Poemas : 

à memória

 
"Verdade, também isso se perde porque a memória, aprendi por mim, é indispensável para que o tempo não só possa ser medido como sentido."
JCPires - De Profundis, Valsa Lenta

...será que a memória se gasta? Será que a memória dilui a capacidade que temos de nos lembrar os resquícios sem fundamentos, será que consegue fazê-los voltar à tona como forma de estarmos bem com nós mesmo e libertar os outros que nos vêem? Será que esses pequenos nadas não serão pedaços de fobias mal cicatrizadas nos confins da nossa mente inquieta? Será que a memória nos cega? Será que a memória transforma acções que são visíveis aos olhos em protuberâncias indecifráveis quando tentamos extrair o sumo delas? A memória individual é simples, linear, sabe distinguir o preto no branco, sabe realizar com exactidão os processos diários da entrega da mente ao que nos rodeia. A memória conjunta, aquela que suporta a união de factos vividos, já é mais complexa e surreal. É capaz de escurecer pequenos quartos, de apagar a luz interna, de contradizer a nossa capacidade de fala pelo medo, receio, ou, simplesmente, porque a altura e a forma como ela se encontra em nós, não nos deixa realizar plenamente um Habeas corpus ao corpo e aos outros, para que possa sustentar a própria memoria na comunhão com nos mesmos. Tudo se conjuga na parte física, tudo se sente na espinal medula, tudo se transforma em acções não delineadas no rumo que tomamos e, que de uma forma pura, tentamos seguir. O corpo larga espinhos como forma de protecção à tentativa estranha de aceder à caixa de pandora. Entrelaçamos, de uma forma pragmática, acções de fronteira que nos separarão da possibilidade de aceder a bytes delineados como processos acabados e que podem dar acesso ao cpu interno. Sabemos que não é de forma malevolente que nos retraímos na busca de memórias simples, sem significado. Sabemos que é a forma de proteger o que sentimos, vivemos e não o fazemos na expectativa de pareceremos melhor do que o que realmente somos.
Somos memórias, vividas, apagadas, esquecidas, enamoradas, pedaços de alegorias que nos fazem seres humanos com qualidades e defeitos.
No dia em que perderes a memória poderás viver melhor com o mundo, mas nunca viverás de bem contigo mesmo...porque, mesmo esquecendo os pontos finais que terminam as frases ou as vírgulas que separam acções e ideias, nunca esquecerás que o mundo que te envolve te lê.

...o corpo apenas protege o centro nevrálgico que sustem a nossa vivência...

à memória esquecida!


"Quanto maior a armadura, mais frágil é o ser que nela habita!"



 
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Gothicum
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Enviado por Tópico
visitante
Publicado: 06/04/2014 10:15  Atualizado: 07/04/2014 23:08
 Re: à memória
Bons questionamentos!
Uma viagem silente ao desconhecido.
A memória seria a alma,
ou apenas uma das funções da mente?
Gosto de te ler.
Grata pela partilha
Abraços