Textos : 

dormente.

 


. façam de conta que eu não estive cá .














as insónias com as suas bocas grandes abertas a comer a pele do corpo lento de sono. à entrada do coração sentam-se com uma fileira de memórias e uma fisga, quando tento entrar acertam-me em lugares do corpo que pensava mortos. não dormir. os olhos abertos, os olhos abertos e o tecto do mundo, quase estrelado, quase quase vivo. passam muito lentos por mim os corpos da minha infância. o meu avô com o seu fato azul escuro e a boina ao xadrez, a minha mãe com o meu irmão à frente corrido à vergasta, a minha avó com o seu avental às flores e as mãos na cabeça, o tio zé em passo de procissão, a senhora maria com a biblia debaixo do braço, o meu pai que anda como quem corre. tudo isto passa por mim, noite adentro, em repetição contínua. as insónias estão agora entretidas, repetem ao coração ladainhas de morte. que tudo morra agora. que tudo morra. que não há espaço dentro e fora do corpo para mais nada. que não há nenhum lugar onde durma. que não dormir é perder tamanho,descalçar os pés e correr de frente para o abismo.






 
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Margarete
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Enviado por Tópico
sampaiorego
Publicado: 14/07/2010 12:19  Atualizado: 14/07/2010 12:19
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Usuário desde: 31/03/2010
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 Re: dormente.
as noites são quase sempre um buraco no tempo. todas as noites. em rappel. desço até às suas profundezas – já lá encontrei de tudo. um dia até encontrei um motivo para não voltar – mas tenho ainda por aqui em textos por acabar. principalmente um soneto inglês. coisa chique para deixar de herança – o problema é que tenho que subir sempre muito devagar. obrigações do corpo para me adaptar ao que me espera na superfície – encontro sempre a cama molhada e as recordações cada vez mais tristes

beijo