeleque

Seleção dos poemas, frases e mensagens mais populares de cromeleque

filosofia sobre espécimes de animais sob pressão

 
tenho para mim uma filosofia assente em meras observações de comportamentos animais, ditos racionais, aquando submetidos a situações de sobrevivência existencial. existe uma queda para o suicídio cerebral, nos casos em que o cérebro ainda revele qualquer tipo de sinal vital, sempre que os tamancos, usados para disfarçar a pequenez do ser, sejam alvo de análise, tipo teste do balão. como traque que incha e é expelido sob pressão pelas paredes do ânus, indo desfazer-se em merda numa superfície qualquer. e assim garatujam alguns espécimes de dinossauros.
 
filosofia sobre espécimes de animais sob pressão

enrosca-te a mim

 
diz a porca ao parafuso: enrosca-te a mim!
 
enrosca-te a mim

o mijo virgem de uma santa beata

 
há um homem que jaz enterrado sob as raízes de uma centenária árvore em pleno adro da igreja paroquial. há uma santa beata que todos os dias, após a missa das sete, se acocora junto ao grosso tronco da centenária árvore, afasta as pernas cobertas pelo saiote de algodão puro e expele cerca de um litro de mijo virgem sobre o lugar onde jaz um homem enterrado. há o sacristão que mal termina de se ajoelhar diante do sacerdote, na sacristia, após a missa das sete, corre na direcção da esquina a leste da igreja, a fim de se masturbar com a poça de cerca de um litro de mijo virgem da santa beata, junto ao grosso tronco da centenária árvore onde jaz o homem enterrado. há a alcoviteira fiel amiga da santa beata que jura a sete pés que aquele mijo virgem é o elixir da vida eterna capaz de ressuscitar o homem que jaz enterrado sob as raízes da centenária árvore.
 
o mijo virgem de uma santa beata

a voz do homem raiz

 
há a voz de um homem raiz a dizer poemas de amor. ninguém sabe ao certo há quantos anos permanece ali, sob os ramos de uma centenária sequóia, a voz sábia e serena do homem raiz. os que conseguem ouvir a voz do homem raiz sentam-se, suspensos aos ramos da centenária sequóia, a escutar cada poema de amor.
 
a voz do homem raiz

Amásio, o homem eunuco

 
Amásio era o homem, apesar de eunuco, mais feliz. o destino reservara a Amásio, o homem eunuco, um honroso serviço: guardião de um distinto harém no coração do Saara. A cada nascer do sol era invadido por um estímulo superior a fim de servir as flores que habitavam o distinto harém, apesar do deserto estéril.
 
Amásio, o homem eunuco

menina dos olhos

 
acordou e faltava-lhe a pupila do lado direito
finou-se de nó apertado ao lado esquerdo do peito.
 
menina dos olhos

publicidade falsa

 
há instantes derreti os últimos cartuchos do saldo do celular numa chamada para aquelas linhas de valor acrescentado e de carácter duvidoso. com a eloquência devida, pedi um poema piroso. do outro lado da linha obtive a resposta seca: lamentamos informar, mas o stock esgotou há minutos.
 
publicidade falsa

às sextas-feiras chorava anos a fio

 
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todas as sextas-feiras ao raiar do dia tomava a caixa de papelão branco e ia sentar-se no pequeno banco ao fundo do jardim. abria a caixa e chorava anos a fio a olhar aquele fato de marinheiro que a mãe costurara para a sua primeira festa de carnaval da escola. ele nem havia gostado nada da ideia de ser o marinheiro, preferia ser o zorro ou o super-homem, porque assim era o herói que combatia os maus da fita e salvava vidas. mas agora ali a olhar o fato de marinheiro dentro da caixa de papelão branco gostava de se ver criança vestida à marinheiro e chorava anos a fio.
 
às sextas-feiras chorava anos a fio

secura de afectos

 
havia uma flor a um canto dum lar numa jarra de cristal da Flandres. morreu de sede ainda não havia passado um mês. esquecidas, as pétalas outrora vivas voaram com o vento pela janela.
 
secura de afectos

às quintas-feiras saía à rua sem cabeça

 
era quinta-feira, e como nas demais quintas-feiras, retirava a cabeça de cima dos ombros e pendurava-a num dos cabides do vestíbulo, mesmo ao lado do cabide onde pendia o chapéu. saía para a rua sem a cabeça e por onde passava ouvia dizer lá vai o homem que perdeu a cabeça. e ele tirava o chapéu e acenava com a cabeça a sorrir e continuava a jornada sem a cabeça.
 
às quintas-feiras saía à rua sem cabeça

o enterro

 
o homem vestiu o fato preto, deu o nó ao pescoço na gravata de seda italiana preta e saiu de luto na direcção do seu próprio funeral. durante as exéquias não conteve as lágrimas no momento em que o padre dirigiu um rol infinito de elogios ao morto, que era ele próprio ali deitado no caixão de madeira do brasil preta. mas o momento da sua própria cerimónia fúnebre que realmente lhe destroçou o peito foi ver todas as mulheres que amara em vida, juntas e em uníssono, a enterrarem-no sob a terra fria. e ele que lhes havia dado tanto calor.
 
o enterro

ao antónio

 
não te esqueças de vestir o colete, toni.

o bicho acabou por levar-te, antónio. esse cabrão de riso cínico à espera numa qualquer estação de um novo corpo de um novo órgão para se instalar. sabes, antónio, quantas vezes vi esse filho da puta a apagar sorrisos a amputar a esperança de olhares ainda inocentes. mas tu venceste-o durante dois anos, antónio. lembro-me do nuno a chamar-te ao palco e a entregar-te o prémio em lágrimas, esse palco onde sempre deste a vida aos outros. e continuarás a dá-la.
 
ao antónio

more

 
há uma bota da tropa em estado de decomposição abandonada a um canto por um mancebo que não chegou a usa-la, sequer fez tropa. abandonada a um canto esguicha um lamento em surdina a bota da tropa que nunca foi calçada.
 
more

D. Soberba Altivez

 
D. Soberba Altivez, humilde viúva do excêntrico Senhor Majestoso Orgulho, era uma escritora conceituada na praça, onde, na sua modéstia, gostava de caminhar em círculo, ladeada pelas suas astutas damas-de-honor que seguiam sempre alerta, não fosse D. Soberba Altivez tropeçar na calçada devido às tonturas provocadas pelo giratório movimento em torno do seu eixo.
 
D. Soberba Altivez

já sinto o berbigão

 
Jacinto Berbigão era o afamado Reverendo da húmida aldeia de Tapadas de Baixo. não havia dia que, pela manhã cedo, não celebrasse a Santa Eucaristia, caso contrário as devotas beatas de Tapadas de Baixo organizam um manifesto de luto, apelidando o Senhor Reverendo Jacinto Berbigão de infame herege.
sempre que Jacinto Berbigão se ajoelhava durante a Eucaristia, as devotas beatas emitiam entre si o efusivo murmúrio agora que se ajoelhou vai ter de rezar. mas o auge era o tão esperado momento da paz, em que Jacinto Berbigão descia do altar para saudar as devotas beatas com o ósculo da paz. a cada repenicado beijo nas engelhadas faces das devotas beatas, ouvia-se um prolongado e oxítono gemido, e até as pedras da igreja transpiravam, devido aos intensos e húmidos calores que se faziam sentir em Tapadas de Baixo.
 
já sinto o berbigão

o homem maneta.dois

 
o homem maneta chorava e corria atrás do comboio a esguichar sangue pelo braço direito que havia ficado para trás, decepado sobre os carris. corria como um soldado que fuzila a guerra de dentes cerrados para chegar a casa e de braços abertos abraçar o seu amor.
 
o homem maneta.dois

poesia chiclete

 
um homem anão mascava chiclete com sabor a morango, sem açúcar, e escrevia poemas nas bolas que da boca nasciam. havia as que faziam pum assim que eram dadas à luz, outras que cresciam precoces e logo faziam pum e havia as que, muito raras, cresciam cresciam e cresciam até que cingiam o homem anão na eminente redoma.

chiclete (clé)
(inglês chiclets, marca registada)
s. f.
Goma aromatizada feita a partir do chicle e que se pode mastigar durante bastante tempo. = pastilha elástica
 
poesia chiclete

arte de apascentar

 
* dicionário do estudante da língua portuguesa 1990

O cabrão vomita gafanhotos alcandorado à bílis.
A cabrilha vomita gafanhotos alcandorada ao bimotor.
A caça vomita gafanhotos alcandorada à biodinâmica.
O cacaracá vomita gafanhotos alcandorado à biologia.
O cacual vomita gafanhotos alcandorado à biotipologia.
A cachaça vomita gafanhotos alcandorada ao biqueirão.
O cachão vomita gafanhotos alcandorado ao bis.
O cachiço vomita gafanhotos alcandorado ao bisbilhoteiro.
 
arte de apascentar

fax

 
sem destinatário.

urge oferta de produção literária/artística. é favor remeter para o recto.
 
fax

às quartas feiras virava os truces do avesso.

 
http://ocromeleque.blogspot.com/

às quartas-feiras trabalhava apenas até à hora de almoço. comia os restos da sopa do jantar de terça-feira, acompanhada de um naco de broa de milho caseira, e dormia a sesta até às três em ponto. vestia uns truces do avesso, amuleto da sorte usado desde que vestira uns truces do avesso e chegara atrasado ao autocarro que viria a despenhar-se num precipício e não sobrevivera passageiro algum, e rumava até à tasca do zé descalço a fim de investir uns trocos na lerpa. assim que passava a porta de entrada era presenteado com o peculiar aroma saído dos pés do zé, afamado atributo entre as tascas da região. cumprimentava o zé, que lhe servia um bagaço duplo, e tomava o seu lugar à mesa. saía sempre de bolsos vazios, mas voltava todas as quartas-feiras à tarde com os truces virados do avesso.
 
às quartas feiras virava os truces do avesso.

"Cada uma delas mergulhada numa existência bestial abençoadamente isenta de significado espiritual: esguichar leite, ruminar, defecar e mijar, pastar e dormir, a isso se resumia toda a sua raison d'être." (Roth, Philip. A Mancha Humana. Publicações ...