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Sofia e a coleção de preciosidades

 
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Enfim chegou a noite do vernissage de Sofia, tão esperada como riso-nho ménage artístico imbuído no hábito vintage da marchante. As fotografias eram apreciadas por serem semelhantes a cenário apocalíptico virtualmente recheado de explosões e clarões de luzes coloridas em fundo branco desmaiado. Ali em terra estranha, talvez tivesse mais sorte. Poderia executar exercícios de trombone sem que os vizinhos a confortassem. Ou sem que fosse executada durante um deles.

- É verdade que ele está aqui?, balançou os quadris enquanto olhava o quadro do velho pai adornando a parede sul do escritório do agiota.

- Ele quem? O que está aqui?, foi a resposta que ouviu do mendigo sacripanta confortavelmente sentado ao longo do dia numa cama de pregos degustando um espetinho de camarão regado a licor de menta piperita. Conformou-se porém, quando lhe disseram que eram pessoas humildes aquelas que se apresentavam à frente. Poderia espirrar sem ser humilhada pelo orvalho do cafezal úmido.

Já não havia nada mais a ser feito naquelas circunstâncias. Os espanta-lhos cumpriam a missão enfeitando todos os cemitérios malditos espalhados pelo mar, confundindo pegadas dos fantasmas com manchas de ectoplasma anônimos deixadas por D. Juan ao se afastar de um postigo após cortejar uma rapariga casadoira. Em resumo, tudo se confundia, o sol, o rastro da serpente com o mapa de Ítaca, perdido nos olhos dos machados durante a odisseia nos espaços labirínticos domina-dos pelo Minotauro. Se nem Ícaro ouviu os conselhos de Dédalo, quem tinha boca voltou de Roma escrevendo torto por caminhos mais tortos ainda.

Boa observadora, não poderia ser estúpida a ponto de não deixar em paz o Cupido. Cerca de cem amigos próximos flechados sofriam tédio e solidão comuns entre os trópicos e no clube de mulheres. Foi necessário pegar um ônibus para delicadamente deixar que as outras senhoras terminassem em paz a grande marcha pela temperança, convidando um casal de amigos já que a tensão estava cima da normal e o nobreak apitava freneticamente querendo estar em linha mais uma vez.

Honestamente, Sofia preferia que a noiva entrasse ao som das “ Quatro Estações” enquanto dançava o minueto com os demais funcionários da empresa, observando os proprietários de automóveis e carentes de casas próprias. Não discutiu apesar da esposa do síndico estar grávida do terceiro filho. O entregador mal deixou o pacote encontrando Sofia distraída, observando uma a uma, as fotos do álbum de recordações da casa dos mortos.

- Agradeço a todos, exclamou em meio a um soluço quando teimosa lágrima insistia em borrar a maquiagem esmerada. Balançou novamente a cabeça enquanto escamava e eviscerava uma tainha:

- Todos os sentimentos foram sufocados diante das preciosidades dessa coleção. É uma pena que não tenha uma máquina fotográfica! Realmente gosto de ler revistas sobre o ponto cruz.



 
Autor
FilamposKanoziro
 
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