Olhai que o meu povo anda doído
e sente essa mesma dor tão calado,
estranho é esse silêncio, sentido,
pior que o mais profundo brado.
Olhai a minha gente sem amparo,
vede como triste teme o futuro,
a magia e a ilusão são caso raro,
desiludidos num beco magro, escuro.
Reparai os meus pares tão sós,
números primos tão singulares,
escondidos, famintos, sem voz,
andam assim aos vários milhares.
Nota-se que anda uma onda vazia,
atraida pela crise, pela pobreza,
um sem fim de sombras e maresia
naufragrando em mágoa e incerteza.
Sou fiel ao ardor,
amo esta espécie de verão
que de longe me vem morrer às mãos
e juro que ao fazer da palavra
morada do silêncio
não há outra razão.
Eugénio de Andrade
Saibam que agradeço todos os comentários.
Por regra, não respondo.