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Sofia atravessa o Rubicon procurando a sombra do olmo

 
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Sofia correu para fora tentando sair da sombra do olmo. Acendeu a lanterna na ponta do cigarro. Fumava um Galois, papel de chocolate, lembrança de Casablanca, cheia que estava após ter ouvido mais de trinta vezes a mesma música. Repetiu mentalmente:

" - Toca outra vez? " Então, lambuzada com cera derretida, encolheu os joelhos aguardando o puxão no celofane. Sabia que a dor iria ser terrível, mas valeria a pena livrar-se de todos aqueles pelos.

Maquinalmente, como autômata teleguiada, telepata e cordata foi que entregou os tíquetes ao porteiro. Este destacou dois ou três cupons de racionamento calculando ali mesmo o desconto. Derretida como manteiga belga em chapa de zinco quente escolheu um numero e marcou com uma cruz. Naquele momento, a sorte estava lançada e sobre o Rubicon pairava uma neblina densa. Só então percebeu que as portas se fecham depois que o jogo acaba.

Muitos não podem sequer voar nem acompanhar a lebre durante a corrida com o jabuti. Foi uma pergunta indiscreta, mas acidentalmente veio a curiosidade se a raposa podia voar enquanto a garça se deliciava com o conteúdo do copo alongado e fino.

" - Estou percebendo que não gosta de mim, disse o preclaro mestre de obras ao operador da grua, momentos antes de desabar com parte da arquibancada. " -Pode parar de mentir. Tudo o que diz não passa de deslavadas mentiras..."
Assim é a vida, assim são as coisas. Uma parcela do público deixa o estádio como manada de búfalos bêbados burburinhando nas lotações rumo às periferias. Até mesmo para Sofia havia um game over sem outra vida. É, senhores. O jogo acabou. Mas, sempre há o segundo tempo e estamos ainda na vigésima segunda rodada do segundo turno.

Contudo, depois do apito final, nada mais havia a esperar Nem aquele trem que saia Jaçanã às 23:00 horas em ponto. Mas, todos têm de viver de alguma forma, mesmo com saudades da querida e inestimável edificação suburbana compartilhada. E se não havia mais pressa, o circulo se completava encerrando a caçada. Outubro continuava vermelho, mas a linha estava muda sob os trópicos onde reluziam estrelas no céu surdo aos trovões.

No silêncio, meia dúzia de vozes sobressaiam em detrimento às demais. Por mais reluzentes que fossem, estrelas sempre seriam nada mais do que estrelas mesmo. Sem mais delongas nem considerações complementares. Mesmo ali na cobertura o telefone não parava de tocar. Sofia atendeu pelo tubo de refrigeração e gritou furiosa, porém esfuziante e graciosa como só ela sabia ser nesses momentos cruciantes :

" - Vamos nos encontrar outra vez. Mas você precisa entender os sinais que a menina faz com as mãos. Ela não está com coceira, nem quer imitar passarinho. É surda muda."

Foi com essas certeiras palavras que fez ver que tudo que começa antes, não mais será como sempre foi, mas fica bem quando acaba no final. E se não acabou ainda, foi porque não está nada satisfatório. Isso não é original, mas acho que é de domínio público e foi adaptada para a ocasião. Todos compreenderão. Ou talvez não? É o risco a se correr, como nos filmes quando o nobreak começa a emitir bips curtos e menos espaçados avisando que não há mais esperanças já que a energia acabou.



 
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FilamposKanoziro
 
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